Na geral #20: Encontrei de novo Deus

Há quase dois anos, encontrava pela primeira vez Deus, Nosso Rei, Zico. Era um sonho, um objetivo, até um item da minha lista de coisas a fazer durante minha temporada de um ano no Rio. E realizei, apenas dois meses depois de minha chegada, num 18 de novembro de 2022, uma data agora especial para mim, para meu coração, minha alma de flamenguista. De volta na França, não esperava encontrar de novo Zico. Mas aconteceu, também num dia perfeito.

Acordei no domingo, dia de Flamengo, com péssima intuição. Nem era intuição, eram lembranças do passado, de tantas frustrações. Flamengo jogava para tomar a liderança do campeonato em caso de vitória, contra o Atlético-GO, lanterna do Brasileirão. Jogo no Maraca, dia de sol no Rio, com encontro no consulado Fla Paris. Ou seja, tinha tudo para dar errado. Mas não foi.

Esse jogo nem era para ter encontro no consulado Fla Paris. Temos os problemas recurrentes dos consulados e embaixadas do Flamengo na Europa, horários difíceis, tempo de transporte longo, custo alto da vida. Tem mil e um motivos para não ir ao consulado e mil e um motivos para ir. Para a geral, a tendência de 2024 é mais de não ir. Temos que bater uma marca de presentes para o bar nos receber e às vezes devemos cancelar o encontro por falta de pessoas interessadas. Perdemos assim o Fla-Flu e dez dias atrás, num sábado, teoricamente dia mais fácil para a massa flamenguista chegar, também fomos obrigados a cancelar o jogo contra Criciúma. Isso é bem frustrante e a diretoria decidiu não tentar mais uma vez para o próximo jogo no domingo, contra o Atlético-GO.

Mas durante a semana, Ramon, da Fla Miami e que conhece bem os diretores da Fla Paris, perguntou para nós se ia ter encontro no consulado para o Atlético-GO. Com os Jogos Olímpicos, tinha muitos brasileiros em Paris, o mundo olhava para Paris e era a oportunidade para marcar encontro, até quem sabe receber atletas do Flamengo ou jornalistas rubro-negros. Nosso diretor Danilo pediu se o bar ia abrir, o que era o caso, sem qualquer restrições de número de pessoas para nós. Dito e feito, lançamos o flyer, convocamos nas redes sociais a massa flamenguista de Paris para assistir ao jogo, ver Flamengo tomar a liderança.

Eu já escrevi aqui que adoro os encontros na Fla Paris durante o verão europeu, porque tem mais turistas que vêm visitar a Cidade Luz e aproveitam da oportunidade de ver um jogo do Mengo e conhecer a Fla Paris. Adoro puxar a conversa, sobre Flamengo, onde eles moram, sobre Paris, dar algumas dicas de viagem. E o jogo contra o Atlético-GO não foi diferente. A massa flamenguista chegou, virou Nação, de apenas 30 pessoas sim, mas uma Nação de tradição, de amor e paixão. Tinha família que faz parte do Movimento Verde Amarelo, casal de mineiros que mora em SP, gente de Pavuna no Rio, era a Nação em Paris. E melhor, em campo, Flamengo não tremeu, com gols de Pedro e Arrasca, venceu, virou líder, a torcida cantou de novo de seguir o líder. Um dia perfeito em Paris, no Rio, no mundo todo.

E mais, melhor, tinha o dia seguinte. Zico, Nosso Rei, Deus, está em Paris, como embaixador do Time Brasileiro nos Jogos Olímpicos. O presidente da Fla Paris, Cidel, mesmo agora no Brasil de férias, conseguiu o contato com Zico para ver se era possível marcar um encontro com a diretoria da Fla Paris. Zico respondeu sim, passou o endereço do hotel parisiense e marcou horário para a segunda-feira. Simples assim. Na segunda-feira, cheguei um pouco antes do horário, junto com outros diretores da Fla Paris, Danilo, que viu Zico uma vez quando era criança, e Sammy, que nunca tinha encontrado Zico. Eu estava o mais acostumado com o fato de encontrar o ídolo, e reconheci essa mistura de sentimentos, de ansiedade e de emoção antes do encontro.

Só Cidel tinha o contato de Zico e eu estava com medo de faltar o encontro por falta de comunicação, de esperar e de ninguém chegar. Mas Zico estava lá, na recepção do hotel, um pouco antes do horário marcado. Chegou, e com a simplicidade dele, cumprimentou todo mundo, puxou a conversa. Impressiona-me muito a humildade dele, e tive a mesma impressão que tive dois anos atrás, uma certa proximidade com ele, pela naturalidade que ele tem. Falamos com o maior ídolo da maior Nação, e temos a impressão que falamos apenas com mais um da Nação. Ele que me permite isso, ele está no topo, o Rei da Nação, o Deus da religião flamenguista, mas ele se considera como qualquer um.

Obviamente, ainda era chateado com o roubo que sofreu em Paris, mas estava lá, com a disposição de sempre. Danilo trouxe camisas para os outros diretores da Fla Paris que não conseguiram se liberar do trabalho para conseguir o sonho de qualquer flamenguista, encontrar Zico. Não sei quantas camisas tinha, e Zico também não sabia. Não importava, se houvesse 20 camisas, ia autografar as 20. Consegui a assinatura na minha camisa da Fla Paris, tirei fotos com Zico, o próprio tempo parava, como o tempo parava para a torcida antes de uma falta de Zico. Chegaram mais dois brasileiros na rua, e Zico tirou novas fotos com o mesmo carinho. A semana começou assim para mim, perfeitamente, com Zico nas ruas de Paris e Flamengo líder no Brasileirão. E como o ano de 2022, ano de meu primeiro encontro com Zico, viu Flamengo conquistar a Copa do Brasil e a Copa Libertadores, acho que o ano 2024 vai ser para Flamengo um ano de sorte, de alegria e de títulos.

Ainda tive tempo para oferecer meu livro Francêsguista ao Zico, só de escrever isso, ainda tenho emoção no coração, brilho no olho, alegria na alma. Zico olhou algumas páginas com um interesse que não parecia forçado ou disfarçado, expliquei para ele as crônicas que tinha dentro, muitas vezes com o nome dele. Aproveito disso para agora fazer as contas, o nome “Zico” aparece 742 vezes nas 535 páginas do livro. Por coincidência, parece quase os números de Zico no Flamengo, 732 jogos e 509 gols, números surreais como Zico é surreal. Carregou o livro com carinho e tirei mais uma foto com Deus.

Era quase a hora de voltar ao tempo normal, não mais suspenso, e fecho essa crônica com mais uma anedota que mostra toda a grandeza de Zico. Nosso diretor Sammy tem uma reserva elegante e não pediu ao Zico para autografar a camisa dele, porque “não queria incomodar”. Com o olho do craque e a humildade do ser gigante que é, Zico percebeu, assinou a camisa, tirou mais uma foto com Sammy. Assim é Zico. Que sorte da Nação de ter como maior ídolo um cara assim, simples e divino ao mesmo tempo. Era o fim do encontro e por outra coincidência, o dia era 29 de julho de 2024, dia por dia 53 anos depois da estreia do Zico no Flamengo. No 29 de julho de 1971, Zico fazia uma assistência na vitória 2×1 contra Vasco, fazia a alegria da Nação como continuou a fazer durante 53 anos, e vai continuar a fazer. E eu, vou continuar a sonhar, espero no futuro encontrar mais uma vez Deus, uma das maiores sensações na vida do flamenguista.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”