Um jogo eterno e uma das minhas maiores emoções como torcedor do Flamengo. Acho que todo mundo relembra onde era quando assistiu a esse jogo. Porque esse jogo tem uma coisa de surreal. Todo mundo esperava uma classificação, mas ninguém esperava de tal maneira.
O ano de 2019 é histórico e já no decorrer da temporada, já antes do Milagre de Lima, se sentia que esse ano poderia ser histórico. O Flamengo de Jorge Jesus conseguiu fazer duas coisas muito difíceis de combinar: ganhar e encantar. Antes do jogo contra Grêmio, Flamengo vinha de uma sequência de 17 jogos sem perder, o último jogo uma vitória no Fla-Flu. A última derrota era um jogo contra Bahia, quatro dias depois de uma classificação difícil, emocionante e histórica na Libertadores contra Emelec.
Depois, ninguém resistiu ao Flamengo. Não o Internacional na Copa Libertadores, não os rivais históricos do Flamengo, no Rio, como Vasco, que tomou um 4×1 no Mané Garrincha, ou de fora do Rio, como Palmeiras, campeão brasileiro mas derrotado 3×0, ou o Atlético Mineiro, que perdeu 3×1 no Maracanã. Um futebol alegre e ofensivo, um Maracanã lotado, e um entrosamento entre os jogadores que poucas vezes apareceu num time de futebol, no Brasil ou no mundo inteiro. O Flamengo de Jorge Jesus ganhava, encantava, fazia gols.
Mas mesmo assim, ninguém esperava um jogo assim contra Grêmio. Na ida, o empate foi até injusto, Flamengo merecia ganhar, mas empatou, e deixava as possibilidades abertas na volta. No Maracanã, Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Éverton Ribeiro, Arrascaeta; Bruno Henrique, Gabigol. Uma escalação perfeita, sem nenhum desfalque. Um time histórico, um time que talvez só perde pelo Flamengo de 1981 na história do clube. Do outro lado, o Grêmio com Everton Cebolinha no ataque e uma zaga fortíssima com Kannemann e Pedro Geromel. E no banco, um ídolo dos dois clubes, Renato Gaúcho, campeão da Libertadores dois anos antes com Grêmio. Esse Grêmio era muito perigoso e muito respeitado na América do Sul.
Todo mundo relembra onde estava nesse 23 de outubro de 2019 porque o jogo foi além das possibilidades. Eu não posso esquecer onde estava nesse dia, até já falei aqui, quando escrevi sobre a criação do consulado Fla Paris. Foi meu primeiro jogo com a Fla Paris, no meio da semana, meio da noite. Fui com meu amigo Piriquito e encontrei pela primeira vez Cidel, Waldez e Felipe, os outros fundadores da Fla Paris. A retransmissão do jogo foi ruim, mas o encontro foi ótimo. O jogo já era especial só por causa disso, iria ser ainda mais especial com bola rolando.
Jogo começou equilibrado e Grêmio teve primeiro lance de perigo, com Everton Cebolinha driblando na grande área e Maicon parando no Diego Alves. Flamengo reagiu com cabeçada de Bruno Henrique, perto da trave de um antigo ninho do Urubu, Paulo Victor. Depois, numa disputa de bola entre Everton e Willian Arão, Everton tomou o cartão amarelo e jogo quase partiu para briga no meio de campo, com quase todos os jogadores envolvidos. Jogo tenso, jogo equilibrado. Nos minutos seguintes, Éverton Ribeiro deixou em profundidade para Arrascaeta, que chutou, ou cruzou, na direção do gol. Paulo Vitor defendeu, Gabigol tentou uma bicicleta, tocou a bola mas não marcou. Em seguida, num passe de Gerson, Gabigol chutou, Paulo Vitor defendeu de novo. Ainda era 0x0, mas jogo não estava equilibrado mais.
No minuto 42, no campo do Flamengo, Everton Ribeiro deu o pique para recuperar a bola, para Gerson, para Bruno Henrique. Ainda no campo do Flamengo, Bruno Henrique deu o pique, passou entre vários defensores e achou na profundidade Gabigol. De pé direito, Gabigol chutou, Paulo Victor defendeu de novo, mas Bruno Henrique estava aqui para empurrar a bola nas redes e abrir o placar. No intervalo, 1×0 para Flamengo, placar magro, mas já muita bola e muito futebol do Flamengo.
Flamengo começou o segundo tempo com 6 jogadores na linha central e os 4 defensores um pouco atrás na mesma linha. Esse Flamengo era ofensivo, queria ir no ataque, para o desespero de Grêmio e de outros times, sempre queria fazer mais gols. Por isso, além dos títulos, o Flamengo de 2019 foi tão especial. Com apenas 20 segundos de jogo, com raça, Bruno Henrique ganhou uma bola dividida no campo de Grêmio e deixou para Éverton Ribeiro, que não fez o segundo gol de pouco. Bola foi no escanteio, e no escanteio, Gabigol fez um de seus gols mais bonito com o Manto Sagrado, com um gol de voleio muito difícil de conseguir. Até foi achar na arquibancada uma placa “Hoje tem gol do Gabigol”. Esse Flamengo era show. Tinha gol de Gabigol, e tinha ainda mais.
No terceiro minuto do segundo tempo, quando Galvão Bueno falava que Grêmio era imortal, Flamengo quase fez o terceiro, com chute de Bruno Henrique em cima do travessão. No banco, Renato Gaúcho parecia desesperado, sem poder de reação. Seu time também não sabia reagir. Numa chegada na esquerda de Felipe Luís, Bruno Henrique recebeu a bola, evitou o carrinho de Matheus Henrique, tomou o carrinho de Pedro Geromel. O Bruno Henrique tomou o carinho, a bola já estava longe, fora do Geromel, fora do Grêmio, e o juiz não hesitou: pênalti para Flamengo. Sem hesitar também, Gabigol fez o doblete, fez o terceiro do Flamengo. Teve dança com o quarteto mágico, Everton Ribeiro, Bruno Henrique, Arrascaeta e Gabigol, já era muito para Grêmio, mas tinha ainda mais, Flamengo estava além do possível.
Com uma hora de jogo, Gabigol recebeu a bola na esquerda e abriu para Bruno Henrique fazer o quarto gol. Era um momento surreal, até de ter pena para Grêmio, uma avalanche de gols que relembrava, agora no bom lado, o 7×1. Mas o juiz deu um pouco de normalidade ao jogo e anulou o gol por impedimento. Tanto faz, cinco minutos depois, num escanteio de Arrascaeta, o zagueiro Pablo Marí fazia o quarto gol, agora valido. E cinco minutos depois, também numa bola parada da esquerda, agora de Éverton Ribeiro, teve outro gol do outro zagueiro, Rodrigo Caio. Gosto muito dessa sequência de dois gols dos zagueiros para uma das maiores duplas de zaga que vi no Flamengo, talvez só perdendo de Fábio Luciano – Ronaldo Angelim.
Mais impressionante ainda, era o placar: Flamengo 5×0 Grêmio. Antes do jogo, tinha um certo favoritismo do Flamengo, mas nada de evidente. Depois, só tinha um Grêmio morto. E Jorge Jesus estava sem piedade, quando Pablo Marí e Gerson começaram a trocar passes laterais no campo de Flamengo, ele entrou numa fúria e pediu o time atacar. Por isso seu Flamengo foi tão vencedor, tão memorável. E Jorge Jesus ainda ofereceu um nome a esse jogo eterno, “o Cincum”, na verdade ele falou isso dez dias antes do jogo, para reclamar da violência dos outros times contra um Flamengo imparável. Não importa o motivo, gosto muito de jogos que têm nomes, e acho “o Cincum” um dos mais legais.
Com esse nome, “o Cincum” era ainda mais eterno. Flamengo foi muito bonito em 2019, mas mais bonito do que esse jogo durante a temporada, só a própria final da Liberta e o Milagre de Lima. E “o Cincum” é o jogo que representa mais o Flamengo de 2019, de um futebol alegre e ofensivo, com no banco um técnico aborrecido e vitorioso, um jogo que marcou eternamente todos os 69.981 presentes no Maracanã e todos os flamenguistas, no Rio, em Paris e em todos os cantos do mundo.








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