Talvez 1987 é o ano mais polêmico do futebol brasileiro, mais polêmico do Flamengo. Mas polêmica não tem, Flamengo é o campeão brasileiro de 1987. Mas antes do Brasileirão, teve muito jogos em 1987, a começar pelo fim do Brasileirão de 1986. Flamengo começou o ano com uma vitória 2×0 sobre Vitória, Sócrates fazendo nesse dia 2 de seus 5 gols com o Manto Sagrado. Flamengo foi eliminado pelo Atlético Mineiro nas oitavas de final e depois de alguns dias de férias, começou a nova temporada com amistoso contra outro time mineiro, Uberlândia, com um 2×2 e onde a grande novidade era o Renato Gaúcho, vindo do Grêmio onde era ídolo.
Flamengo ainda fez alguns amistosos e estreou no campeonato carioca com vitória 1×0 sobre Bangu, gol de Renato Gaúcho. Mas Flamengo decepcionou na Taça Guanabara, o primeiro turno do campeonato carioca, o técnico Sebastião Lazaroni foi mandado embora, o ídolo Carlinhos foi nomeado interino, mas Flamengo ficou no 0x0 nos três clássicos e ainda empatou ou perdeu contra times pequenos para um quinto lugar, até atrás de Goytacaz. Na Taça Rio, o segundo turno, Flamengo estreou com vitória 3×0 sobre Mesquita com gols de jogadores de quem a primeira letra do nome era um A: Aílton, Aldair, Adílio, e a estreia do novo técnico, também com nome com A: Antônio Lopes. Flamengo continuou a ganhar, vencendo o primeiro clássico do ano, contra Botafogo, e depois partiu numa excursão na África, conquistando o torneio Air Gabon, no Gabão. Jogou também na França, em Saint-Ouen, na periferia de Paris, e na Argélia. De volta na Taça Rio, venceu Goytacaz e empatou contra Campo Grande antes do Fla-Flu.
E o Fla-Flu foi especial. No 21 de junho de 1987, exatamente um ano depois do pênalti perdido de Zico na eliminação do Brasil contra a França na Copa do Mundo, Zico estava de volta num gramado de futebol. Foi para Zico um ano muito difícil, até no plano pessoal, com a perda do pai, seu Antunes. Para Zico, foram muitas lágrimas, de suor, de dor e de dúvidas, até de se poderia caminhar de novo. Explica Zico sobre o processo de recuperação no livro Zico conta sua história: “Finalmente, o Ralf Ferreira, que acompanhou minha recuperação física, me liberou para dar uma corrida em volta do campo. Lembro tudo daquele dia e da dor que eu senti. Ele ia correndo do meu lado, e eu chorava, dizendo que estava tudo acabado, que nunca mais conseguiria retornar ao futebol. Não sei como consegui terminar aquela volta. Retornei ao vestiário me desviando de todo mundo que queria me cercar, me perguntar como é que tinham ido as coisas… Para mim, fora péssimo! Era o fim!… Não queria saber de mais nada”. Mas Ralf Ferreira explicou para Zico que fazia parte do processo, e Zico voltou no dia seguinte, ainda com dores, ainda com lágrimas, mas fez duas voltas. E Zico voltou num campo de futebol, para um Fla-Flu. Flamengo ganhou 1×0 e olha a ironia, Zico fez o gol de pênalti. “O futebol precisava dele nos campos para devolver a alegria aos torcedores” falou no dia seguinte Paulo Vítor, antigo goleiro de Fluminense.
Durante a pausa para a Copa América 1987, Flamengo fez amistosos em vários estados do Brasil, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Distrito Federal, Piauí, Maranhão, Pará. Porque Flamengo é do Brasil, Flamengo é uma Nação. De volta no campeonato carioca com o terceiro turno, a Taça Euzébio de Andrade, Flamengo estreou com mais um 0x0 num clássico, contra Vasco, antes de empatar contra Bangu e vencer Fluminense, classificando-se para o triangular final. Antes disso, mais uma excursão, tempo de ganhar o torneio internacional de Angola, com vitórias sobre a seleção de Angola e o time português de Boavista. De volta no Brasil, Flamengo venceu Bangu no placar mínimo mas perdeu o bicampeonato contra Vasco, com gol do antigo ídolo flamenguista Tita. Depois, uma nova excursão, no México, dessa vez com duas derrotas contra Cruz Azul e América no torneio Azteca. Jogou ainda amistosos no México e na Bahia e depois era a vez de olhar em direção do Brasileirão.
Na verdade, fazia tempo, muito tempo, que se falava do Brasileirão de 1987. E ainda vai se falar por muito tempo. Para a crônica, usei principalmente dois livros, No campo e na moral, Flamengo campeão brasileiro de 1987 de Gustavo Roman para o lado de futebol e 1987, a história definitiva de Pablo Duarte Cardoso para a parte burocrática e jurídica. Confesso que ainda não li o livro 1987 – De fato, direito e cabeça, de André Gallindo e Cassio Zirpoli, que defendem que o título é do Sport. Seria interessante ver os argumentos mas duvido mudar de opinião sobre o Brasileirão 1987. O Brasileirão de 1987 é do Flamengo. O fim da ditadura, onde se falava: “onde a Arena vai mal, um time do Nacional. Onde vai bem, outro também” não ajudou a simplificar o Brasileirão organizado pela CBF. A bagunça vem de longe, já em 1985, com um campeonato com várias taças, grupos, divisões, Placar escreve que a CBF agia como “como aqueles dramaturgos que montam uma situação instigante e conflituosa no primeiro ato e se perdem totalmente antes que a trama chegue ao desfecho”. Em 1986, com a eleição de Octávio Pinto Guimarães com presidente da CBF e o fracasso da Seleção na Copa do México, foi ainda pior.
O Brasileirão de 1986 foi uma bagunça com vários clubes, como Vasco, Joinville e a Portuguesa recorrendo a vários tribunais, como o da CBF, do CND, o STJD e até a Justiça comum para impedir um rebaixamento ou fazer cair o outro clube, tudo isso por causa de regulamentos complicadíssimos da CBF. O Brasileirão de 1986 teve 80 times, Taças de Ouro, Prata e Bronze, duas fases antes da fase de mata-mata e rebaixados em cada uma das primeiras fases, dentro eles, vale a pena destacar, o Sport. Uma bagunça total. O Conselho Nacional dos Desportos, última instância do futebol brasileiro, publicou resoluções e “desde a publicação das resoluções, a 20 de outubro de 1986, já não era mais possível para a CBF, legitimamente, pretender impor fórmulas, regulamentos e participantes do Campeonato Nacional sem uma consulta formal aos clubes, reunidos em conselho arbitral”. Teve virada de mesa e quando a CBF anunciou os clubes da Série A, os clubes esquecidos foram de novo na Justiça. A Seleção fracassou de novo na Copa América de 1987 e a CBF estava sem dinheiro, depois de gastar muito dinheiro para convidados na Copa do Mundo de 1986, promessas para a eleição de Octávio Pinto Guimarães. No 8 de julho de 1987, Octávio Pinto Guimarães anunciou que “a CBF não tem como fazer o Campeonato Nacional”, acrescentando três dias depois “que o Campeonato Brasileiro deste ano seja disputado apenas pelos clubes que se considerem autossuficientes para participar da competição sem ajuda financeira”. Daí a CBF não organizou o Brasileirão de 1987 e Sport não pode ser o legítimo campeão.
Teve a fundação do Clube dos Treze com o presidente de São Paulo, Carlos Miguel Aidar, e do Flamengo, Márcio Braga, reunindo os treze clubes mais potentes do Brasil. Teve oposição da CBF, dos outros clubes, teve batalhas na Justiça. Quem considera Sport o campeão dificilmente pode reclamar da corrupção e da desorganização histórica da CBF, que fez tudo para impedir a organização e cooperação dos clubes brasileiros. O Clube dos Treze conseguiu patrocinadores como a Globo, Coca-Cola, Varig e os hotéis Othon para fazer o que a CBF não conseguia, organizar um campeonato estável financeiramente. Os treze clubes até abriram a mão da Loteria Esportiva para a CBF financiar os outros módulos, ou seja, as outras divisões. “As federações do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia apresentaram – e a CBF aprovou – uma nova e praticamente definitiva proposta para a realização do Campeonato Brasileiro, que atenderia às reivindicações do Clube dos Treze e da Confederação. Segundo a fórmula, o futebol brasileiro passará a ter quatro módulos – Verde, Amarelo, Azul e Branco – e, ao final da competição, quatro campeões distintos” escreveu o Jornal do Brasil no 4 de setembro de 1987. O Clube dos Treze elaborou o calendário de um dos maiores campeonatos brasileiros da história, como escreveu o jornalista Juca Kfouri: “Foi o grande campeonato que eu cobri na minha vida. Tinha ali um frescor novo: o frescor da democracia”.
Flamengo parecia numa transição, com a aposentadoria de Sócrates, a venda de Mozer no Benfica e as lesões de Leandro e Zico. “Por mais brioso e disciplinado que seja, Zico voltará ao time do Flamengo mais como símbolo do que como jogador. Ninguém nega que ele sabe tudo de bola. Depois de certo tempo e de muitas contusões, porém, o saber, simplesmente, deixa de poder” escreveu Cláudio Mello e Souza. Além de Renato Gaúcho, que ainda deixava a desejar no campeonato carioca, e da contratação de Edinho, Flamengo tinha alguns jovens jogadores, como Jorginho, Aldair, Zinho e Bebeto. Flamengo estreou com uma derrota contra São Paulo no Maracanã, ao mesmo tempo que a CBF tentou impor um outro calendário. Mas na época, todo mundo, a não ser os clubes das outras divisões, reconhecia o amadorismo da CBF e a falta de legitimidade para organizar o Brasileirão de 1987. No Flamengo, o técnico Antônio Lopes saiu do time e Carlinhos voltou, com vitória contra Vasco, com gol de Zico no final de jogo. Depois, Zico se machucou de novo: “Não estava mais aguentando esse ‘volto e me machuco’. Se não fosse a minha família, o departamento médico do Flamengo e a confiança que eu tinha naquele grupo, eu talvez tivesse encerrado a carreira naquele momento” explicou Zico no livro No campo e na moral, Flamengo campeão brasileiro de 1987 de Gustavo Roman. Com também lesões de Edinho, Leandro e Bebeto, Flamengo foi mal no primeiro turno, com apenas duas vitórias em 8 jogos. Mas Carlinhos tinha pedido a direção na sua chegada de reformular o time na primeira fase, por exemplo fez subir o jovem Leonardo no time principal, e de ser julgado apenas no segundo turno.
Flamengo foi mal na primeira fase, mais foi um grande campeonato, com grandes times só. “O bom daquele campeonato é que você sabia que podia perder um jogo e ter recuperação, porque eram todos jogos muito equilibrados, só grandes time” explicou Zico. E para Flamengo, teve um jogo decisivo, uma derrota contra o Atlético Mineiro de Telê Santana, sem Zico, com Renato Gaúcho muito criticado pelo individualismo. Teve reunião na Gávea, Carlinhos pedindo para os outros jogadores o que eles achavam de Renato Gaúcho. Mas teve liderança de Zico. “Eu mandei parar: ‘Carlinhos, não vai fazer enquete aqui do Renato. O Renato tem as suas características e a gente tem que saber usar isso, usá-lo da melhor maneira possível’. Acabei com a reunião. Vambora pra dentro do campo, trabalhar” relembra no livro 1987, a história definitiva Zico, que ainda falou para o atacante: “Olha, Renato, se você sentir confiança, mesmo tendo oito na sua frente, tenta passar pelos oito”. Zico, craque e líder, estava de volta para o jogo seguinte, também contra um time poderoso, Palmeiras, na luta com Flamengo para a classificação na semifinal. Relembra agora Nielson, o treinador de goleiros: “O Carlinhos queria que o Zico, que voltaria ao time contra o Palmeiras, não precisasse se desgastar, ajudando na marcação. Por isso, sugeriu que o Renato passasse a voltar, para compor o meio e marcar o lateral adversário. Nesse momento, o galinho, com toda a visão e liderança que ele possui, pediu a palavra e disse que estava disposto a se sacrificar na marcação, desde que o Renato ficasse livre. Segundo a camisa 10, o ponteiro era a válvula de escape do time. E era quem deveria fazer a diferença para a equipe. Mais uma vez, o Zico provou o seu valor”. Zico provou também seu valor no jogo, com grande partida na vitória 2×0 contra Palmeiras, onde Renato Gaúcho abriu o placar. Flamengo estava de volta no campeonato.
No último jogo, Flamengo precisava vencer Santa Cruz para ver as semifinais. Santa Cruz era o penúltimo do grupo que tinha só grandes times: Atlético Mineiro, Palmeiras, Botafogo, Grêmio, Bahia e Corinthians. Um nível absurdo de competitividade. E Santa Cruz não trazia boas lembranças para Flamengo, já que em 1975 Flamengo precisava vencer Santa Cruz para se classificar na semifinal e acabou sendo eliminado dentro do Maracanã. O jogo contra Santa Cruz de 1987 merece ser eternizado aqui, é um dos maiores jogos de Zico com o Manto Sagrado, apenas isso. Zico fez de tudo no jogo, principalmente no segundo tempo, onde fez três gols, o último de falta, uma falta que considero no top 3 de Zico, junto com a contra Cobreloa na final da Libertadores e a do Fla-Flu de 1986. A curva da bola é puramente sensacional, um golaço impressionante, e também um drama para Zico, que não podia pular desde a operação e teve de mudar a comemoração histórica dos gols. Mas não foi possível nesse golaço contra Santa Cruz. Explica Zico no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrósio Filho: “Estava com os meniscos arrebentados. Tinha que operar, mas aí não jogaria. Os médicos então deram uns pontos no joelho. Não podia saltar e me apoiar na perna esquerda na queda. Mas quando fiz aquele gol de falta contra o Santos Cruz, atravessei o campo para comemorar com o Zé Carlos, que reclamava que nunca participava das comemorações dos gols. Prometi a ele que se fizesse um gol ele receberia o primeiro abraço. Fiz isso. Dei um pulo em cima dele, porém, quando caí, sem querer, me apoiei com a perna esquerda. Os pontos arrebentaram na hora. Nos jogos seguintes, contra o Atlético, meu joelho inchava muito. Ficava o tempo todo com uma bolsa de gelo fazendo tratamento”.
Na semifinal, de novo o Atlético Mineiro de Telê Santana, que tinha cortado Renato Gaúcho da Copa de 1986 após uma escapada da concentração da Seleção. No jogo de ida, Bebeto fez o único gol da partida no Maracanã e de seus 118.162 espectadores, a Copa União foi muito bem também no aspecto de afluência nos estádios. Na volta, mais um jogo eterno, com Zico decisivo no primeiro tempo e um golaço de Renato Gaúcho para fazer o gol do 3×2 e dar a vitória ao Flamengo. “Desafia-se o torcedor do Sport a referir um, um só momento assim de sua campanha de 1987” escreveu Pablo Duarte Cardoso no livro 1987, a história definitiva. Claro, Renato Gaúcho relembra bem do gol: “Numa dividida entre o Aílton e um jogador deles, a bola caiu no meu pé, no círculo do meio de campo, e eu arranquei. Pensei: é agora ou nunca. Fui driblando, driblei o goleiro e praticamente entrei com bola e tudo. Este é um gol, para mim, que está entre os três gols mais importantes da minha carreira”. Na grande e única final, Renato Gaúcho foi de novo vaiado pelo estádio, agora o Beira-Rio por causa de sua história com Grêmio. E de novo foi decisivo, com um drible e um cruzamento para a cabeçada de Bebeto. O Inter empatou em seguida, mas empate era bom para Flamengo, como falou Zico, que de novo foi substituído no decorrer do jogo por causa das dores: “Nosso time era experiente demais. Sabia o que queria. Fomos pra Porto Alegre para marcar forte e aguentar a pressão do Inter. Só que nossa marcação foi tão eficiente que eles não conseguiram nos atacar. E nós só não saímos de lá com a vitória porque eles conseguiram empatar o jogo dois minutos depois de abrirmos o placar. De qualquer forma, o resultado foi fantástico para a gente. No Maracanã, não perderíamos o título de maneira alguma”. Flamengo podia ganhar o Tetra, no Maracanã, no 13 de dezembro de 1987, exatamente seis anos depois do título mundial.
No 13 de dezembro de 1987, um dia de muita chuva, Flamengo entrou em campo para mais um título brasileiro. Precisa antes, anunciar a escalação toda de outro ídolo, Carlinhos, para esse jogo: Zé Carlos; Jorginho, Leandro, Edinho, Leonardo; Andrade, Aílton, Zinho, Zico; Bebeto, Renato Gaúcho. Todos, com a exceção de Aílton, que teria merecido uma chance, jogaram na Seleção brasileira. Alguns foram campeões em 1994 como Jorginho, Leonardo, Zinho e Bebeto, outros teriam merecido ser campeões em 1982, como Leandro, Zico e sim, também Andrade. Claro, o time de 1981 é histórico e é o maior da história do Flamengo. Mas gosto muito do time de 1987, talvez o melhor time de um Flamengo campeão brasileiro, com essa experiência de juventude e experiência, e um Zico mais líder que nunca, decisivo e craque como sempre. Fala sobre esse time o próprio Zico: “Nosso time era muito técnico. Talvez, um dos melhores da história do clube. Dominamos a partida e fizemos um jogo brilhante. Atuamos com a cabeça e o coração de um campeão. Foi sensacional. Mostramos que éramos time de chegada”.
Com mais um jogo eterno em 1987, Flamengo foi campeão. E com um golaço, “um típico gol do Flamengo. Muito toque de bola e finalização precisa” para Galvão Bueno. Uma jogada coletiva, um passe de gênio em profundidade de Andrade, e uma finalização de Bebeto para vencer Taffarel e oferecer ao Fla o Tetra. Incrivelmente, Bebeto fez apenas dois gols na primeira fase, mas marcou em todos os jogos da semifinal e da final. Fala Bebeto no livro Grandes jogos do Maracanã de Roberto Assaf e Roger Garcia: “O jogo decisivo do Brasileirão de 1987 foi um dos mais difíceis de que participei, pois colocou frente a frente o futebol carioca, com sua habilidade e técnica, contra o futebol gaúcho de muita aplicação tática e marcação. Dessa forma, os jogadores do Flamengo não tinham muito tempo para organizar as jogadas como fazíamos nos jogos anteriores. Foi um jogo muito pegado. Porém, num dos raros momentos de descuido na marcação, fiz o gol. A partir daí, o Inter foi obrigado a mudar sua característica, isto é, jogar ofensivamente em busca do empate. Mas conseguimos comandar as ações até o final”.
Antes do final, como em todos os jogos, Zico foi substituído, sob aplausos e cantos: “Ei, ei, ei, o Zico é nosso rei”. Adoro também, até principalmente, o título de 1987 por causa de Zico, uma história de superação, a volta em cima de um jogador e um ser humano que nunca deixou de ser campeão. Zico recebeu algumas homenagens, do Maracanã, com um torcedor especial, o alemão Franz Beckenbauer: “Fiquei encantado com os toques rápidos do time do Flamengo e, principalmente, com Zico, que mostrou sua genialidade em vários lances”. O técnico Carlinhos foi outro a falar de Zico: “Não posso destacar qualquer jogador na partida, mas não tenho como deixar de falar de Zico. Ele foi de uma importância fundamental para o Flamengo. Mas não apenas pelo nome que possui e que preocupa o adversário. O que destaco nele foi o espírito de união e a foca que transferiu aos mais jovens, fazendo com que estes entrassem em campo psicologicamente em condições de render tudo o que podiam”. Com a modéstia de sempre, Zico falou apenas isso depois do jogo: “Fiquei triste, lendo nos jornais que eu estava acabado, que deveria parar, deixar de enganar o Flamengo. Foi duro enfrentar esses ataques. Eu não me sentia incapaz de continuar jogando. Aprendi a lidar com a minha limitação atual e ser útil ao Flamengo”. Zico foi muito útil ao Flamengo, apesar de limitações sim, ainda era capaz de fazer. Já no dia seguinte do jogo, Zico foi operado de novo no joelho.
No livro No campo e na moral, Flamengo campeão brasileiro de 1987 de Gustavo Roman, Zico fala mais sobre o Brasileirão de 1987: “Nos últimos jogos do campeonato, Flávio e Henagio se revezaram algumas vezes para me substituir. Na final, inclusive, quando deixei o campo para Flávio entrar estava sentindo muitas dores. Já sabia que teria que operar mais uma vez. E foi no vestiário, logo após o apito final que nos garantiu a taça com gol de Bebeto, que senti uma das maiores emoções da minha vida. Dava para sentir a explosão da torcida com a conquista, seguida por um coro de ‘Zico, Zico’ que ecoava dentro do meu coração. Retornei ao campo coroado para cobrar ao lado dos meus companheiros, mas parecia que o Maracanã inteiro estava me passando energia. Era o ponto final de uma jornada vitoriosa a ser dividida com quem jogou, com quem esteve no banco de reservas, com toda a equipe de apoio e com um décimo segundo jogador que sempre está presente nas grandes conquistas rubro-negras: a torcida”.
Depois da vibração da torcida e do título no Maraca, foi muita politicagem, muitas polêmicas, mas Flamengo é Tetra. De novo Zico: “Todo vez que ouço alguém questionar aquela conquista, não sei se fico com vontade de rir ou de chorar. Só nós sabemos o que passamos para conquistar aquele campeonato. Jogamos contra os melhores. Derrotamos os melhores. E, se houvesse cruzamento, ganharíamos também. Daquela equipe, só o Aílton não vestiu a camisa da seleção brasileira. E olha que ele jogava muita bola. Nosso time tinha a mescla exata entre experiência, comigo, Leandro, Edinho, Andrade e juventude, com Leonardo, Zinho, Bebeto. E o Renato estava jogando demais. Merecemos aquela conquista. Não vou deixar ninguém desmerecer o que fizemos dentro das quatro linhas. Em 1987, nos sagramos tetracampeões brasileiros de futebol. Quem não conseguiu enxergar dessa maneira, está equivocado”. Basta ler o Jornal do Brasil no dia seguinte que deixou em manchete “Fla colore o futebol de vermelho e preto” e ainda escreveu: “A imediata comoção que tomou contra de todos no Maracanã tratou de impor o direito que a CBF insiste em desprezar. Como deixar de reconhecer o mérito de campeão brasileiro a um time que, mesmo com seus altos e baixos, se destacou entre os 16 melhores do nosso futebol? Como apagar a eufórica vibração? Como torná-la ilegal?”.
E claro, não foi só o Jornal do Brasil, a imprensa brasileira inteira considerava Flamengo campeão: “Mengo é tetra” para o Jornal dos Sports, “Flamengo tetracampeão” para Globo, “Flamengo é tetracampeão” para O Estado de S. Paulo, “Quatro vezes Flamengo” para Placar. Até o Diário de Pernambuco, jornal de Recife escreveu: “O Flamengo, com todo o merecimento, sagrou-se o primeiro campeão da Copa União, denominado pelo Clube dos 13, correspondente ao Módulo Verde da Copa Brasil e Troféu João Havelange, ao vencer no segundo jogo decisivo o Internacional, por 1 a 0, com um gol de Bebeto, jogador que decidiu as partidas mais importantes. A torcida do Flamengo promoveu um grande carnaval no Maracanã, festejando o inédito título, que lhe valeu pelo tetracampeonato brasileiro”. A Copa União só foi um nome a mais para o Brasileirão, que já foi denominado de Taça de Prata, Campeonato Nacional de Clubes, Taça Ouro ou Copa Brasil.
Ainda cito dois jornalistas, que não podem ser chamados de flamenguistas, a começar pelo Mauro Beting: “Todos estão errados. A CBF, que não teve a competência para realizar o campeonato brasileiro. O Clube dos 13, que veio com lideranças novas e ideias boas, mas com os velhos vícios da cartolagem antiga. Os dirigentes, que assinaram o acordo de não realizar o cruzamento, fosse qual fosse a final da Copa União e que, hoje, ao requisitar amarelo, que se aproveitou de toda essa confusão para tentar levar vantagem. Para resumir um fato que não tem resolução, na minha opinião, o Sport é o campeão de direito e, o Flamengo, o de fato. O rubro-negro era disparado o melhor time. Se tivesse havido o cruzamento, o clube da Gávea seria o vencedor, pois era mais time que o Inter e muito mais time que Sport e Guarani”. Outro grande nome da imprensa paulista, Juca Kfouri: “Em 1987, a CBF anunciou que não tinha dinheiro para organizar o campeonato brasileiro. Então, os 13 clubes de maior torcida no país resolveram fundar o Clube dos 13 e fazer o campeonato, ao qual se deu o nome de Copa União. A CBF aceitou […] Diante do sucesso do evento – que teve média de 21 mil torcedores e mais o equivalente a 20 mil pessoas por jogo em patrocínio, números europeus – os clubes que ficaram de fora pressionaram a CBF para que fosse realizado um campeonato paralelo, uma espécie de Segunda Divisão, e o SBT se interessou em transmiti-lo. Foi então, já com a Copa União em andamento, que a CBF impôs no regulamento do seu torneio que deveria haver um cruzamento entre o que chamou de Grupo Verde, Copa União, e o Grupo Amarelo, a Segunda Divisão. Os clubes da Copa União, por unanimidade, e muito antes da fase final, resolveram desconhecer a novidade da CBF. E o Brasil inteiro viu a final entre Flamengo e Internacional como a que decidia o título nacional. Daí para a frente, foi só politicagem. O campeão legítimo é o Flamengo, o legal virou Sport”.
Depois de falar do Flamengo, brilhantemente campeão da Copa União, tem que falar do Grupo Amarelo, a segunda divisão. Não considero Sport campeão brasileiro, nem da segunda divisão. Até antes de brigar com o Flamengo, foi uma vergonha. Na semifinal do Módulo Amarelo, a segunda divisão, vale a pena repetir, Sport eliminou Bangu na intimidação, com invasão de campo e ameaça da polícia. Quem fala isso é o próprio presidente do Sport, Homero Lacerda, na Resenha do Leão: “No meio do campo, não sei se vocês se lembram […], jogaram uma pilha num jogador deles – aí a gente já estava ganhando a partida, de 2 a 0. Aí o juiz foi lá, pegou a pilha, chamou o coronel de novo. Disse: ‘Coronel, jogaram uma pilha num jogador. Se jogar outra, eu suspendo o jogo por falta de segurança’. Aí o coronel foi genial! O Sport deve isso ao coronel. O coronel disse: ‘Olhe – tirou o apito do bolso e disse –, olhe: eu tenho 300 homens trabalhando aqui. Se eu der um apito aqui, em dez minutos não tem mais nenhum aqui, o senhor resolve seu problema com a torcida’”.
Na final, foi ainda mais vergonha. A final de volta, no novo na Ilha do Retiro, teve uma atuação escandalosa do juiz. “Eu nunca vi ninguém apanhar tanto como o João Paulo, e o juiz seguir o jogo”, explica o craque de Guarani, Evair. Até um jogador de Sport, Estevam Soares, confirma: “Eu dei um soco na boca do João Paulo: ele deu um tapa na minha frente e eu o mandei a nocaute”. Na prorrogação, Guarani fez um gol, mas o juiz anulou o gol por um “impedimento inexistente” até para o Diário de Pernambuco, jornal de Recife! O jogo acabou nos pênaltis, na última cobrança, Rogério perdeu para Sport e Guarani ganhou o título. Por um segundo. O juiz mandou repetir a cobrança, alegando que o goleiro de Guarani se moveu na linha. Guarani se retirou de campo, voltou 8 minutos depois, a disputa seguiu até um 11×11 e acabou aqui. Não tem erro, a disputa de penalidades parou num empate. Nunca existiu antes, e nunca mais vai aparecer de novo. Como se futebol era xadrez, os dois times entraram em acordo para empatar a final! No seu relatório, o juiz escreveu que “todos os atletas do Guarani e do Sport tiraram suas camisas e começará a festejarem juntos, inclusive com os seus dirigentes, uma suposta conquista” e depois de esperar o tempo regulamentar, o juiz acabou o jogo “por suspensa a cobrança das penalidades máximas pela ausência das duas equipes do campo de jogo”. Uma loucura, uma vergonha.
O título do Sport do Módulo Amarelo só foi confirmado um mês depois, quando precisava um vencedor para o quadrangular final desejado pela CBF. Acho que Flamengo acertou a não jogar o quadrangular, que era ilegítimo. Até o Inter, que poderia ser campeão jogando esse quadrangular, não jogou. Mas teve falta de apoio do Clube dos 13, que perdeu a oportunidade de revolucionar o futebol brasileiro. E Flamengo errou no início a não brigar mais na Justiça o que era dele de direito. E depois era tarde demais, não era mais o momento de apresentar as provas. Sport é o campeão para a Justiça sim, mas às vezes a justiça é injusta. Acho que nem o título do Brasileirão pode ser divido, Flamengo é de fato e direito o campeão da Série A, Sport da Série B. Se tem que dividir um título, Sport tem que dividir o título da segunda divisão com Guarani, com quem empatou 11×11.
Fazendo uma analogia, seria como se um dia a FIFA anuncia que não tem dinheiro para organizar a próxima Copa do Mundo. Aí, as oito federações já campeões do mundo fundam o G-8, acham patrocínios, abrem a mão da premiação da FIFA e convidam mais oito outros países para uma Copa do Mundo com apenas 16 times, todos grandes, 4 grupos de 4, mata-mata e basta, um campeão. Por exemplo, convidaram Países Baixos, Bélgica, Croácia, Portugal, Camarões, Marrocos, Estados Unidos, Coreia do Sul. Basta, o critério é deles, seja o peso dos times, seja a história, seja o retrospecto recente, a festa é deles, é a primeira Copa do Mundo do G-8. E a FIFA, livrada de redistribuir dinheiro para as grandes nações, faz uma outra Copa do Mundo, com poucas despesas financeiras. Seria justo a FIFA, ontem sem dinheiro, exigir hoje um quadrangular final entre os finalistas da Copa do G-8, vamos dizer Brasil e França, e os finalistas da Copa da FIFA, vamos dizer Senegal e Polônia, sem eles jogar antes contra nenhum time campeão do mundo? Seria brincadeira, como a CBF é brincadeira. Gosto dessa frase de João Luiz Silva no seu livro Flamengo – Uma história divina: “O Sport achar que é campeão brasileiro de 87 é a mesma coisa que o Arcebispo de Recife achar que é o Papa”.
Gosto também do que escreveu Paschoal Ambrósio Filho no seu livro 6x Mengão: “Se vivo fosse, o tricolor Nelson Rodrigues certamente escreveria: ‘Só os idiotas da objetividade não aceitam o óbvio ululante’”. Os idiotas da objetividade e os idiotas do clubismo. Porque essa polêmica não é sobre a CBF, não é sobre o Sport, é sobre o sentimento de anti-Flamengo. Porque se Flamengo tem uma Nação junto com ele, tem também uma nação de contros, que, não importa o debate, não importa o time, vão torcer contra o Flamengo. De fatos e de argumentos não tem, só Flamengo não pode ser campeão. Cito para fechar Nosso Rei Zico: “Ninguém mentira essa conquista. Quem levou porrada fui eu, quem se sacrificou fazendo tratamento 24 horas para jogar fui eu. Tenho sangue e passaporte português. E se eu chegar em Portugal e contar que aqui no Brasil a CBF não considera esse título porque no campeonato de 1987 o campeão da Primeira Divisão tinha que disputar a condição de melhor do Brasil com o campeão da Segunda Divisão, vão dizer que é piada. E realmente é, não tem jeito. O Flamengo é hexa”. O Flamengo é tetra em 1987, hexa em 2009, octa em 2020 e assim em diante.
Infelizmente, quando se fala de 1987, se fala muito da polêmica e não do título, não se fala do Flamengo, que teve um de seus melhores times da história. Um time histórico com jogos eternos, como contra Palmeiras, Santa Cruz, Atlético Mineiro e Internacional. Um time histórico com ídolos, como um Renato Gaúcho craque, um Bebeto decisivo no final, um Zico líder, craque e decisivo. E para acompanhar eles, um suporting cast digamos não cinco estrelas, mas quatro estrelas, porque alguns foram tetracampeões do mundo em 1994 e todos foram tetracampeões do Brasil em 1987. Parabéns Flamengo de 1987, você é o campeão.








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