Talvez valia esperar 17 anos par ter um final tão bonito. O ano de 2009 é o ano de hexa, com um final que ninguém tinha imaginado. Mas eu também nunca teria imaginado o início da temporada, que na verdade, começou no fim do ano de 2008, um ano histórico também aqui, começou com uma terrível desilusão.
Ronaldo está no meu top3 dos ídolos, junto com Garrincha e Zico. E ele foi o primeiro ídolo. Com 6 anos recém-completados, meu aniversário foi alguns dias antes da final da Copa do Mundo de 1998, torcia pelo Brasil contra meu próprio país, a França, principalmente por causa do Ronaldo Fenômeno. Se adoro o futebol brasileiro, talvez Ronaldo é a principalmente explicação. Quando ele assistiu a final do campeonato carioca 2008 com uma camisa do Flamengo, fiquei alucinado de alegria, passei a sonhar com a chegada dele no Flamengo, para jogar, para brocar, para ser campeão brasileiro.
E o sonho ficou ainda mais forte quando ele passou a treinar na Gávea, quando ele repetiu diversas vezes que queria jogar no Maior do Mundo. Assistia a todos os jogos do Ronaldo, assistia a todos os jogos do Flamengo. Meu interesse pelo futebol ficou quase apenas no futebol brasileiro quando Ronaldo rompeu os ligamentos do joelho pela terceira vez e saiu do Milan. Antes era Ronaldo e Flamengo, depois só Flamengo, e podia ser agora Ronaldo no Flamengo, Ronaldo com o Manto Sagrado. Daí a decepção foi ainda maior. Foi uma terrível desilusão. E mais, foi uma traição. Sentiu-me traído como nunca quando Ronaldo assinou com o Corinthians. Entre os dois, entre meu ídolo e meu clube de coração, escolhi Flamengo, e mais, passei a odiar Ronaldo. Como se o ídolo nunca tinha existo, como se sempre foi um mercenário. Mas foi muito difícil de parar de amar o Fenômeno.
Foi difícil assistir ao início do Flamengo no campeonato carioca, uma vitória 1×0 contra Friburguense, gol de Juan, ídolo do Flamengo, mas menos ídolo do que Ronaldo no meu coração ferido. Flamengo conseguiu várias vitórias, empatou contra Botafogo, e fechou seu grupo da Taça Guanabara como líder. E na semifinal, perdeu de forma surpreendente contra Mesquita em pleno Maracanã, em pleno Carnaval. Depois de dez dias sem jogos, com Botafogo campeão da Taça Guanabara, Flamengo se recuperou na estreia da Copa do Brasil, goleando 5×0 Ivinhema. A Taça Rio, a segunda fase do campeonato carioca na época, foi difícil, Flamengo até perdeu 2×0 contra Vasco, mas Flamengo conseguiu a primeira colocação e a vaga na semifinal com um 1×1 no Fla-Flu, Emerson Sheik fazendo o gol do empate no último minuto. E uma semana depois, teve outro Fla-Flu, dessa vez com vitória do Fla, com Mengo na final da Taça Rio.
Flamengo conquistou a Taça Rio contra Botafogo e se classificou para a grande final do campeonato carioca, de novo contra Botafogo. De novo, como em 2007, como em 2008. Flamengo tinha conquistado um tricampeonato carioca em cima do Vasco entre 1999 e 2001, podia fazer agora contra Botafogo. Na ida, muitos gols, muita emoção e um empate 2×2. E na volta, muitos gols, muita emoção e um empate 2×2. Grande nome foi Bruno, que pegou um pênalti durante o tempo normal e mais dois na disputa de penalidades. Gostei muito desse time, gostei muito desse título, com Fábio Luciano levantando a taça. Adorava Fábio Luciano, um dos melhores capitães que vi no Flamengo e fiquei muito triste quando ele encerrou a carreira nesse mesmo jogo. E adorei o Tri em cima do Botafogo, por isso também fiquei muito chateado quando Flamengo perdeu o campeonato carioca 2022 contra Fluminense, perdendo a oportunidade de completar um novo tri contra um mesmo rival.
Depois, Flamengo goleou Fortaleza para se classificar nas quartas de final da Copa do Brasil, mas perdeu na estreia do Brasileirão contra Cruzeiro, também foi eliminado da Copa do Brasil pelo Internacional. Mas uma boa notícia veio logo depois, uma ótima notícia, depois de algumas semanas de incerteza, o Imperador voltou, Didico era de novo do Mengo. Na verdade, Adriano nunca parou de ser flamenguista, mas agora era de novo jogador do Flamengo. Estava muito feliz com a volta dele, ele era um de meus ídolos no futebol. Já estava feliz quando ele voltou no Brasil em 2008 com São Paulo, mas agora era diferente, era do Mengo. Um casamento que deu certo, com no início várias camisas diferentes. Teve 29, 27, 92, 90, 100. Era uma espécie de chá revelação para a nova camisa do novo fornecedor, Olympikus, depois de vários anos com Nike, alias para mim o principal motivo da não vinda de Ronaldo no Flamengo. Teve até enquete na Internet para a torcida escolher a camisa de Adriano, deu 9, mas Adriano finalmente escolheu a 10 de Zico. Uma história perfeita.
E outro ídolo voltou, Petkovic. Mesmo sem acompanhar a primeira passagem dele no Mengo, sempre fui muito fã do Petkovic, ele era até a personalização de meu sonho, um europeu fazendo história no Brasil, um camisa 10 clássico, minha posição preferida num campo de futebol. Mas por causa do Didico e da camisa 10, Petkovic escolheu a camisa 43, como o minuto que o eternizou no Flamengo, na hora de conquistar o Tri contra Vasco. Estava feliz com a escolha dele, porém sem o sonho de ver ele como destaque do Brasileirão. Escreve Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos do Flamengo: “Com pendências financeiras para resolver com o clube, Petkovic propôs reduzir e parcelar a dívida, desde que pudesse se despedir do futebol com a camisa que o consagrou. Os torcedores gostaram da ideia, até porque faltava um meia cerebral no elenco. Entretanto, alguns dirigentes torceram o nariz pra Pet, duvidando que, aos quase 37 anos, pudesse dar retorno. O acordo financeiro foi assinado. Contudo, o técnico Cuca e alguns diretores decretaram que o sérvio, no máximo, faria um jogo de despedida”. E quase foi, com o comando de Cuca, Petkovic jogou apenas 27 minutos.
Quem brilhou durante esse tempo foi Adriano. Marcou na estreia contra o Athletico Paranaense, fez um hat-trick contra o Internacional depois de um vexame, quando Fla tomou um 5×0 contra Coritiba. Mas aí aconteceu uma coisa para mim. O Corinthians ganhou a Copa do Brasil, com gol de Ronaldo na final. O traidor já tinha brilhado no campeonato paulista, com gol na estreia como titular contra Palmeiras, com golaço na semifinal contra São Paulo, com golaço e título contra Santos. E agora conquistava um título nacional. Depois de dois anos longe do futebol europeu, do dinheiro e da falta de emoção, eu me afastava do futebol brasileiro e do Flamengo por excesso de emoção. A traição de Ronaldo foi dura, passei a odiar ele, e ver ele brilhando no Brasil doava meu coração. Sem acesso a um computador nos domingos a noite, passei a acompanhar menos o Flamengo, nem os melhores momentos dos jogos eu assistia regularmente. Incrivelmente, o ano 2009 foi o ano que menos acompanhei o Flamengo. Nos tempos difíceis, para mim 2010, 2012 e 2014 em destaque, com pouco futebol, eu estava lá. Mas em 2009, acompanhei menos, de novo não por falta de amor, mas por excesso de amor.
Ainda mais, o Flamengo de 2009 era irregular e depois da vitória 4×0 contra Internacional, conseguiu apenas uma vitória em 6 jogos, empatando contra Fluminense e Botafogo, perdendo contra Palmeiras. E Cuca, sem apoio dos jogadores do time, saiu do Flamengo. O time nesse momento era na 11a colocação, 11 pontos atrás do líder. Próximo jogo já era decisivo, já uma virada no ano, com um técnico interino, um ídolo, Andrade. Esse jogo contra Santos merece um capítulo na categoria dos jogos eternos, mas vamos dizer aqui que Flamengo nunca tinha vencido Santos na Vila Belmiro num jogo oficial, mas ganhou de virada, com gol de Adriano, com lágrimas de Andrade e homenagem ao Zé Carlos, antigo goleiro do Flamengo, que tinha falecido dois dias antes. E no jogo seguinte, Flamengo venceu, de novo em virada, venceu o líder do campeonato, o Atlético Mineiro. Era um novo Mengo.
Até o Petkovic, esquecido pelo Cuca, começou a aparecer com Andrade, saindo do banco, fazendo gol de fora da área contra Goiás. Petkovic passou a ser titular, a ser referência técnica do time. E no jogo seguinte, vitória sobre o Corinthians, sem Ronaldo, gol de Adriano, eu feliz. Mas o Flamengo de 2009 era irregular. Fez 5 jogos sem vitórias, com eliminação na Copa Sudamericana contra Fluminense apesar de dois empates no Maracanã, e três derrotas no Brasileirão. Fla perdeu 3×0 contra Avaí, foi na 14a posição, perto do Z-4, muito longe do G-4. O título nem era um sonho. Mas Flamengo se recuperou, ficou 6 jogos sem tomar gol, golaçou contra Coritiba, venceu o Fla-Flu com doblete de Adriano, outro jogo eterno. Petkovic começou a brilhar, duas assistências no 3×0 contra Sport, um gol e uma assistência contra Coritiba, mais um gol no 3×3 contra Vitória, que interrompeu a série sem ser vazado do Mengo, não a boa fase do Fla.
A recuperação do Flamengo veio com a dupla Petkovic – Adriano, que brilhou ainda mais do que no fim do século passado, no início do terceiro milênio. Olha os números, do 3×0 contra Sport até o hexa, Didico fez 9 gols em 12 jogos, Pet deu 5 assistências e marcou 7 vezes em 14 jogos. Teve outros jogos eternos, até gols olímpicos de Pet, contra Palmeiras e o Atlético Mineiro. E teve a volta do Mengo, no início no G-4, perto do líder, mas ainda não líder. E depois de alguns meses longe do Fla como nunca fui na minha vida, passei a acompanhar de novo o Mengo de perto, perto do título. Mas torcer pelo Flamengo é sofrer, quando podia tomar a liderança, empatou em casa contra Goiás, que tinha nada mais a jogar. Faltava dois jogos, contra o Corinthians de Ronaldo, contra o Grêmio no Maracanã.
E jogo contra Corinthians foi sem Adriano, machucado com uma queimadura, de luminária, de churrasco, de moto, de bala perdida, de ataque alienígena, sei lá, foi mais um capítulo de um ídolo no Flamengo. Enfim, o Imperador não podia estar em campo. E o traidor saiu também machucado, com apenas 25 minutos do jogo. No Brinco de Ouro, teve gol de Zé Roberto, que também jogou muito no fim da temporada, teve gol de outro ídolo do Fla, Léo Moura, num pênalti no último minuto, teve vitória do Mengo, teve Flamengo na liderança. Flamengo nunca foi tão perto do hexa, e ao mesmo tempo, tão longe, tudo pode acontecer em 90 minutos, até o impossível.
Para o último jogo, já eternizado nesse blog, teve volta do Didico, teve Álvaro suspenso, teve David Braz titularizado, teve invasão no Maracanã. Teve polêmica também, já que o adversário era Grêmio e um dos outros candidatos ao título era o Inter. Mas, mesmo com um time misto, mesmo sem jogar nada, Grêmio abriu o placar no Maracanã, e quase no mesmo minuto, o Inter também abriu o placar, voltou a ser o campeão virtual. Teve muito emoção no Maracanã, com bola rolando, na bola parada também. Num escanteio de Petkovic, Adriano parou de jogar, reclamou uma mão, David Braz continuou a jogar, fez seu primeiro gol com o Manto Sagrado. Mas o empate ainda não era suficiente para ser campeão, precisava vencer, vencer na raça, no amor, na paixão.
E na metade do segundo tempo, quando Inter goleava, quando Petkovic estava pronto a sair, o Gringo bateu mais um escanteio, na cabeça de um dos mais flamenguistas do elenco, Ronaldo Angelim. No início do mesmo ano de 2009, Ronaldo Angelim correu o risco de ter uma perna amputada por causa de um problema sanguíneo. Mas o sangue de Ronaldo Angelim era rubro-negro, Ronaldo Angelim era o único Ronaldo que a Nação precisava. De cabeça e de coração, Ronaldo Angelim fez o gol da virada, o gol do título, o gol do hexa. Assisti ao jogo ao vivo, mas sem imagens, sem voz, só com a descrição escrita dos lances. Mas, como se eu nunca tinha me afastado um pouco do Flamengo durante o ano, vibrei igual os 90.000, talvez 100.000 pessoas no Maracanã, comemorei, sozinho mas felizão, meu primeiro título brasileiro com Flamengo. Era o ano de 2009, eu tinha 17 anos. Valia a pena esperar uma vida inteira.








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