Flamengo não joga esse fim de semana por causa dos jogos de seleções nacionais. Para a lembrança do dia, eu vou então de um jogo entre os dois maiores do mundo, o Flamengo e a Seleção brasileira, um amistoso que aconteceu em 1976 em homenagem ao Geraldo, que teria completado em 2024 seus 70 anos. Mas Geraldo morreu jovem, quando tinha apenas 22 anos. Uma perda gigantesca para o Flamengo e o futebol brasileiro.
Eu já escrevi a crônica de Geraldo na categoria dos ídolos. Vamos então repetir aqui que o Geraldo Assoviador era um craque, um jogador de técnica e elegância, busto alto, cabeça erguida, olho na frente, nunca nos pés, que porém nunca se separaram da bola. No livro Grandes jogos do Flamengo, da Fundação ao Hexa, Roberto Assaf e Roger Garcia escreveram: “Em pouco tempo, Geraldo Assoviador ganhou apelido e também fama de craque. Jogava de cabeça em pé e desfilava um estilo sedutor, camisa fora dos calções, meiões arriados, colando a bola aos pés e arrebatando fã”. Era um “Beckenbauer tropical” para Rondinelli, “tinha o estilo do Didi” para Paulo César Caju, a parceria com Zico fazia renascer as tabelinhas com Pelé e Coutinho. Fala o próprio Zico no livro Zico conta sua história: “O Geraldo foi meu grande companheiro de tabelinhas. Um sabia o que o outro ia fazer e já lançava a bola apostando na capacidade do outro. Era incrível o domínio que ele tinha sobre a bola. Jogava sempre de cabeça em pé, não olhava para baixo – e a bola nunca desgrudava da chuteira dele […] Geraldo tinha fama de rebelde, de não gostar de treinar, de não cuidar da forma física. Mas era a rebeldia dele que surpreendia todo mundo em campo – principalmente os adversários. Era o que criava a jogada inesperada, aquela que saía do certinho e colocava a gente de cara pro gol, o passe de curva que encontrava o pé da gente no meio de uma moita de zagueiros, o lançamento a distância – como se fosse um milagre, com endereço do destinatário muito bem explicado. O Geraldo era um gênio”.
Geraldo estreou no Flamengo em 1973, foi campeão carioca em 1974, estreou na Seleção brasileira em 1975. E veio o choque em 1976. Geraldo devia ser operado das amígdalas, uma operação simples, que Zico e Júnior passaram um pouco antes sem problema. Mas Geraldo tinha medo, escapou duas vezes da operação. Finalmente foi operado no 26 de agosto de 1976, quatro dias depois da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek num acidente automobilístico, que já deixou o Brasil em choque. E Geraldo morreu, aos 22 anos, na cadeira de dentista, de um choque anafilático. Foi um choque completo para o Brasil todo e o time do Flamengo em especial. Ainda Zico: “Estávamos em Fortaleza – o Flamengo havia disputado um amistoso. De repente, escutamos no rádio a notícia: o Geraldo, que havia ficado no Rio para extrair as amígdalas, morrera num acidente cirúrgico. Logo ele, que adiou essa operação o quanto pôde, que só topou fazer quase obrigado pelo clube. O Geraldo, meu melhor amigo na época… Não conseguia acreditar na notícia, até chegar de volta ao Rio, até ver o corpo dele sendo velado no Flamengo”.
Zico é craque dentro e fora do campo, e para ajudar a família do amigo Geraldo, pediu a organização de um jogo amistoso entre Flamengo e a Seleção Brasileira no Maracanã, com renda destinada a família de Geraldo. No 6 de outubro de 1976, para a nomeada Taça Geraldo Cleofas Dias Alves, o técnico Cláudio Coutinho, ainda novato e que adorava Geraldo, escalou Flamengo assim: Cantarele; Dequinha, Rondinelli, Jayme, Júnior: Merica, Tadeu, Zico; Luís Paulo, Paulinho, Luisinho. Claro, vale repetir a escalação toda do Brasil: Félix; Carlos Alberto Torres, Marinho Peres, Piazza, Marco Antônio; Clodoaldo, Rivelino, Pelé; Paulo César Caju, Edu Coimbra, Jairzinho. Destaque para a participação de Edu Coimbra, irmão de Zico, e Pelé, que voltava na Seleção pela primeira vez desde a despedida em 1971, já que o jogo de despedida de Garrincha em 1973 não foi oficializado pela CBF.
Em sinal de luto, Flamengo jogou com calções pretos. Inclusive, estou em favor de manter essa tradição, que começou com a morte do presidente Gilberto Cardoso em 1955, para jogos de luto, principalmente nesse ano de 2024, onde já perdemos Denir, Zagallo, Washington Apolinho e Adílio, todos ilustres rubro-negros em várias funções. No Maracanã, foram 142.404 pagantes, até o presidente Ernesto Geisel marcou presença na Tribuna de Honra. Era um jogo eterno, entre o maior clube do mundo e a maior seleção do mundo. E Flamengo atropelou a Seleção Brasileira, com apenas 5 minutos de jogo, Zico deixou Paulinho em condições ideais para fazer o gol e o atacante não decepcionou, vencendo Félix em apenas um toque. Seis minutos depois, vindo da esquerda, Luís Paulo repetiu a dose e fez o segundo gol do Flamengo. Talvez até Flamengo levou o pé para não envergonhar a seleção tricampeã do mundo num jogo que era, acima de tudo, para homenagear Geraldo. Mas também mostrou que Flamengo era um clube diferente, capaz de derrotar a maior seleção do mundo. Flamengo era uma própria seleção, ainda mais no segundo tempo quando entraram Júlio César Uri Geller, Andrade e Adílio. O maior time da história do clube ainda estava em formação.
No segundo tempo, nenhum gol foi marcado e maior lance foi a pressão de Pelé, que ameaçou de parar de jogar enquanto a renda não for anunciada. E falou o alto-falante do Maracanã: 2 milhões e 382 mil cruzeiros. A família de Geraldo recebeu a ajuda financeira prometida, sem compensar a perda tão precoce de Geraldo, que teria sido uma peça tão importante e elegante no Flamengo que venceu tudo e todos, inclusive a Seleção de Pelé.








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