Para hoje um ano histórico que foi a afirmação de Zico. Craque, ele sempre foi. Mas faltava ainda coisas para passar de potencial a potência, e foi em 1974 que ele passou de promessa a já ídolo da Nação. Ainda faltava títulos mas acho que já foi em 1974 que ele se tornou o maior nome do Flamengo, não apenas do time, mas da história do clube. Claro, tinha Domingos, Leônidas, Dida & Cia., mas Zico já aparecia como o maior craque, o maior ídolo do Flamengo.
Zico era a maior promessa da base, mas ainda muito franzino. Em 1970, com a ajuda financeira e a confiança total do futuro presidente George Helal, começou um trabalho físico intenso para desenvolver essa parte do jogo. Em 1971, estreou nos profissionais, em 1972, ganhou o primeiro título, mas ainda era reserva. Em 1973, com Zagallo, começou a jogar mais, 52 dos 72 jogos do Flamengo no ano. Assinou o primeiro contrato profissional e recebeu a camisa 10 pelo funcionário Ayer Andrade, como Ayer Andrade lembrou no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Estávamos no vestiário do Maracanã. Perguntei ao gringo Doval se ele não poderia deixar o menino entrar com a 10. E ele me falou, naquele português enrolado: ‘Ô Andrade… quem joga sou eu, não é camisa, vai lá e dá a camisa ao menino’”.
Zico começou a se afirmar no fim do ano de 1973. O ano de 1974 prometia ainda mais, com relembra agora o próprio Deus Zico, no mesmo livro: “O Flamengo não se classificou para a fase final do Brasileiro, mas ganhamos quatro das cinco últimas partidas e eu fiz gol em três delas. Então chegou o ano de 1974, eu fiquei crente de que voltaria a ser titular, mas veio no princípio uma desilusão muito grande. O Zagallo saiu e entregou o time para o Joubert, que tinha sido o meu técnico no título juvenil de 1972”. E Zico começou a temporada mais como reserva que como titular.
Zico era reserva com Joubert, e ganhou seu lugar num jogo-treino, jogando sim, com os reservas no início. De novo Zico, de novo no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Ganhamos o coletivo de 2 a 1, eu fiz os dois gols, fui o melhor, arrebentei mesmo. Na segunda-feira tinha outro coletivo, já que a gente ia jogar na quarta. Quando cheguei na Gávea, o Joubert chamou a mim, o Doval e o Dario numa sala, reuniu nós três e falou assim: ‘Olha, a camisa de titular eu vou dar para o Zico, ele vai jogar, vocês dois vão disputar outra posição’. Era a camisa titular na minha posição, então arrebentei com o treino de novo. Por fim, no jogo contra o time da Iugoslávia, vencemos por 3 a 1 e eu marquei dois gols. Em seguida, fomos para uma excursão. Em Goiatuba, ganhamos de seis e eu fiz dois, no Ceará foram sete e eu fiz mais três, veio o Corinthians no Maracanã com Rivelino e tudo, eu fiz dois, dei dois para o Dario, e falei ‘Porra! Acabou…’”.
Pode parecer exagero, mas tem nenhum exagero nas palavras de Zico, já que Zico é um dos seres humanos mais honestos e humildes que existiu, e tudo pode ser verificado. Inclusive, a goleada 5×1 contra o Corinthians já foi um jogo eterno aqui. O jogo contra o time iugoslavo de Zeljeznicar foi 3×1 sim, com dois gols de Zico sim, e tem como ilustre testemunha o grande escritor Nelson Rodrigues: “Ao longo dos 90 minutos, os iugoslavos foram dominados, envolvidos, batidos. Zico foi uma figura excepcional. É um jogador que está a caminho de uma furiosa plenitude. Como sabe lidar com a bola, como seus passes saem límpidos, precisos. Zico entrou nessa fase em que o jogador faz o que quer com a bola”. Seis dias depois, Flamengo empatou 1×1 contra Desportiva Ferroviaria, Zico fez o gol do Mengo, Zico estava perto da furiosa plenitude.
Zico era uma figura excepcional, fazia o que queria com a bola, já era um líder, uma evidencia para a torcida, uma grande ajuda para os companheiros. Ia fazer uma grande dupla com o saudoso Geraldo, que infelizmente morreu dois anos depois, e ia deixar o Flamengo dos anos dourados ainda mais incrível. Fala ainda Zico, agora no livro Zico: paixão e glória de um ídolo, de Lúcia Rito: “O Geraldo tinha um domínio incrível sobre a bola. Ele jogava sempre com a cabeça em pé, não olhava para baixo, e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava muito espantado ao ver aquela telepatia dele com a bola. Só anos depois encontrei outro jogador que fazia o mesmo, o Leandro”.
Geraldo era tão impressionante que obrigou uma outra promessa da base a deixar o meio-campo para a lateral, o que também transformou a melhor Era da história do Flamengo. Um jogador de cabelo Black Power, de habilidade e maestria, Júnior, que virou lateral-direito com a lesão de Garrido na base, até contra a sua própria vontade: “Não queria jogar ali de jeito nenhum. Até porque o Garrido era meu camarada e não queria tirar o lugar dele. Mas me convenceram, já que logo eu estaria nos profissionais, onde o Geraldo era o dono absoluto da ‘oito’, e, na lateral, não tinha ninguém de peso”. Mas ainda não é a hora da estreia de Júnior.
Era a hora da preparação do Brasileirão e Flamengo realizou mais uma excursão, estendendo a magia rubro-negra fora do Rio, do Brasil, da América do Sul. Na África, empatou 4×4 e 3×3 contra a seleção do Zaire, Zico fazendo 2 gols no primeiro jogo, 1 gol no segundo jogo. Com apenas 3 dias de recuperação, perdeu 2×1 contra o Olympiakos na Grécia e depois empatou 2×2 contra a Seleção da Arábia Saudita com 2 gols de Zico. Zico foi de novo o principal nome do Flamengo na primeira vitória do clube na excursão, no último jogo, contra a seleção do Kuwait, vitória 3×2, gols de Zico, Dario e Paulinho. Agora era a hora de começar o Brasileirão.
O Brasileirão de 1974 era por uma vez simples, com 40 clubes. Na primeira fase, 2 grupos de 20 clubes, com os dez melhores classificados na próxima fase. Mas a CBF, ou na época a CBD, sendo a mesma bagunça de sempre, adicionou uma particularidade. Dentro dos dez últimos dos grupos, tinha um time que beneficia de uma rescapagem com um critério extra-esportivo: quem tinha a melhor renda se classificava na segunda fase. Se beneficiariam desse regulamento sem sentido Fluminense e Nacional de Manaus.
Flamengo estreou no Brasileirão de 1974 no Maranhão, contra Sampaio Corrêa, estreou com vitória 2×1, com gols do ídolo Rondinelli, e de Dario, talvez não ídolo do Flamengo mas uma das personalidades mais incríveis da história do futebol brasileiro. Dario marcou de novo contra o América de Natal. No primeiro jogo no Maracanã, um clássico contra Vasco, 1×1, gol de Zico. Flamengo ganhou os 4 jogos seguintes antes de um empate contra o Internacional, de novo com gol de Zico. Com antigos parceiros da base, como Cantarelli, Jaime de Almeida, Vanderlei Luxemburgo e Geraldo, Zico já se afirmava como o líder do time, substituindo nos gramados e no coração dos torcedores o craque argentino Doval.
Depois do empate contra Internacional, Flamengo ganhou 3 jogos seguidos, Zico fazendo gol em todos os jogos. Depois de um frustrante 0x0 contra Olaria, Flamengo venceu 1×0 Grêmio. Gol de quem? Gol de Zico obvio, um autentico golaço, infelizmente sem imagens, ainda eram outros tempos do futebol. No ano da aposentadoria de Pelé, Zico surgiu como um novo Pelé. Futebol de craque, visão de jogo e dribles, e gols, muitos gols. Pelé, Zico, quatro letras para fazer brilhar o Brasil. Flamengo foi um pouco mais irregular no final da primeira fase, com 3 vitórias em 7 jogos, mas fechou a fase no segundo lugar, com um ponto a menos do líder Grêmio. Também foi a melhor defesa do grupo, junto com Grêmio, com 8 gols contra, e a segunda melhor ataque, 29 gols, um a menos do que Grêmio, Internacional e America.
Na segunda fase, tinha 4 grupos de 6 times, onde só o primeiro conseguia um lugar para o quadrangular final. E no grupo do Flamengo, Cruzeiro foi impecável com 5 vitórias em 5 jogos. Flamengo estreou no turno com vitória 3×0 no Guarani, gols de Arílson, Paulinho e Zico. Perdeu contra Palmeiras, empatou contra Bahia, perdeu contra Cruzeiro. A goleada 6×0 contra Paysandu foi inútil, Flamengo foi eliminado e ficou no sexto lugar de um campeonato vencido pelo arquirrival Vasco. Com 12 gols, Zico ficou a 4 gols do artilheiro, que viria a ser um grande amigo, Roberto Dinamite.
Depois de duas semanas de férias, Flamengo estreou no campeonato carioca. Com vitória não, 1×1 contra Bangu, com gol de Zico sim. Zico também deixou o dele na derrota contra Madureira, na vitória contra America. Depois de um doblete de Doval na vitória 2×0 contra São Cristóvão, Zico voltou a marcar, na vitória contra a Portuguesa, na derrota contra Fluminense, de falta, na vitória contra Olaria, no empate contra Bonsucesso. Depois de passar em branco contra Campo Grande, Zico voltou a marcar nos dois clássicos para fechar a Taça Guanabara. Fez 2 gols no 2×2 contra Botafogo, 1 gol no 1×0 contra Vasco. Nos 11 jogos do primeiro turno, Zico marcou em 9 jogos, uma marca impressionante, mas o resto do time era um pouco atrás e Flamengo fechou a Taça Guanabara no terceiro lugar, com 4 pontos atrás do campeão, o America.
O America era justamente o primeiro adversário do Flamengo no segundo turno, a Taça Oscar Wright da Silva. E Flamengo venceu 4×1, Zico abrindo o placar. Zico fez dois, de pênalti e de falta, na goleada 5×1 contra Madureira, obviamente não fez no 0x0 contra Campo Grande, e respondeu, de falta, ao Roberto Dinamite no 1×1 contra Vasco. Depois de uma vitória contra Bonsucesso, Flamengo fechou o turno com dois 0x0 nos clássicos contra Botafogo e Fluminense, e quem foi campeão foi Vasco, com um ponto a mais que Flamengo e Botafogo.
Ficava um lugar para ver o triangular final junto com America e Vasco, o do campeão do terceiro turno, a Taça Pedro Magalhães Corrêa. Mas antes, um jogo amistoso, a Taça deputado José Garcia Neto, que marcou o primeiro dos 876 jogos do Júnior com o Manto Sagrado. Falou Júnior no livro Os dez mais do Flamengo, de Roberto Sander: “Num jogo em Mato Grosso, entrei no lugar do Humberto Monteiro no segundo tempo. No vestiário, quando ajeitava meu cabelo, o Joubert veio falar comigo. Primeiro brincou, implicando com o estilo Black Power que usava: ‘que penteado é esse?’, ele perguntou. ‘É a moda, seu Joubert’. Aí ele jogou uma letra: ‘Se prepara que seu deserto vai virar um oásis’. Entendi o recado e passei a treinar ainda mais com vontade. Sabia que logo teria uma oportunidade”. E Junior virou titular na vitória 1×0 contra Madureira, no campeonato carioca, gol de Zico. Antes disso, Flamengo tinha estreado na Taça Pedro Magalhães Corrêa com uma vitória 2×1 contra Botafogo, 2 gols do argentino Doval, ainda um jogador maravilhoso.
Flamengo venceu Vasco 3×1 com gols de Paulinho, Zico e Doval e empatou 0x0 contra Campo Grande. Assim, Campo Grande tomou nenhum gol de Zico em 3 jogos no campeonato carioca 1974, uma verdadeira proeza de tantos gols que fez Nosso Rei durante a competição. Flamengo venceu o Fla-Flu, mas perdeu no jogo seguinte, apesar de um gol de Zico contra Bonsucesso, o outro time do primeiro turno que não tinha tomado gol de Deus. No último jogo do turno, Flamengo precisava ganhar do America para vencer a Taça, para ver o triangular final. Mas com apenas 6 minutos de jogo, Alex abriu o placar para o America, de Edu Coimbra, irmão de Zico. Na metade do primeiro tempo, Júnior recuperou uma bola no meio de campo, avançou e de 35 metros, chutou forte de pé direito, chutou no gol de Rogério e empatou. Um golaço e no segundo tempo, outro golaço, do perfeito Zico, numa cobrança perfeita de falta. Flamengo no sufoco, mas Flamengo campeão do turno, Flamengo no triangular final.
Uma semana depois, Flamengo e America se reencontraram no Maracanã, para inciar o triangular final. E Flamengo abriu o placar com seu lateral-esquerdo, não Júnior, que jogava na direita, mas outro monumento do Flamengo, Jayme de Almeida. Mas Júnior também fez um gol durante o jogo, de ainda mais longe do que o gol uma semana antes. “Júnior mete o gol que Pelé sonhou” escreveu simplesmente o Jornal dos Sports. Flamengo ganhou 2×1 e Júnior foi eleito homem da partida pelo Globo: “O Flamengo chegou à final com um gol que Júnior marcou em Rogério, chutando de intermediária. Agora o Flamengo também vai decidir o título por causa de um gol seu encobrindo Rogério, conscientemente e com grande habilidade. Além disso, mostrou muita raça e decisão, tanto defendendo quanto atacando. O melhor em campo. Nota 10”. Depois do 0x0 entre o America e o Vasco, Flamengo precisava apenas de um empate contra Vasco para ser campeão.
E foi exatamente o que aconteceu, na frente de 165.358 espectadores, sétima afluência da história do Maracanã, Flamengo e Vasco ficaram no 0x0, Flamengo ficou com a taça de campeão. Com 2 gols contra o America, Júnior se tornava o grande herói do fim da conquista: “Esses gols me marcaram muito. Estava começando nos profissionais e eles aconteceram em jogos decisivos. Deram muita confiança. Acabamos campeões, e, por quase dois anos, fiquei como titular absoluto da lateral-direita” falou Júnior. Mas o grande herói do campeonato, que fez o Flamengo o campeão da cidade, foi Zico, que com 19 gols, deixou escapar sua primeira artilharia do campeonato carioca por um gol de diferença com Luizinho.
Mesmo assim, junto com um Brasileirão já brilhante, Zico fez um ano 1974 de ouro, ultrapassando o próprio ídolo e o ídolo da torcida, Dida, antigo recordista de mais gols em uma temporada com Flamengo, 46 gols em 1959. Quinze anos depois, com 49 gols, Zico virou o maior artilheiro do Flamengo em um ano, e virou o maior ídolo de uma Nação para a eternidade.








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