Times históricos #13: Flamengo 1953

Vamos continuar as homenagens ao Nosso Rei Zico pelo seu 70o aniversario, com uma volta no ano de seu nascimento, que não foi apenas a criação de Deus para Flamengo, 1953 também foi um ano de ouro, de título, de milagre.

O ano começou com o fim do campeonato carioca 1952. No 3 de janeiro de 1953, Flamengo perdeu seu primeiro jogo do ano, contra o America. O técnico era um monumento no Flamengo, Jayme de Almeida, e Flamengo tinha grandes jogadores como o goleiro paraguaio Garcia, Jordan, Dequinha, Joel, Índio e Zagallo. Flamengo ainda goleou Botafogo por 6×3 e Bonsucesso 5×2, Índio fazendo um hat-trick nos dois jogos, e fechou o campeonato com uma vitória 3×1 contra Fluminense, com gols de Índio, Adãozinho e Rubens, o supercraque do time. O apelido do Rubens era Doutor Rubis pela classe que ele tinha em campo. O grande jornalista Mario Filho descreveu Rubens assim: “Gostava de dar dribles largos. Parecia que prendia a bola com um barbante amarrado à chuteira. Porque a bola, que ele atirava para a esquerda e para a direita, voltava sempre, logo, aos pés dele. Rubens não andava como qualquer mortal. Levava um pé à frente, devagar, deixava-o pousar na calçada e, depois, trazia o outro, gingando o corpo, como se dançasse. Não era um samba (…) era um gingar de malandro. De bamba de terreiro”.

Mas quem foi campeão carioca 1952 foi o Expresso da Vitória, o grande time do Vasco. Desde o tricampeonato do Flamengo entre 1942 e 1944, Vasco faturou a maioria dos títulos cariocas: 1945, 1947, 1949, 1950, 1952. Fluminense conseguiu ser campeão em 1946 e 1951 e Botafogo acabou com um jejum de 13 anos em 1948. Flamengo ainda ficava num jejum de 9 anos, não tinha levantado a taça desde 1944, quando o Maracanã nem era um sonho. As coisas precisavam mudar.

Mas as coisas não mudavam ainda. No primeiro quadrangular internacional do Rio de Janeiro, Flamengo empatou contra o Racing e venceu Boca Juniors por 4×2. Mas no jogo do título, foi goleado 5×2 pelo Vasco, que conquistou a taça. Flamengo ainda passou por amistosos, inclusive um na Vila Belmiro onde foi derrotado 4×3 pelo Santos apesar de um novo hat-trick de Índio. Dois dias depois, vingou-se com uma goleada 4×0 contra o mesmo Santos na mesma Vila Belmiro. No torneio quadrangular Régis Pacheco, na Bahia, Flamengo começou com uma goleada 8×2 contra Vitória e em seguida venceu dificilmente Bahia e empatou contra o Internacional, que levou o título com duas goleadas contra os times baianos. No torneio Juan Domingo de Perón, no Monumental de Buenos Aires, Flamengo empatou contra o Racing e Boca Juniors e goleou Botafogo 3×0 com dois gols de Rubens e um de Joel. Flamengo, enfim, campeão.

Flamengo era campeão na Argentina, mas de um torneio amistoso. Voltou no Brasil para um torneio para valer, o torneio Rio – São Paulo. Contra o mesmo Botafogo, Doutor Rubis fez de novo um doblete, mas Flamengo empatou 3×3. E agora sim, as coisas mudaram com a nominação como técnico do paraguaio Fleitas Solich, que levou dez dias antes o Paraguai ao seu primeiro título do campeonato sul-americano, conquistado num jogo desempate contra o Brasil. Tinha três outros paraguaios no time: o goleiro Garcia, o meio-campista Modesto Bría e o centroavante Benítez. Tinha também o argentino Chamorro para um Flamengo internacional no contexto pós-Maracanaço. Fleitas Solich, que recebeu o apelido de Feiticeiro para sua capacidade de revelar jogadores, não foi o primeiro estrangeiro a treinar o Flamengo, este foi Ramón Platero em 1922, que treinava ao mesmo tempo Flamengo e Vasco! Depois teve vários, o mais famoso foi o húngaro Dori Kruschner, que revolucionou a tática no Brasil e importou o WM.

Fleitas Solich também revolucionou a tática no Brasil, com um 4-2-4 e um Zagallo recuado, um esquema tático que será utilizado pelo Brasil campeão do mundo em 1958. Fleitas Solich começou no Mengo com uma vitória 3×2 contra o Santos no Maracanã, com gols de craques, apenas de craques: Joel, Evaristo de Macedo e Esquerdinha. Flamengo sempre foi diferente. Em seguida, empatou contra Vasco e logo no seu terceiro jogo, Fleitas Solich levou uma terrível goleada, um 6×0 contra o Corinthians! O clube paulista fechou com o título este ano e tinha um grande time, com Cláudio, Luizinho, Carbone e Baltazar, mas uma derrota assim sempre dói. Em seguida, Flamengo empatou quatro vezes consecutivamente e fechou sua participação com uma derrota contra Bangu e um 8o lugar num torneio de 10 times. Uma decepção. Conquistou o torneio triangular de Curitiba contra a Portuguesa e Coritiba, mas levou um 4×1 num amistoso contra São Cristovão no antigo estádio Figueira de Mello e perdeu logo no torneio inicio carioca contra o Canto do Rio. Fleitas Solich ainda estava longe de convencer todo mundo.

No campeonato carioca, Flamengo estreou com uma goleada 4×0 contra Madureira. Venceu Olaria e a Portuguesa. Goleou Bonsucesso 4×0, Benítez fazendo todos os gols do jogo! Benítez ainda fez um doblete numa outra goleada, um 5×0 contra Bangu, com também um doblete de Rubens e um gol de Joel. Mas depois, Flamengo perdeu contra Fluminense, empatou contra São Cristovão e perdeu 3×0 contra Botafogo. Flamengo sofreu com Garrincha, autor de um gol e que disputava esse ano seu primeiro campeonato carioca, enfrentando Jordan, que foi segundo o próprio Garrincha, o maior marcador dele, sempre jogando limpo. Laterais esquerdos para Garrincha era tudo João, a mesma coisa, menos Jordan, o marcador impecável. Apesar de outras vitórias durante a primeira fase, Flamengo fechou o primeiro turno com um 3×3 contra Vasco e ainda não convencia todo mundo, vencendo nenhum dos grandes times do Rio.

Flamengo precisava vencer, não podia ficar mais um ano sem título, completar um jejum de dez anos. Flamengo tinha que ganhar em 1953, ano do nascimento de Zico, um ano totalmente rubro-negro. O padre Góes, flamenguista roxo, não aguentava mais. No livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil, Marcel Pereira escreve: “O padre Góes, da Igreja de São Judas Tadeu, flamenguista fanático, sofria. Em 1953, quando não aguentou mais, foi à Casa Grande da Gávea e lá, sem preâmbulo, com os jogadores em volta – Fleitas Solich mostrando os dentes de coelho num riso, Gilberto Cardoso sério, como numa igreja – garantiu que, em nome de São Judas Tadeu, o Flamengo ia ser campeão de 1953. Mas os jogadores tinham que ajudar um pouco: não custava nada ir numa missa de domingo, na manhã antes de cada jogo”. Flamengo era, é e sempre será diferente de todos os outros clubes.

E Flamengo começou o segundo turno com uma goleada 7×2 contra Bangu, três de Índio, dois de Rubens, um de Esquerdinha, um de Joel. De novo, só craques no Flamengo. Venceu Olaria, Canto do Rio, Bonsucesso e como na primeira fase, empatou 3×3 contra Vasco. Também empatou contra Botafogo, um 1×1 com gols de Joel e Garrincha, dois campeões do mundo em 1958 na ala direita. Entre goleadas, 5×0 contra a Portuguesa e Madureira, 4×0 contra São Cristovão, uma vitória mais difícil contra America, 3×2 com gols de Benítez, Rubens e Índio. Só craques. Rubens e Índio voltaram a fazer um gol para vencer o Fla-Flu, último jogo da segunda fase. Flamengo classificou-se para o hexagonal final como primeiro do campeonato, com 36 pontos, um a mais do que o Botafogo. Com a ajuda do padre Góes, rezar para São Judas Tadeu parecia funcionar.

Fluminense, Vasco, America e Bangu também se classificaram para o hexagonal final, uma era de ouro para o futebol carioca. Flamengo venceu um outro Fla-Flu, de novo por 2×1, agora com gols de Benítez e Índio. Benítez continuou a marcar nas duas vitórias contra América e Bangu, as duas pelo placar de 2×0, contra América no 28 de dezembro de 1953 e contra Bangu no 3 de janeiro de 1954. Mas nada de férias, Flamengo precisava ganhar o campeonato, precisava rezar ainda mais para São Judas Tadeu.

De novo Marcel Pereira no livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil: “Quando chegou a manhã da partida decisiva, Gilberto Cardoso, Fleitas Solich, Alves de Morais, todos os jogadores, até o dr. Rúbis, com velas na mão, ajoelhara-se diante do altar da Igreja de São Judas Tadeu, no Cosme Velho”. No jogo decisivo contra Vasco, 132.508 almas no Maracanã. O adversário era o Expresso da Vitoria, de Ely, Ademir, Pinga e Ipojucan, campeão de 1952, e que também tinha um zagueiro no início de carreira, Bellini. O técnico é Flavio Costa, outra lenda do Flamengo, ainda hoje que dirigiu mais vezes o Flamengo, 765 vezes entre 1934 e 1965. Um monumento.

No Maraca, o lateral-esquerdo vascaíno Jorge foi o primeiro a marcar. Só que foi gol contra. Flamengo 1×0. Com meia-hora de jogo, Índio marcou, pelo Flamengo, 2×0 e um minuto antes do intervalo, Benítez quase deu o título ao Flamengo com um gol, Flamengo 3×0. O grande Ademir deu esperança ao Vasco fazendo um gol com uma hora de jogo. Mas um minuto antes do fim do jogo, Benítez deu o título ao Flamengo com mais um gol, Flamengo 4×1, Flamengo campeão. No 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro de Rio de Janeiro, Flamengo fechou o campeonato contra Botafogo com mais uma vitória, a quinta em 5 jogos no hexagonal final, com um gol de seu maior craque de um time cheio de craques, Doutor Rubis.

Com 22 gols, dois a mais do que Garrincha, o paraguaio Benítez se tornou o primeiro estrangeiro a ser artilheiro do campeonato carioca desde 1915 e o inglês Harry Welfare, centroavante do Fluminense. Pelo Flamengo, Índio fez 18 gols e Rubens 17. Espetáculo não foi só em campo, mas também na arquibancada. No total do campeonato carioca de 1953, 2.456.678 espectadores, um recorde que será batido só em 1976. “Quando o estádio foi construído pareceram exageradas as suas proporções e excessivos os sacrifícios financeiros dedicados à sua formidável concepção. Mas agora vemos que esses domingos esportivos são úteis para a higiene mental do povo e para arejar as pesadas preocupações da semana” escreveu o Jornal do Brasil no 12 de janeiro de 1954. Uma era de ouro do futebol carioca. E mais importante, Flamengo, depois do tricampeonato 1942-1944, enfim, depois de 9 anos de luta e sofrimento, era o campeão da cidade, com a ajuda de São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis, que também virou o padroeiro do Flamengo.

Em 1954, outros padres tentaram ajudar outros times do Rio, torcedores tricolores reclamaram, mas o padre Góes garantiu: “O Flamengo vai ser bicampeão”. E foi. E a torcida do Fluminense continuou reclamando, até escrevendo carta para o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. E o padre Góes continuou: “Em nome de São Judas Tadeu, garanto o tricampeonato”. E foi, em 1955, Flamengo conquistou o segundo tricampeonato de sua história. Hoje, o Dia do flamenguista é 28 de outubro, porque é dia do São Judas Tadeu.

O técnico Fleitas Solich ficou no Flamengo até 1957 e voltou em três outras ocasiões, até 1971. Dirigiu o time em 504 jogos, sendo ainda hoje o segundo técnico com mais jogos no Flamengo, atrás apenas de Flávio Costa. E nesse último ano no banco, em 1971, o feiticeiro Fleitas Solich fez mais magia, lançou pela primeira vez nos profissionais um jogador, um Deus, Nosso Rei, Arthur Antunes Coimbra, Zico. 1953, realmente um ano de fé, de ouro e de glória eterna para o Flamengo.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”