Jogos eternos #188: Bahia 1×1 Flamengo 1971

O Flamengo viveu um grande fim de semana. Mexendo o passado e o presente, Michael teve uma volta de sonho no Mengo, abrindo o placar e liderando o time na vitória 2×1 sobre o Bragantino. Mexendo o presente e o futuro, o time sub-20 escreveu a história, conquistando contra o Olympiacos a Copa Intercontinental, na liderança de Filipe Luís no banco. E mexendo o passado, o presente e o futuro, Zico ficou mais uma vez na eternidade com a inauguração de uma estátua no seu bairro de origem, no Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro.

A estátua de Zico é de autoria de Mario Pitanguy, que já eternizou outros ídolos com estátuas, o maior ídolo de outro clube carioca, Roberto Dinamite, e outro ídolo do Brasil inteiro, Ayrton Senna. Claro, a estátua representa Zico com o Manto Sagrado, os braços abertos, a cara vencedora, a alma rubro-negra. Presente na inauguração, Zico declarou: “Eu acho que já tive outras grandes homenagens por esse mundo afora, desde lá no Japão até aqui no Maracanã, mas essa tem um significado diferente porque foi o início da minha vida. Foi onde eu comecei a construir tudo. E onde eu praticamente me criei como cidadão. Então aqui foi todo o meu aprendizado. Uma infância maravilhosa. Eu morei aqui em Quintino até me casar com a Sandra, até construir a minha própria família e receber essa homenagem ainda em vida me deixa bastante feliz, emocionado e agradecido eternamente. Essa palavra que eu amo do português que é a gratidão será sempre por tudo isso que vocês estão fazendo por mim. Então muito obrigado a tudo isso que estão fazendo por mim”.

Para o jogo eterno do dia, eu queria um jogo no início da carreira de Zico, quando ainda morava em Quintino. E como o próximo jogo do Flamengo está na Fonte Nova contra Bahia, faz sentido de escolher o jogo contra Bahia, que presenciou o primeiro gol de Zico com o time principal do Flamengo. Zico era Flamengo antes de ser jogador do Flamengo, era Flamengo antes de nascer. Cresceu numa família onde todo mundo, cachorro incluído, era Mengo no coração. No coração, porque de ficha, era diferente. Zico cresceu numa família de futebolistas também, o irmão Antunes no Fluminense, o outro irmão Edu no America. Em 1965, quando o jornalista Tarlis Batista perguntou ao Edu quem era o melhor entre ele e Antunes, o craque alertou sobre o irmão de 12 anos: “Eu acho que o cobra da minha família vai ser o Zico, que está jogando peladas e futebol de salão no Inharé. É também atacante, e todo mundo anda empolgado com ele. Perguntem só ao Antunes…”.

Como jogador do Flamengo, a história de Zico começou em 1967. Com o time de Juventude de Quintino, brilhou num torneio de futsal na Piedade e foi levado ao Flamengo pelo radialista Celso Garcia. Vendo o garoto franzino, Modesto Bria, técnico de base do Flamengo, duvidou. Mas Zico jogou e brilhou, fazendo 2 gols contra o Everest. Zico era pronto a subir morros, mover montanhas. Porém, era muito pequeno e magro. Bola nos pés, Zico era o maior, mas de altura era o menor. A diferença de talento no futebol com os outros garotos era tão evidente que a diferença de físico, agora em desfavor do Zico. George Helal, que se tornaria depois um dos maiores presidentes da história do Flamengo, bancou um programa especial para transformar fisicamente Zico. Era muito esforço e um dia inteiro correndo o Rio de Janeiro. Futebol de manhã na Gávea, escola ao meio-dia no Centro, academia na tarde no Leblon. E no final do dia, voltar em casa no Quintino, para recomeçar no dia seguinte. Acordava as 5:30 h e ia dormir as 10:30 h, se dedicando o dia inteiro apenas ao futebol. No livro Zico conta sua história, Zico garante: “Eu queria tanto jogar futebol, vencer na carreira que – juro! – faria tudo de novo”.

Zico cresceu, se fortaleceu e venceu no futebol. Em 1970, recebeu no Maracanã as chuteiras de outro ídolo do Flamengo, um dos maiores, se não o maior, da década de 1960, o Violino Carlinhos. Em 1971, ainda nos juvenis, Zico fez de pênalti contra Botafogo, seu primeiro gol no Maracanã. Ainda Zico, no livro Zico, 50 anos de futebol de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Fiquei assim impressionado com o silêncio das arquibancadas. Dava para sentir aqueles milhares de olhos me acompanhando, querendo adivinhar, pela minha maneira de ajeitar a bola, de tomar distância, se eu ia acertar o chute. Soube que minha mãe começou a rezar e que meu irmão Edu ficou tão nervoso que queria sair e só voltar depois da cobrança. Corri e chutei – gol. O Maracanã explodiu. Eu ia sentir aquilo muitas e muitas vezes, com você. Juro que senti o chão tremer. O chão treme, a gente treme também, por isso tem que correr, pular, socar o ar, qualquer coisa!”. Zico virou camisa 10 e referência do time, e Armando Nogueira, um dos maiores escritores, se não o maior, do futebol brasileiro, escreveu no Jornal do Brasil sobre a nova promessa, o “irmão mais moço de Edu, um lourinho chamado Zico, que é a estrela do time juvenil do Flamengo, o líder do campeonato: quem chega cedo ao Maracanã, quando joga o Flamengo, já conhece o n°10 do juvenil, Zico, o artilheiro do campeonato com 9 gols. Ele já foi cantado pelo America, que lhe pagaria o dobro, mas os pais são contra: a família Antunes mais o cachorro da casa ‘Mengo’ torcem pelo Flamengo”.

Zico ainda brilhou no Maracanã com a seleção carioca de juvenis no 18 de julho de 1971, que marcou a despedida de Pelé na seleção brasileira. No preliminar, Zico fez o único gol da partida contra o time de juvenis do Vasco. A família Antunes tinha uma nova estrela e, como o time principal estava mal, a Nação rubro-negra pedia um novo ídolo, pedia Zico em campo. A estreia como profissional aconteceu no 29 de julho de 1971. Aliás, Zico ainda não era profissional, já que ficou no regime amador para disputar os Jogos olímpicos de 1972, o que de fato e de injustiça, não aconteceu. Zico foi lançado pelo técnico paraguaio Fleitas Solich, que também lançou 17 anos antes o grande ídolo de Zico, Dida. Antes do jogo, Fleitas Solich avisou os torcedores sobre Zico: “Embora seja indiscutivelmente um craque, pode, talvez, não estourar de saída, levando a torcida a reações negativas. Por isso pedimos a todos que tenham paciência com ele”. Mas Zico não decepcionou e fez uma assistência já no primeiro jogo, que acabou com vitória 2×1 sobre Vasco. “A partida de bom só teve a atuação do estreante Zico” até escreveu o Jornal do Brasil.

Em seguida, Zico jogou seu primeiro Fla-Flu, perdido 3×1 com 3 gols de Mickey. Mas o novo herói era Zico, que também foi titular na estreia do Brasileirão 1971. Foi o primeiro torneio chamado “Campeonato Brasileiro” da história, assim é o primeiro Brasileirão antes de a CBF reconhecer a Taça Brasil e a Taça Roberto Gomes Pedrosa como campeonatos nacionais. Para seu primeiro jogo, Flamengo perdeu 1×0 contra Sport. Quatro dias depois, Flamengo estava de novo em campo no Brasileirão, contra Bahia na Fonte Nova. Já polivalente, Zico jogou como centroavante. No 11 de agosto de 1971, Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Ubirajara Alcântara; Murilo, Fred, Reyes, Paulo Henrique; Liminha, Zé Eduardo, Samarone; Rogério, Rodrigues Neto, Zico.

No primeiro tempo, Carinhos abriu o placar para Bahia. No início do segundo tempo, “um garoto franzino e aloirado, de 18 anos, que fazia apenas a sua quarta partida no time profissional” segundo Marcelo Pereira no livro A Nação, Zico empatou. Assim, o primeiro gol do Flamengo da história do Brasileirão foi marcado para o maior jogador de nossa história, Zico. Começava a lista dos gols do Flamengo no Brasileirão e a lista dos gols de Zico com o Manto Sagrado, uma lista que acabou com mais de 500 linhas, 18 anos depois, num Fla-Flu eterno. Era o início de tudo, Zico era promessa da massa, já era chamado pelo Waldir Amaral do Galinho de Quintino. “Galinho por causa do estilo brigador e o cabelo grande que parecia uma crista; Quintino por causa do bairro de origem” explica Marcelo Barreto no livro Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro. Quintino, claro, onde tudo começou, da paixão pelo Flamengo as primeiras peladas, dos primeiros dribles no futsal ao sonho de jogar com o Manto Sagrado.

Para fechar a crônica, volto ao jogo contra Bahia, com as palavras de outro ídolo brasileiro, Ademir Menezes, artilheiro da Copa do Mundo 1950, um jogador que sabia tudo da bola, como o mostrou ao falar sobre o início de Zico: “O jovem Zico foi um espetáculo à parte, não só pelo gol que marcou, quando demonstrou muita calma e categoria, mas também pelos ótimos lampejos na partida, mostrando que dentro de muito pouco tempo o Flamengo terá o homem-gol que vem procurando”. O Galinho de Quintino virou homem-gol, virou maestro e camisa 10, virou capitão e exemplo, virou ídolo, virou Rei, virou Deus, virou tudo para o Flamengo e os flamenguistas. Se eternizou, como a estátua no Quintino o eterniza agora, com todos os méritos e com a alegria, gratidão e amor da Nação.

2 respostas para “Jogos eternos #188: Bahia 1×1 Flamengo 1971”.

  1. Avatar de Jogos eternos #189: Bahia 3×5 Flamengo 2020 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] Bahia, na Copa do Brasil, na Fonte Nova. Já escrevi durante a semana sobre um jogo na Fonte Nova, primeiro gol de Zico com o Manto Sagrado, em 1971, mas vou repetir a dose, com um jogo mais recente. O jogo de hoje marca mais um reencontro entre […]

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  2. Avatar de Times históricos #31: Flamengo 1971 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] jogo profissional de Zico, ainda não profissional, sonhava de participar dos Jogos olímpicos, foi um jogo eterno, no Flamengo e no Francêsguista, um jogo na história do futebol, que viu o primeiro gol de um dos maiores craques do futebol […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”