Times históricos #30: Flamengo 1940

Em 1940, a Europa já estava em guerra, o futebol parou. Não era o caso da América do Sul, onde a guerra era só nos campos de futebol. No futebol carioca, a maior rivalidade da época era o Fla-Flu. Entre 1936 e 1938, Flamengo foi três vezes vice-campeão carioca, sempre atrás do Fluminense, que conquistou assim o tricampeonato. Em 1939, Flamengo finalmente foi o campeão, com um time cheio de ídolos: os negros Domingos, Leônidas e Jarbas, os argentinos Volante e Valido. Esses jogadores ajudaram o Flamengo a crescer ainda mais, ter uma torcida mais ampla, ter um time campeão. E mais, começou a aparecer no final do ano de 1939 o jovem Zizinho, um dos destaques dos jogos contra o Independiente.

No início de 1940, Flamengo jogou três vezes contra outro time argentino, San Lorenzo. No primeiro jogo do ano, no 7 de janeiro, uma derrota 1×0 no São Januário. O segundo jogo valia o Torneio Relâmpago e depois do 0x0, San Lorenzo levou o troféu com uma vantagem de um escanteio, um dos critérios numa época ainda sem pênaltis para desempatar um jogo. No terceiro e último jogo, outro amistoso, outra derrota do Flamengo, apesar de 2 gols de Leônidas, que marcava assim os primeiros gols do Flamengo de 1940. No seu livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil, Marcel Pereira escreve: “Há uma razão que explica o platonismo rubro-negro entre 1937 e 1940: o futebol brasileiro era um grande freguês de seu vizinho. A própria seleção brasileira costumava perder mais do que vencer”. Em 1939, a Seleção brasileira levou um 5×1 contra a Argentina e perdeu a Copa Roca 1940 com duas derrotas duras: 1×5 e 1×6, a maior derrota da história contra a Argentina. Com um time apenas de jogadores carioca, e apenas Leônidas como jogador do Flamengo, a Seleção também perdeu em 1940 a Copa Rio Branco contra o Uruguai.

De volta ao futebol nacional, já em março, Flamengo estreou com uma goleada 5×1 contra o America, 2 gols de Jarbas, 2 de Jorge, um de Caxambú. No torneio início carioca, já em abril, com jogos de 10 minutos apenas, Flamengo eliminou o America depois um 0x0 e mais uma vez o critério dos escanteios, mas parou na semifinal contra São Cristóvão, outro 0x0, agora com apenas um escanteio contra três do São Cristóvão. Na final, Fluminense levou o troféu. Ainda era o poderoso Fluminense de Batatais, Hércules, Tim, Romeu e Russo. Na estreia do campeonato carioca, Flamengo brilhou com uma goleada 8×1 contra Madureira. Em seguida, Fla venceu Botafogo e São Cristóvão, inclusive com um gol de jovem Zizinho.

Zizinho, um ídolo do Flamengo e no Francêsguista, começou a aparecer no Flamengo no final de 1939, com dois jogos contra Independiente. Quando Leônidas brigava com a diretoria, Zizinho brilhava em campo. Aos 18 anos, já era um craque. Escreve Roberto Sander no livro Anos 40, viagem à década sem Copa: “Nesse campeonato de 1940, com apenas 18 anos, ele se tornava titular, mostrando um futebol de precoce resplendor. Apesar de não ser exatamente um homem-gol, e sim um exímio articulador de jogadas, Zizinho marcaria seis vezes. Ele era aquele típico meia, tão escasso hoje em dia, que armava o jogo e chegava à área para concluir”. Ainda Roberto Sander, agora no livro Os dez mais do Flamengo: “Em 1940, Zizinho já mostraria do que era capaz. Jogo após jogo ele se revelava um atleta de categoria superior. Suas atuações provocaram um deslumbramento tal que logo foi alçado ao posto de fora-de-série. Ele passaria a representar algo parecido com o que Leônidas representou em meados da década anterior. Tinha aquele algo mais dos gênios. Seu futebol aliava técnica, lucidez e extrema objetividade. Isso sem falar do drible fácil, dos chutes bem colocados e das penetrações insinuantes pelo campo adversário, que comumente terminavam em gol”.

Tinha o novo ídolo, mas ainda tinha os antigos ídolos, como Jarbas e Leônidas. Jarbas, considerado como primeiro jogador negro do Flamengo, fez contra Bangu seu 121o gol com o Manto Sagrado, ultrapassando assim Nonô para se tornar o maior artilheiro da história do Flamengo. Mas Leônidas já se aproximava, se não me engano nas contas, fez em maio seu 110o gol no Flamengo, contra São Paulo no Pacaembu, onde brilharia depois com a camisa do São Paulo. Flamengo venceu 2×0 e conquistou a Taça Royal, um torneio amistoso. Quem fez o outro gol foi o argentino Júlio Castilho, era a época do platinismo, quando o futebol argentino era considerado melhor do que o brasileiro. Já no seu primeiro jogo com o Manto Sagrado, Júlio Castilho fazia gol, era campeão com o Flamengo. Era um outro ídolo em formação, mas ainda tinha o Leônidas da Silva. Entre junho e agosto de 1940, Leônidas fez gol em 7 jogos consecutivos, para um total de 13 gols. Fez gol contra Vasco, Fluminense e Bangu, fez hat-trick contra seu antigo clube do Bonsucesso, fez outro hat-trick na estreia do Torneio Rio – São Paulo, contra America, outro clube com quem tinha história. Fez mais um hat-trick, numa vitória 8×2 contra Barroso para se tornar o maior artilheiro da história do Flamengo.

O Torneio Rio – São Paulo estava de volta no futebol brasileiro, depois de primeira edição em 1933, ano do profissionalismo no Brasil. Depois de uma edição inacabada em 1934, o Torneio Rio – São Paulo voltou a acontecer em 1940 com 9 times, os 7 gigantes das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, mais a Portuguesa e o America. Contra os times paulistas, Flamengo foi invicto, um empate 2×2 contra São Paulo, vitórias 3×1 contra Palmeiras e o Corinthians. Flamengo era uma máquina de fazer gols, com artilheiros como Leônidas, mas também Armandinho, Jarbas e Castilho. Contra a Portuguesa, Flamengo venceu 9×1, com 6 gols de Leônidas, que agora igualava Nelson em 1933 e Alfredinho em 1936 para se tornar o maior artilheiro do Flamengo em um único jogo. Neste mesmo jogo, Castilho fez 2 gols, seus últimos no Flamengo. Na chegada ao clube, escondeu um problema diabético e morreu logo depois, aos 25 anos apenas, fazendo 6 gols em 9 jogos com o Manto Sagrado. O Mengo perdia assim um jogador que talvez ia ser tornar um dos maiores gringos da história do Flamengo.

Ainda no Torneio Rio – São Paulo, Flamengo derrotou Vasco 3×0 na Gávea, 2 gols de Leônidas e um de Jarbas. E assim acabou o torneio. Infelizes com a baixa renda dos jogos, os times paulistas simplesmente parraram de jogar o Torneio Rio – São Paulo, que foi interrompido com Flamengo e Fluminense na liderança. A CBD nunca declarou campeões, mas ambos Flamengo e Fluminense se consideram como vencedores da edição, anotando o torneio na lista dos troféus. Acho que merecia um jogo de desempate e precisa da oficialização da CBF, mas como em 1966 quatro times foram declarados co-campeões do torneio interrompido, também faz sentido. E também acho legal de ter uma competição com o Fla-Flu campeão.

Assim, a única competição do final do ano foi o campeonato carioca. De novo com o duelo Fla-Flu. Tinha o Madureira das “Três Patetas”, Jair Rosa Pinto, Lelé e Isaías, o Vasco de Zarzur, Argemiro e Orlando, o Botafogo de um jovem artilheiro em ascensão, Heleno de Freitas, mas sobretudo tinha o Fla-Flu. Incomodado com a perda do título carioca em 1939, Fluminense contratou pesado, o zagueiro Norival, o meio argentino Spinelli e o atacante Adílson. O Mengo venceu o Fla-Flu 2×1, gols de Leônidas e Jorge, e voltou a um ponto do líder, Fluminense. Assim, o Tricolor contratou mais um jogador para o final do campeonato, o centroavante argentino Rongo, mais uma vez o platinismo. Rongo vinha do River Plate, com quem tinha feito 56 gols em 48 jogos! Já no seu primeiro jogo, Rongo fez 2 gols na vitória 4×2 do Fluminense sobre o America.

Fluminense tinha seu artilheiro, mas Flamengo tinha Leônidas. Durante o ano, Leônidas prorrogou seu contrato por 80 contos de réis, uma fortuna na época. Mas não decepcionou. Flamengo goleou e o Diamante Negro fazia chuva de gols: vitória 6×2 contra Bangu com dobletes de Leônidas, Zizinho e Armandinho, goleada 6×0 contra São Cristóvão com 4 gols de Leônidas. Porém, apesar dos gols de Zizinho e Leônidas, Flamengo empatou duas vezes 1×1, contra Botafogo e Vasco. No último jogo, mais uma goleada, 7×1 contra Bonsucesso, com mais 2 gols de Leônidas, que assim chegou aos 30 gols no campeonato carioca. Igualou o recorde de Nilo em 1927 para se tornar o maior artilheiro do campeonato carioca em uma única edição. Porém, Fluminense precisava de uma vitória no último jogo para ser campeão. Flamengo pagou os jogadores do São Cristóvão para dar o máximo, sem sucesso. Com 3 gols de Rongo, Fluminense venceu 5×3 e assim voltou a ser campeão do Rio de Janeiro, mesmo fazendo 10 gols a menos que o Flamengo, 62 para Flu, 72 para Fla.

Um final triste, ainda mais para Leônidas, que viu seu sucessor, em campo mas não no coração dos torcedores, Pirillo, bater seu recorde de gols já na edição seguinte do campeonato carioca. No início do ano de 1941, Leônidas brigou com o presidente do Flamengo, que o acusou de “fazer corpo mole” e fingir lesões para escapar de jogos sem importância. Leônidas acabou multado, afastado, até preso e acabou vendido. Assim, o ano de 1940, com 43 gols ao total (mesmo número que Gabigol em 2019) foi o último grande ano de Leônidas no Flamengo, um ano com ascensão de Zizinho, com decepção no campeonato carioca, com título no Torneio Rio – São Paulo, com mais uma vez um grande capítulo da história do Fla-Flu.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”