O ano de 1999, a última antes dos anos 2000, anunciava, pelo fato do calendário, o fim de uma Era. E foi o caso, de várias maneiras. O ano começou para Flamengo no 20 de janeiro, dia do São Sebastião, padroeiro da cidade de Rio de Janeiro. E o ano começou com Fla-Flu, com volta da geral fechada desde 1995, o ano começou com chuva de gols, com show de Romário, com vitória 5×3, com título. Nada melhor para começar uma temporada que de ganhar o Fla-Flu.
O ano de 1999 começou oficialmente com o Torneio Rio – São Paulo, torneio prestigioso nos anos 50 e no início da década de 1960, e que voltou nos anos 1990. Hoje não tem mais espaço nem lógica para esse torneio, mas foi legal de voltar a um futebol raiz. Flamengo estreou com derrota contra São Paulo e depois fez um incrível 4×4 contra Botafogo, outro jogo que devo eternizar aqui. Perdeu de novo contra São Paulo e venceu duas vezes o Corinthians, incluindo um 3×0 no Pacaembu, um jogo que é conhecido por um lance só, mas um lance inesquecível, que pode acontecer apenas uma vez, que cada flamenguista tem na memória e na retina: “elástico no Amaral”. No último jogo, Flamengo precisava da vitória contra Botafogo para se classificar na semifinal. Romário quase repetiu o lance único e eterno, com elástico sobre Edimar, mas o chute cruzado em seguida apenas flirtou com a trave. Flamengo dominou o jogo inteiro, abriu o placar com Leandro Machado, mas concedeu o empate nos últimos minutos, com gol contra de Pimentel. Flamengo fechou o grupo com 2 vitorias, 2 empates e 2 derrotas, como Botafogo, com saldo positivo de 3 gols, como Botafogo, mas acabou eliminado por causa de um ataque com menos gols. Cruel, ainda mais no final, Vasco conquistando o Torneio Rio – São Paulo.
Flamengo estreou na Copa do Brasil com 3×3 contra Botafogo-PB, com 2 gols de Romário, um jogo já eternizado no blog. Também foi a estreia, ou melhor a volta, de um homem, ou melhor um ídolo, que fez história no Flamengo como jogador e depois treinador, o eterno Violino Carlinhos. No campeonato carioca, Flamengo estreou com vitória 3×2 sobre Olaria e lançou a nova camisa, a última de Umbro, fim de uma Era, numa vitória 2×0 contra Bangu, outro jogo eternizado aqui. Romário fez magia na Copa do Brasil com um golaço na Ponte Preta e brilhou demais no campeonato carioca. Na Taça Guanabara, fez 10 gols em 8 jogos, incluindo hat-tricks contra Itaperuna e Friburguense e o gol do título contra Vasco, mais um jogo eterno no Francêsguista. No Maracanã neste dia, tinha 96.681 pagantes e mais de cem mil presentes. Outro fim de uma Era.
Três dias depois do título da Taça Guanabara, Flamengo estava de novo em campo, agora na Copa do Brasil, contra Grêmio, de novo com gol de Romário, de novo um jogo eterno aqui. O Baixinho estava numa forma surreal, entre abril e meio de maio, disputou 11 jogos, e em apenas um desses não fez gol. Desde a decisão da Taça Guanabara, Romário começou a exibir mensagens na camisa em baixo do Manto Sagrado, o primeiro contra Vasco foi para a “peace in the world”, depois homenageou Ayrton Senna e as mães, mostrou apoio ao (então) amigo Edmundo, apelou para o fim do uso de armas. A série de gols chegou a um fim depois de um gol contra Palmeiras, na ida das quartas de final da Copa do Brasil. Na volta no Parque Antártica, um mês antes de Palmeiras conquistar sua primeira Copa Libertadores, Romário saiu lesionado e Flamengo foi eliminado de forma traumática, levando 2 gols de Euller nos últimos minutos. Fim da linha, até a vingança.
Romário voltou para a final do campeonato carioca, contra Vasco, no jogo de volta depois de um 1×1 na ida, gols de Fábio Baiano e Edmundo. Vasco precisava de um empate para ser campeão e Romário voltou a sentir a lesão com apenas 20 minutos de jogo. No segundo tempo, o 0x0 ainda beneficiava o Vasco e na 70a falta, sim 70 faltas no jogo, Rodrigo Mendes cobrou uma falta, agora um pouco esquecida na história do Flamengo porque Petkovic fez ainda mais bonito dois anos depois. Rodrigo Mendes venceu a barreira, o goleiro Germano e toda a torcida vascaína. O Flamengo era campeão carioca e o dirigente do Vasco Eurico Miranda teve que engolir as próprias palavras do início do campeonato, quando falou que sua única dúvida era saber quem seria vice do Vasco. E não sabia, mas Vasco ia ser vice em fila, três vezes vice do Flamengo, por sua vez tricampeão carioca, pela quarta vez. O ano de 1999 também foi o início de uma Era.
Romário voltou de lesão para a estreia do Brasileirão, sem gol, acontecia também. Dois dias depois, outra estreia do Mengo, na Copa Mercosul, e essa vez o Baixinho brilhou, fazendo os dois gols do Flamengo na vitória sobre Olimpia. Eu já falei que a Copa Mercosul de 1999 foi um dos torneios mais importantes da história da América do Sul, maior do que a Copa Libertadores do mesmo ano. Uma competição com apenas 5 países representados, os mais históricos do continente, e 20 clubes, só gigantes, apenas os maiores de cada país. Flamengo brilhou já na primeira fase, com uma vitória 4×0 contra Colo-Colo, gols de Rodrigo Mendes duas vezes, Romário e Fábio Baiano. O Baixinho era numa fase que durou para ele 20 anos, a fase do artilheiro. No Brasileirão, fazia dobletes: contra o Corinthians, o Botafogo-SP, Vitória, Portuguesa. Muitos gols, muitas vezes até golaços, muitas mensagens na camisa, para a torcida, o pobre e a criança. Nem o assalto que sofreu no mês de setembro, quando bandidos de Rio de Janeiro levaram seu carro, impediu a fase do artilheiro. Menos de um mês depois, Flamengo precisava vencer a Universidad de Chile com 4 gols de diferença para se classificar na fase final da Copa Mercosul. Mais um jogo eterno no Francêsguista e na história do Flamengo, vitória 7×0, com 4 gols de Romário.
De tanto falar do Romário, parece que era o único jogador do time. Não foi, mas era quase o caso, Romário era o capitão e o líder, ao lado do goleiro Clemer, de um time que parecia ser um sub23: Júlio César (19 anos) no gol, Juan (20 anos), Luiz Alberto (21 anos), Athirson (22 anos) e Fabão (23 anos) na defesa, Rocha (20 anos), Iranildo (22 anos) e Rodrigo Mendes (23 anos) no meio, Lê (20), Reinaldo (20 anos), Caio (23 anos) e Leandro Machado (23 anos) no ataque. Assim, Flamengo oscilou no Brasileirão e vacilou no final, com apenas uma vitória nos últimos 9 jogos. Romário fez o último gol rubro-negro no Brasileirão, na derrota contra Juventude que selou a eliminação rubro-negra.
Flamengo estava eliminado do Brasileirão, mas tinha fim de outra Era, da Copa Libertadores com apenas 2 times por país. A agora definitivamente maior da América do Sul acolheu 32 times, com 4 (e o campeão Palmeiras) brasileiros. Assim, tinha mais uma vaga e a CBF criou, apenas em 1999, a Seletiva para a Libertadores, para designar o time classificado. Como Flamengo jogava no torneio contra o Internacional, o time ficou concentrado no Rio Grande do Sul depois da eliminação do Brasileirão contra Juventude. E Romário, como fez várias vezes, soltou o momento, saltou o muro, foi se divertir numa boate gaúcha. O presidente rubro-negro Edmundo Santos Silva ficou vermelho e demitiu na hora o Baixinho. Eu acho que foi um erro da diretoria, que se precipitou e agravou uma situação que ainda piorou quando Romário assinou sua volta ao Vasco. Era o fim definitivo de uma Era para Flamengo e Romário, o fim de muitas jogadas de gênio e de muitos gols, 204 em 240 jogos com o Manto Sagrado. Apenas considerando o ano de 1999, foram 48 gols para o Baixinho. Considerando Zico hors-concours, é a maior marca de um jogador do Flamengo durante uma temporada, em igualdade com Nunes, que fez 48 gols em 1981.
Sem seu maior jogador, o Flamengo se reinventou. A Manto Sagrado pesa mais que qualquer jogador, mesmo esse jogador sendo Romário. Flamengo foi eliminado da Seletiva já no primeiro jogo, mas brilhou na Copa Mercosul, com apenas jogos eternos no Francêsguista. Na semifinal, uma vitória 3×0 sobre Peñarol no Maracanã na ida, e na volta, uma derrota, uma briga, mas uma classificação e uma vingança possível contra Palmeiras depois da eliminação traumática na Copa do Brasil no meio do ano. Palmeiras tinha mais time, mas Flamengo tinha mais raça. Na final, Caio saiu do banco e brilhou na ida, com doblete na vitória 4×3, e ainda fez gol na volta, que acabou num 3×3 eterno, com gol inesquecível de Lê, com título do Flamengo no Parque Antártica. No 20 de dezembro de 1999, o Flamengo era o último campeão de um tempo que não volta mais.
Era o fim de uma Era e o início de uma outra. Dias antes do título contra Palmeiras, Flamengo anunciou uma parceria com ISL e um contrato de 15 anos, 80 milhões de dólares e ainda mais promessas. O contrato foi votado pelo Conselho Deliberativo, 288 membros em favor, e apenas um contra, Sebastião Aroldo Kastrup, falando de “um contrato um pouco confuso”. Um sócio não-identificado comentou: “Ou Kastrup está completamente errado ou ele é o único certo. Mas só teremos a resposta para essa dúvida daqui a uns dez anos”. Bem, não precisou esperar 10 anos para ver que às vezes alguém pode estar contra todos e mesmo assim ter razão. Mas isso é outra história…








Deixe um comentário