Jogos eternos #157: Flamengo 2×0 Vasco 1989

Antes do clássico de hoje no Brasileirão, uma volta no tempo, com o Brasileirão de 1989. Na primeira fase, Flamengo fez uma campanha apenas razoável, se classificando para a fase seguinte no sexto lugar, com apenas um ponto a mais que o primeiro eliminado. E os pontos ganhos na primeira fase ainda valiam para a classificação da segunda fase, então quando Flamengo estreou neste fase com uma derrota contra a Portuguesa, estava quase já eliminado. Para Flamengo, o Clássico dos Milhões valia quase nada. Mas essa frase não existe, mesmo sem valendo para um título, o Clássico dos Milhões sempre vale, a vitória sempre é obrigatória.

Ainda mais com o contexto da época. Era o primeiro jogo de Bebeto contra Flamengo desde sua saída, quero dizer traição. Foram muitos jogadores a vestir a camisa dos dois clubes, mas o caso Bebeto é particular, pelo forma que saiu, pelo status que tinha no Flamengo, pela idolatria que tinha com a torcida. Provavelmente a maior traição de um jogador do Flamengo, Bebeto fez a pior coisa que podia fazer. Antes do reencontro, ainda prometeu um “Gol Gilbertinho” em “homenagem” ao presidente rubro-negro Gilberto Cardoso Filho, responsável segundo ele de sua saída, por não ter lhe dado a “devida atenção” na renovação do contrato. A vitória do Flamengo contra Vasco era mais que obrigatória, era essencial.

A torcida sabia disso e quase lotou o Maracanã, com 59.076 presentes. No 5 de novembro de 1989, o saudoso Valdir Espinosa escalou Flamengo assim: Zé Carlos; Josimar, Fernando, Júnior, Leonardo; Aílton, Zinho, Zico; Alcindo, Luís Carlos, Bujica. Flamengo não tinha mais o jovem ídolo, mas ainda tinha os ídolos antigos, ainda presentes, de volta depois de brilhar na Itália, Zico, 36 anos, no meio de campo, Júnior, 35 anos, em todos os lugares do campo. Escreveram Roberto Assaf e Clóvis Martins no livro Flamengo x Vasco, o Clássico dos Milhões: “Escalado como zagueiro, o craque atuou como autêntico líbero, destruindo, armando, lançando, tabelando, comandando praticamente todas as ações do time”.

No Maracanã, Aílton fez o primeiro chute do jogo, em seguida Bebeto cobrou uma falta sob as vaias da torcida flamenguista. Era o Maracanã raiz, geral cheia, rede véu de noiva, craques em campo, ritmo intenso, tempos que não voltam mais. E com 30 minutos, um duelo entre o novo craque, não esquecido mas apagado, Bebeto, e o velho craque de sempre e para sempre, Zico. Na dividida, Bebeto tocou na bola, mas a jogada se transformou em passe para Alcindo, que abriu na esquerda para Luís Carlos e partiu para o pique. Luís Carlos achou de volta Alcindo, que ficou na dúvida entre o chute e o cruzamento. O chute saiu mal, mas o goleiro Acácio também foi mal, deixou a bola viva, nos pés de Bujica, que matou a bola nas redes véu de noiva. Alegria da geral, alegria dos craques, Zico e Júnior, braços no ar, no céu rubro-negro.

Em seguida, Tita, outro ídolo flamenguista que foi jogar no Vasco, mas sem o peso da traição de Bebeto, deu ótimo chapéu em cima de Fernando, mas não conseguiu empatar. Num outro contra-ataque infernal, Flamengo quase fez o segundo, Acácio fez a defesa parcial, e o gesto acrobático de Alcindo passou em cima do travessão. E já era a vez do Vasco de atacar, Bebeto conseguiu dominar de peito a bola na grande área, quase teve tempo para chutar, mas Aílton chegou de forma milagrosa e impediu a pior coisa que podia acontecer, um gol de Bebeto contra Flamengo.

No início do segundo tempo, mais uma bela jogada, todos foram bem, belo cruzamento de Zé do Carmo, belo cabeceio de Bismarck, mas no final, ainda mais bela defesa do saudoso Zé Carlos, que mandou a bola para escanteio, voando no gol. E quem voava em campo era Júnior, antecipando perfeitamente um passe de Quinóñez para interceptar a bola nos pés de Tita. Na dividida, Júnior chegou antes de outro ídolo rubro-negro que foi jogar no Vasco, Andrade. De novo, sem o peso da traição de Bebeto. Para Bebeto, não foi só jogar no rival, foi a forma que ele saiu do Flamengo. Mas enfim, Flamengo ainda estava bem de ídolos, Júnior tocou para Zico, como já fazia 15 anos atrás. Sem a velocidade de antes, Zico apenas tocou a bola uma vez, de canela, região de corpo reservada a dois tipos de jogadores: o perna de pau completo ou o craque absoluto. E como craque absoluto, Zico fez o passe para Alcindo. O ritmo era infernal, o contra-ataque era mortal. Zico não tinha a velocidade de antes, mas tinha a inteligência de sempre, ainda tinha a raça reservada ao perna de pau dedicado ou ao ídolo absoluto, que conquista as massas não só com o talento nos pés, mas também com a alma e o coração. Zico correu, pediu a bola na frente, Alcindo completou a tabelinha. O olho de Zico era mortal, o talento era imortal. O goleiro Acácio fez dois passos na frente, Zico deixou a bola na segunda trave para Bijuca, que só tinha a puxar a bola no fundo do gol. Flamengo 2×0 Vasco, Bujica 2×0 Bebeto. O Bujica fez apenas 11 gols com o Manto Sagrado, mas neste 5 de novembro de 1989, ninguém tinha dúvida na geral, Bujica era melhor que Bebeto.

Logo depois, a geral ficou ainda mais cheia de alegria, Bebeto fez a melhor coisa que podia fazer, foi expulso depois de se desentender com o goleiro Zé Carlos, também expulso e substituído no gol pelo homônimo, Zé Carlos Paulista. A festa era completa, o ritmo ficou intenso, mas nada de gol marcado. A festa já era completa, Bijuca carrasco do Vasco, Bebeto expulso, Zico extinguindo os gritos de “bichado” da torcida vascaína, Júnior reinando em campo. O Vasco foi o campeão no final sim, mas o Rei do Rio, o dono do Maraca, era Flamengo, sempre Flamengo.

Deixe um comentário

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”