Hoje, a Seleção brasileira joga no Portugal, em Lisboa. E Flamengo e Lisboa, só vem para mim uma coisa na mente, um jogo que aconteceu no Rio de Janeiro, mas contra o Benfica, um jogo de um golaço, um jogo de um canto, um jogo de uma polêmica também.
O jogo aconteceu no início da temporada de 1972, um ano histórico aqui. Foi na abertura da segunda edição do Torneio Internacional do Rio de Janeiro, a primeira foi vencida pelo Flamengo, derrotando em 1970 Vasco, Independiente e a Seleção de Romênia. Era os tempos sombrios da ditadura e o futebol era uma das únicas distrações do povo, além da música, quando não era censurada. Pela essa edição do Torneio de Verão, um triangular com um português, um brasileiro e um meio português meio brasileiro, Benfica, Flamengo e Vasco. O primeiro jogo, um Flamengo x Benfica.
Fio Maravilha ia ser o grande nome, a grande estrela do jogo. No site Trivela, Emmanuel do Valle escreve sobre Fio Maravilha: “Capaz de, num mesmo jogo, marcar um golaço ou criar de improviso uma jogada genial e no lance seguinte tropeçar na bola ou dominar de canela, era, não obstante, uma figura carismática com seu jeito simples, suas tiradas espirituosas, corpo troncudo, jeito de andar um tanto desengonçado e, sobretudo, sua pronunciada arcada dentária”. Era isso Fio Maravilha, um jogador que a gente não sabia se era craque ou perna de pau, a cada jogada a dúvida ficava mais forte. Também não sabia se era ponta ou centroavante, se era polivalente ou jogava onde tinha espaço para ele. Certeza que, com o novo técnico do Flamengo, o jovem Zagallo, e com muitos outros técnicos, Fio Maravilha era reserva. Outra certeza é que era ídolo do Flamengo. Talvez por causa justamente dessa dificuldade a saber qual era o verdadeiro nível dele em campo, talvez por causa do jeito simples de ser, talvez por causa da dentição tão particular, não sei, o que eu sei, é que Fio Maravilha era um ídolo do Flamengo, ídolo da arquibancada e da geral do Maraca.
Como no primeiro jogo da temporada, contra Botafogo, Fio Maravilha começou o jogo contra Benfica no banco. No 15 de janeiro de 1972, Zagallo escalou Flamengo assim: Ubirajara; Aloísio, Fred, Reyes, Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto, Rogério; Caio Cambalhota (Samarone), Paulo César Caju, Arílson (Fio Maravilha). Do lado de Benfica, o craque que ninguém duvidava que era craque, Eusébio, estava machucado, mas o clube de Lisboa era uma máquina, o líder disparado do campeonato português com 13 vitórias e 2 empates em 15 jogos. O jogo começou equilibrado, com lances de perigo de Rogério para o Flamengo. E depois, Arílson se machucou. E a torcida flamenguista só tinha um nome na boca, uma boca tão grande que a do jogador em questão, Fio Maravilha, o perna de pau mais craque do futebol, o craque mais perna de pau da história do Flamengo, a alegria do Maracanã. No intervalo, pressionado pela torcida flamenguista, Zagallo botou em campo Fio Maravilha e sua camisa 14, não camisa de craque como Cruyff, camisa 14 de reserva, de coringa, às vezes de milagre.
Esse jogo é um jogo de um golaço, um jogo de um lance só. Então vamos diretamente no minuto 33 do segundo tempo, bola nos pés de Samarone no centro, nos pés de Rogério na direita, nos pés de Fio Maravilha para o milagre, para a maravilha de Fio Maravilha que ia maravilhar 44.280 torcedores maravilhados, entre eles, o compositor Jorge Ben Jor. Fio Maravilha pegou a bola, passou entre os defensores Rui Rodrigues e Messias, driblou o goleiro Zé Henrique, deixou a bola no fundo do gol. Um golaço, um dos mais importantes dos 84 gols de Fio Maravilha com o Manto Sagrado. “Fio tem noite de Pelé”, escreveu no dia seguinte Globo. “Gol de rei, não. Gol de Fio, mesmo”, respondeu o humilde Fio Maravilha. “Ainda tentei fazer pênalti, mas não sei como passou por mim. Provou no drible que é mais esperto que eu” inclinou-se o goleiro Zé Henrique.
Pela beleza plástica, o gol já era famoso. Pela importância também, já que Flamengo conquistou o título do torneio internacional de Rio depois de mais uma vitória 1×0, contra Vasco, gol de Paulo César Caju. Mas o gol virou eterno com uma cancão de Jorge Ben e interpretada pela Maria Alcina no Festival Internacional da Canção, vencendo a fase nacional no Maracanãzinho, uma canção que virou hit nas boates de Rio e até de Paris. Uma canção simples como Fio Maravilha, com letras bonitas como o gol contra Benfica. Vale a pena lembrar a letra inteira: “E novamente ele chegou com inspiração, Com muito amor, com emoção, com explosão em gol, Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo, Depois de fazer uma jogada celestial em gol. Tabelou, driblou dois zagueiros, Deu um toque, driblou o goleiro, Só não entrou com bola e tudo, Porque teve humildade em gol, Foi um gol de classe, onde ele mostrou sua malícia e sua raça. Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa, Que a galera, agradecida, se encantava, Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa, Que a galera, agradecida, se encantava. Filho Maravilha, nós gostamos de você, Ih-ih-ih-ih-ih-ih-ih, Filho Maravilha, faz mais um pra gente ver, Ih-ih-ih-ih-ih-ih-ih”.
E depois teve a polêmica. Diante do sucesso da música, um ingênuo Fio Maravilha deixou seu advogado entrar em processo na Justiça para tentar ganhar dinheiro sobre os direitos autorais. Magoado, Jorge Ben Jor trocou “Fio Maravilha” pelo “Filho Maravilha”. Mas só tem um Fio, só tem uma Maravilha, o golaço contra Benfica, e as duas partes finalmente selaram a paz. O que fica finalmente é o golaço de Fio Maravilha, a música de Jorge Ben Jor, e o Maracanã cheio de alegria com um gol de seus ídolos particulares.
Fecho essa crônica com as lembranças de Fio Maravilha, no livro Grandes jogos do Flamengo, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Foi um jogo interessante. O Eusébio estava machucado, mas o Benfica tinha um grande time. Em 10 anos de Flamengo, só fui titular em 1969 e 1970, com o Yustrich. O Zagallo não era muito simpático ao meu futebol, ao meu estilo. Eu estava na reserva, mas o Zagallo me chamou para entrar. Naquele dia, eu estava inspirado. Numa jogada com o Rogério, saí driblando e fui parar dentro do gol. Daí, veio a música e ela caiu no gosto popular. O problema com o Jorge Ben Jor é que houve um desencontro de informações. Havia um amigo, já falecido, o Joaquim Reis, que era advogado de alguns jogadores, como o Jairzinho, o Rodrigues Neto e meu também. Um dia me perguntou: ‘O autor da música te botou como parceiro? Posso entrar em contato com ele para você ganhar alguma coisa?’. Disse que podia. Pouco depois, fui jogar em Vitória. Quando cheguei ao Rio, já estava um burburinho tremendo. Não tinha a intenção de processar. Mas não culpo o advogado. Se alguém cometeu um engano, fui eu, não ele, que era uma pessoa maravilhosa. Não tiro também a razão do Ben Jor. Seria um prazer um dia reencontrá-lo. Mesmo morando nos Estados Unidos, acompanho os jogos do Flamengo, que defendi com muito carinho. Contra o Benfica foi especial, porque disseram que o Fio fez gol de Pelé. Adorei, porque eu era comparado com um monte de perna de pau. Depois do meu pai, Pelé foi o meu maior ídolo”.








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