Ainda homenageando Zagallo, vamos voltar ao ano de 1955, um dos maiores da história do Flamengo. Zagallo já era titular nesse time, que tinha um dos ataques mais poderosos de sua história, com craques, apenas craques, só craques. Ainda tinha Rubens que desfilava sua classe no meio de campo. Nesse período, a temporada ia um pouco além do calendário gregoriano e Flamengo ainda visava o bicampeonato carioca 1954 no início de 1955.
O ano de 1955 do Flamengo começou então já no 2 de janeiro, com um empate 1×1 contra o America no Maracanã, gol de Benítez. Flamengo tinha um toque de Paraguai, com também o técnico Fleitas Solich, trazido pelo presidente Gilberto Cardoso, que tomou posse em 1951. Gilberto Cardoso está para mim no top 3 dos presidentes da história do Flamengo ao lado de José Bastos Padilha, que abriu o Flamengo ao povo nos anos 1930 e Márcio Braga, que conquistou o mundo nos anos 1980. Nos anos 1950, Gilberto Cardoso abriu Flamengo ao mundo, com excursões na Europa e contratações de craques e técnico estrangeiros.
No 12 de fevereiro de 1955, de virada contra Vasco, o “Rolo Compressor” do Flamengo conquistou o campeonato carioca 1954. Era tempos de carnaval, Flamengo festejou o título no Maracanã alguns dias depois com uma goleada contra a Estrela Vermelha da Iugoslávia, doblete de Evaristo de Macedo, gols de Zagallo e Babá. O último jogo do campeonato carioca também virou uma festa, uma das mais impressionantes da história do Maracanã. Pela primeira vez, a escola da Mangueira desfilou no Maracanã, com a presença de Marta Rocha, primeira Miss Brasil eleita e segunda colocada na eleição de Miss Universo 1954, e de duas atrizes americanas mais famosas da época, Ginger Rogers e Elaine Stewart. E mais, a Samba Rubro-Negro de Wilson Batista virou hit no Rio de Janeiro e não posso faltar de lembrar a letra: “Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá, vai haver mais um baile, no Maracanã, o Mais Querido tem Rubens, Dequinha e Pavão, eu já rezei pra São Jorge, por Mengão ser campeão”. E para uma festa completa, Flamengo goleou 5×1 Bangu, o Flamengo era o dono da cidade.
No Torneio Rio – São Paulo, Flamengo estreou com goleada 5×1 contra Santos e mais um doblete de Evaristo de Macedo. Flamengo finalmente fechou a competição no quarto lugar, três pontos a menos do que o campeão, a Portuguesa. Em pleno Centenário de Montevidéu, Flamengo derrotou 3×2 o Peñarol, mais uma vez com um doblete de Evaristo de Macedo. No comando de Jayme de Almeida e com um time reserva, mas que tinha entre outros Índio, Hermes e Henrique Frade, Fla conquistou na Bahia a Taça da Amizade. E Flamengo voltou a maltratar os uruguaios, conquistando o Troféu Marechal Eurico Gaspar Dutra com duas vitórias 3×2 sobre o Nacional no Maracanã. Na ida, gols de Esquerdinha, Índio e Evaristo de Macedo. Na volta, gols de Evaristo de Macedo, Duca e Joel. Flamengo tinha um timaço, foram muitos gols, 155 em 1955 em apenas 60 jogos, com Zagallo já ajudando na marcação e dando mais liberdade aos outros jogadores do ataque.
No Torneio Internacional Charles Miller, entre o Maracanã e o Pacaembu, Flamengo perdeu contra o America e o Corinthians, mas derrotou os dois time estrangeiros, Benfica 1×0 gol de Evaristo, Peñarol 2×1 doblete de Joel. No campeonato carioca, Flamengo estreou com vitória, 2×0 contra Canto do Rio, gols de Rubens e Paulinho, e goleou em seguida Madureira, Bonsucesso e a Portuguesa. Ainda venceu Botafogo, antes de conhecer a primeira derrota no campeonato, no Fla-Flu. O grande ídolo Rubens jogou um pouco menos, entre lesões e conflito com Fleitas Solich. Duca e Paulinho passaram a jogar mais, e ainda reinava no meio de campo Dequinha, que substituiu Modesto Bría e será substituído pelo Carlinhos, só craques, só ídolos. Evaristo de Macedo, artilheiro da temporada com 34 gols, rompeu os ligamentos do joelho e foi substituído por um jovem atacante alagoano, futuro craque e ídolo, Dida, que fez vários gols, inclusive um hat-trick contra Canto do Rio. Flamengo tinha um timaço e Fleitas Solich recebeu o apelido de “Feiticeiro” por revelar tantos jovens jogadores.
Infelizmente, o Flamengo não foi só vitórias, craques e festa no Maracanã. No 26 de novembro, Flamengo perdeu seu presidente, de forma dramática. No ginásio do Maracanazinho, Gilberto Cardoso assistia a um jogo de basquete de nosso Flamengo e Guguta fez no último segundo a cesta que ofereceu ao Flamengo a vitória 45-44 contra Sírio e Libanês. O coração rubro-negro de Gilberto Cardoso não aguentou, o presidente morreu de uma parada cardíaca fulminante. Tinha apenas 49 anos. Escreveu Henrique Pongetti: “Gilberto Cardoso foi vítima de um acidente sentimental. Os cardiologistas podem dar um nome complicado ao acidente reduzindo-o a um mero caso fisiológico. Eu acho que foi amor ao rubro-negro num coração insuficiente, coração de qualquer outro ser humano. Doença não havia: havia falta de espaço”. Além do presidente, Flamengo perdeu uma torcedora ilustre, a atriz Carmen Miranda, que se apaixonou pelo Mengo ao mesmo tempo que se apaixonou por um remador do clube, Mário Augusto Pereira da Cunha, já em 1925. Carmen Miranda fez sucesso nos Estados Unidos, mas deu sorte ao Flamengo quando assistiu ao jogo contra Vasco no fevereiro de 1955, com vitória de virada do Mengo e bicampeonato carioca. Carmen Miranda faleceu em agosto de 1955, também jovem, com apenas 45 anos.
No sepultamento de Gilberto Cardoso, o padre Góes, outro nome ilustre na história do Flamengo, prometeu o tricampeonato carioca. Mas só chegará no início de 1956, quando Flamengo passou a usar um calça preta em homenagem ao seu querido presidente. Gosto do uniforme tradicional de calça branca, mas também acho muito lindo com a calça preta, ainda mais com essa homenagem ao Gilberto Cardoso, que tinha o rubro-negro no corpo e na alma. Deixo o jogo do título, com goleada contra America e atuação magistral de Dida, para uma outra crônica. Flamengo fez seu último jogo do campeonato carioca em 1955 contra Fluminense. O tricolor Didi abriu o placar, mas depois foi só Flamengo, apenas Flamengo. Com hat-trick de Paulinho, doblete de Dida, gol de Joel, Flamengo goleou 6×1. A goleada foi tão imoral que os jogadores do Fluminense foram multados pela diretoria.
No final do ano, Gilberto Cardoso, que merecidamente deixou seu nome ao ginásio do Maracanazinho, mesmo no céu rubro-negro, fez outro milagre: reuniu Flamengo e Vasco. No 23 de dezembro, um combinado Flamengo-Vasco enfrentou um time que juntava também dois inimigos, o Racing e o Independiente da Argentina. Com camisa rubro-negra e calça preta, o combinado Fla-Vasco abriu o placar graças ao Paulinho. Os argentinos empataram, e no início do segundo tempo, Dida deixou de novo os cariocas na frente, antes do terceiro gol assinalado pelo vascaíno Parodi. Os quatro times jogaram depois o Torneio Internacional do Rio de Janeiro, também chamado de Torneio Internacional Gilberto Cardoso. Na semifinal, Flamengo derrotou o Racing 2×1, gols de Dida e Babá. No 30 de dezembro de 1955, no Maracanã, Flamengo conquistou facilmente o título, com vitória 3×0 contra o Independiente, gols de Milton, Dida e Duca. Assim acabava o ano de 1955, com mais um sucesso contra um time estrangeiro, confrontos de quem o Gilberto Cardoso foi um dos maiores incentivadores. Na presidência de Gilberto Cardoso entre 1951 e 1955, Flamengo fez 49 jogos contra times estrangeiros, da Europa e da América do Sul, com um retrospecto incrível: 31 vitórias, 15 empates e apenas 3 derrotas. Assim era o Flamengo do início dos anos 1950, Rolo Compressor e campeão, mesmo nas tristezas mais pesadas.








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