Hoje é dia de um time histórico do Flamengo, o primeiro time da história do clube, em 1912. O Grupo de Regatas do Flamengo foi fundado como clube de regatas no 17 de novembro de 1895, data celebrada no 15 de novembro para coincidir com a proclamação da República. Nesse mesmo ano de 1895, o primeiro jogo de futebol aconteceu no Brasil, em São Paulo. O futebol cresceu no início do século seguinte, e Alberto Borgeth, brasileiro da classe alta, jogava remo no Flamengo e futebol no Fluminense. Torcedor do Flamengo, queria já fundir uma seção de futebol no Flamengo, mas a ideia foi recusada, futebol sendo um esporte “de bailarinas” e não para “homens” como o remo era na época.
Em 1911, Alberto Borgeth, centroavante do Fluminense, foi substituído para os últimos jogos do campeonato carioca pelo zagueiro Ernesto Paranhos, uma humilhação na época. Jogadores recusaram-se a jogar para dar apoio ao Alberto Borgeth, que recusou essa ideia. Fluminense foi campeão, mas quase ninguém assistiu a festa do título. “Nunca se comemorou menos ruidosamente a conquista de um campeonato”, escreveu Mario Filho. Alberto Borgeth liderou a turma dos dissidentes e propôs a fundação de uma seção de futebol no Flamengo num assembleia de sócios realizada em 8 de novembro de 1911. Apesar de uma certa desconfiança dos remadores, a ideia foi aprovada e no 24 de dezembro de 1911, criou-se o Departamento de Esportes Terrestres, tendo como primeiro diretor o próprio Alberto Borgeth. Nove titulares do Fluminense campeão carioca 1911 foram no Flamengo, as únicas exceções sendo Oswaldo Gomes e James Calvert, que ficaram no Fluminense.
Ainda sem campo, Flamengo treinou na Praia do Russel. Flamengo estreou no 3 de maio de 1912, no campo do America, na rua Campos Salles, contra Mangueira. Pela primeira vez de sua história, Flamengo, dirigido pelo Ground Committee, entrou em campo e foi escalado assim: Baena; Píndaro, Nery; Coriolano, Gilberto, Gallo; Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo, Borgeth. Flamengo estreou com a famosa camisa papagaio de vintém, uma camisa com 4 grandes quadrados. O Manto Sagrado com listras horizontais já existia, mas só no remo, mais elitista, que obrigou a seção de futebol a jogar com uma camisa diferente.
E nosso Flamengo precisou de menos de um minuto em campo para já fazer um gol, Gustavo marcando o primeiro gol da história do maior do Mundo. Na revista Grandes Clubes Brasileiros de 1971, Gustavo volta as lembranças de quase 60 anos atrás: “Foi praticamente no início da partida, mais precisamente no primeiro minuto. A jogada começou lá atrás, na esquerda da nossa defesa, com o Galo dominando e me cedendo um passe na altura da meia canhota. De primeira, tão pronto recebi, lancei na extrema direita, em profundidade, para o Arnaldo, que fugiu pela linha de fundo e de lá deu para trás, dentro da grande. Eu acompanhara o ataque no pique mais veloz que possuía e, de pé direito e em plena velocidade, emendei de primeira e violentamente, rasteiro, de forma indefensável para qualquer goleiro. Eu era baixinho e muito leve, mas compensava tudo isso com a rapidez […] Eu fui o autor desse feito histórico e titular até o mês de julho, quando viajei para a Inglaterra, onde permaneci cinco anos, estudando engenharia. Quando formado, em 1918, voltei ao Rio e a jogar pelo Flamengo”.
E com apenas dois minutos de jogo, Flamengo fazia um segundo gol, de novo com Gustavo, agora com assistência de Gilberto. Flamengo continuou a fazer gols com um ritmo impressionante. No intervalo, uma ampla vantagem de 5×1 para nosso Mengo. Numa época antiga de futebol, ou melhor, do Foot-Ball, o intervalou durou apenas 5 minutos. E Flamengo voltou em campo ainda mas avassalador. No dia seguinte, o Jornal do Brasil escreveu, num vocabulário de uma época antiga: “A peleja foi desastrosa para o Mangueira, cujo eleven era visivelmente inferior ao do adversário. Foram poucas as vezes em que seus players pisaram o campo inimigo. O seu goal-keeper, desnorteado, sem calma, fez o que era possível naquella conjectura. Para o contraste flagrante do estado das equipes o defensor das barras do Flamengo passeava de braços cruzados por não ter serviço”.
Flamengo fez gols, continuou a fazer gols, até errou dois pênaltis. Alberto Borgeth fez o gol 14 e Gustavo o gol 15. No fim das contas, Flamengo 15×2 contra Mangueira. Cinco gols de Gustavo, quatro de Arnaldo e Amarante, um de Gallo e Borgeth. Durante muitos anos, o placar considerado foi um 16×2, por causa do Jornal do Comércio, que deixou em manchete no dia seguinte um erro duplo: “Fluminense vence 16×2 Mangueira”. A correção no dia seguinte passou despercebida, até a pesquisa de Marcelo Abinader no seu livro 1912, surge o futebol do Flamengo. Mas qual clube poderia estrear no futebol com uma goleada assim de 15 gols? Só o Flamengo.
No segundo jogo de sua história, agora em Laranjeiras, Flamengo abriu o placar de novo no primeiro minuto do jogo, agora com Alberto Borgeth. No final, vitória 6×3 contra o America, com dobletes de Borgeth, Arnaldo e Gustavo. Flamengo perdeu o artilheiro do campeonato, Gustavo, que foi estudar na Inglaterra. Depois voltara ao Flamengo, como jogador e até como presidente, onde brigou com Leônidas da Silva. Flamengo também conheceu a primeira derrota de sua história, contra Paysandu. Recuperou-se com uma vitória 7×4 contra Bangu. Outra época de futebol. E depois o primeiro Fla-Flu da história, um 7 de julho de 1912, dia do meu aniversario, exatamente 80 anos antes do meu nascimento. Por causa da história, Fla-Flu já era clássico antes do primeiro jogo. Nelson Rodrigues, escritor tricolor, escreveu: “O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada”. Tricolor roxo, também escreveu: “Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”. Eu não sou brasileiro, mas sou Flamengo, por todos os dias de minha vida.
Infelizmente, Flamengo perdeu o primeiro Fla-Flu da história, 3×2, com um gol tomado no último minuto do jogo. Nas Laranjeiras, apenas 800 pessoas nas arquibancadas, por causa de uma competição de regatas no mesmo dia, o remo ainda sendo o esporte mais popular da cidade na época. Flamengo perdeu o primeiro Fla-Flu, mas depois ia se tornar o maior vencedor do clássico mais charmoso do Rio. Em 1912, Flamengo fechou o primeiro turno do campeonato carioca no segundo lugar com 10 pontos, mesmo total que o America e dois pontos atrás do Paysandu. Em quarto lugar, Fluminense, com 9 pontos.
No segundo turno, Mangueira de novo foi goleado de forma vergonhosa, um 14×0 para Flamengo com 4 gols de Arnaldo e 3 de Borgeth. Fla ganhou seu primeiro jogo de W.O, contra Bangu, e em seguida empatou 1×1, tanto contra Paysandu que contra Rio Cricket, os dois primeiros empates da história do Flamengo. No mesmo dia do empate contra Rio Cricket, Paysandu, time fundado por ingleses, ganhou 4×2 contra Fluminense com uma arbitragem duvidosa segundo os jornais da época, e sagrou-se campeão carioca. Pelo menos, nosso Mengo vingou-se da derrota no primeiro Fla-Flu, com uma vitória 4×0 contra Fluminense no 27 de outubro de 1912, também nas Laranjeiras. Flamengo fechou seu primeiro campeonato carioca com uma vitória 3×0 contra São Cristóvão, com 3 gols de Baiano, jogador nascido em 1893 em Fortaleza, mostrando as ligações entre Flamengo e o Nordeste já desde o início do clube.
Flamengo ficou no segundo lugar, como faria em 1913, antes de ganhar o título em 1914 e 1915, este último de maneira invicta. No fim do ano de 1912, alguns jogadores do Flamengo, como Píndaro, Gallo, Milton, Arnaldo e Nery jogaram com a seleção carioca, que fez uma excursão no Sul do Brasil. Para o Flamengo, o título não veio em 1912, mas nascia em campo nesse ano o maior clube do Brasil.









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