Uma temporada do Flamengo entra na história com um título, com um jogo eterno, com a atuação de um ídolo. Um time histórico se eterniza com grandes jogadores, com golaços, com o grito e a alegria da arquibancada. E o ano de 1971, apesar da falta de títulos, é eternizado no Flamengo por uma coisa, o início de um Rei, de um Deus, Zico, que estreou profissionalmente no 29 de julho de 1971, com vitória 2×1 sobre Vasco, uma ótima maneira de começar.
E por coincidência, Flamengo, ainda sem Zico, também começou a temporada de 1971 com vitória 2×1 sobre Vasco, gols de Milton e Fio Maravilha, um ídolo no Flamengo e no Francêsguista. Depois, Flamengo participou da primeira edição do Torneio do Povo, uma competição idealizada pelos presidentes do Flamengo e do Atlético Mineiro, e que também tinha a presença do Internacional e do Corinthians, considerados como times de maior torcida dos 4 estados mais importantes do futebol brasileiro. Tempos da ditadura, a competição também foi chamada de Torneio General Emílio Garrastazu Médici e cada time jogou duas vezes contra todos os outros times. E Flamengo começou muito mal, com nenhum gol nos 5 primeiros jogos! Só no último jogo, Flamengo encontrou o caminho do gol com um 3×3 contra o Atlético Mineiro. O time rubro-negro acabou no último lugar de um torneio vencido pelo Corinthians.
Flamengo jogou outra competição amistosa, o Troféu Pedro Pedrossian, no estádio do mesmo nome, no Mato Grosso do Sul. Flamengo venceu o Corinthians 3×1, gols de Buião, Murilo e Liminha, e conquistou o título. O técnico era Yustrich, antigo goleiro do Flamengo, participando de 198 jogos entre 1935 e 1942. Depois se tornou técnico, principalmente no Minas Gerais, e ganhou fama de técnico autoritário. Começou no Flamengo em 1970, mas decepcionou no campeonato carioca e perdeu, de pouco, a classificação no quadrangular final do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Brasileirão da época.
No campeonato carioca de 1971, Flamengo estreou com vitória 4×1 sobre Madureira, mas depois oscilou, com 2 vitórias, 3 empates e uma derrota no primeiro turno. Continuou a decepcionar na segunda fase com apenas 2 vitórias no 8 primeiros jogos. Uma derrota contra Bangu selou o fim de Yustrich, que nunca mais treinou Flamengo. O interino foi nas mãos de dois outros antigos jogadores do clube nos anos 1940, o zagueiro negro Newton Canegal e o meio-campista paraguaio Modesto Bría, um ídolo no blog. O time se recuperou, com 3 vitórias, a última 1×0 sobre Vasco. Flamengo anunciou depois o novo técnico, na verdade antigo, outro paraguaio, Fleitas Solich. Chamado de feiticeiro, Fleitas Solich conquistou com Flamengo o tricampeonato carioca 1953-1054-1955, e lançou como profissionais vários jogadores, entre eles, provavelmente o maior ídolo do Flamengo até então, Dida, que estreou também com uma vitória 2×1 sobre Vasco, em 1954.
Fleitas Solich começou sua quarta passagem no Flamengo com uma vitória 2×0 sobre Botafogo, 2 gols de Buião, o segundo deixando a bola entre as pernas do goleiro Ubirajara Motta. Um clássico decisivo, para a reta final do campeonato, e na arquibancada. No Maracanã, tinha o Leovegildo Lins da Gama, mais conhecido depois apenas como Júnior. O coração do garoto ainda balançava entre o Fluminense, o time de seu pai, e o Flamengo, o time do povo, com sua Nação presente apesar da falta dos títulos. O Flamengo 2×0 Botafogo foi decisivo para Júnior, como ele conta no seu livro Minha paixão pelo futebol: “Gostava do Fluminense. Mas era o Flamengo que mexia comigo. Aquela força, a energia da torcida tinha muito mais a ver com a minha personalidade”. Flamengo fechou o campeonato carioca com derrota 0x2 no Fla-Flu e vitória 1×0 sobre Olaria, gol de Fio Maravilha, artilheiro do time no campeonato com apenas 4 gols!
O time decepcionava desde 1965, ano do último título carioca conquistado pelo Flamengo. Mas tinha a esperança de dias melhores, principalmente na base com um jogador fora de série, Zico. O craque franzino cresceu, ganhou peso e ficou craque. No 23 de janeiro de 1971, com o time juvenil, fez o único gol da partida contra Botafogo, que andava invicto desde muito tempo. No comando de antigo jogador e futuro técnico do Flamengo, Joubert, Zico virou camisa 10, craque, cérebro e coração do time. Dois meses depois, de novo contra Botafogo, ainda com os juvenis, Zico fez seu primeiro gol no Maracanã, num pênalti. Lembra o próprio Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia e Roberto Assaf: “Fiquei assim impressionado com o silêncio das arquibancadas. Dava para sentir aqueles milhares de olhos me acompanhando, querendo adivinhar, pela minha maneira de ajeitar a bola, de tomar distância, se eu ia acertar o chute. Soube que minha mãe começou a rezar e que meu irmão Edu ficou tão nervoso que queria sair e só voltar depois da cobrança. Corri e chutei – gol. O Maracanã explodiu. Eu ia sentir aquilo muitas e muitas vezes, com você. Juro que senti o chão tremer. O chão treme, a gente treme também, por isso tem que correr, pular, socar o ar, qualquer coisa!”.
No mês de abril, quando o Flamengo estava atrás de Fluminense e Botafogo no campeonato carioca, Armando Nogueira escreveu sobre Nosso Rei, o “irmão mais moço de Edu, um lourinho chamado Zico, que é a estrela do time juvenil do Flamengo, o líder do campeonato: quem chega cedo ao Maracanã, quando joga o Flamengo, já conhece o no 10 do juvenil, Zico, o artilheiro do campeonato com 9 gols. Ele já foi cantado pelo America, que lhe pagaria o dobro, mas os pais são contra: a família Antunes mais o cachorro da casa ‘Mengo’ torcem pelo Flamengo”. Zico brilhava no time juvenil e se aproxima do time principal. Ainda Zico: “Quando vesti a 10 pela primeira vez eu já era um nome muito falado, por ser irmão do Antunes e do Edu e, é claro, por eles terem tido notoriedade no futebol. Tinha aquele negócio deles sempre falarem de mim, ser apontado por eles como o melhor da família e daí começava a cobrança, mesmo porque eu tinha uma história no amador muito boa. E eu sabia que eles falavam do fundo do coração, porque acreditavam de fato, não era por causa de parentesco. Mas havia, sem dúvida, uma expectativa grande quanto a tudo isso. Eu tinha que chegar e mostrar tudo isso no profissional também. Então comecei a fazer as preliminares dos jogos principais e meter gols sem parar, no Fluminense, no Botafogo, no Bangu, no Olaria… A torcida começou a se acostumar com aquilo. O time principal ia muito mal, e não tardou para que eu fosse lançado entre os profissionais”.
Na Taça Guanabara, na época e pela última vez uma competição diferente do campeonato carioca, Flamengo estreou com vitória 1×0 contra Bangu, gol de Fio Maravilha, mas perdeu logo depois contra Botafogo. Apesar da contratação de Roberto Miranda, o time estava muito mal e fazia poucos gols. Escreve Marcel Pereira no livro A Nação: “Junto à Roberto e Fio, no ataque, entraram duas jovens promessas formadas no clube e que haviam se destacado na temporada anterior: Nei Oliveira e Caio Cambalhota, este último irmão de César Lemos. A opção de ataque não deu certo. Desde 1933, na era amadora, o Flamengo não fazia tão poucos gols em um ano (e jogou muito mais vezes do que fazia nos tempos do amadorismo). Foi a pior média de gols de sua história: apenas 1,07 por jogo. Fio, artilheiro na temporada, fez só doze gols durante todo aquele ano. O desempenho só não foi ainda pior porque a defesa, capitaneada pelo paraguaio Reyes, salvava a retaguarda. As médias de gols sofridos por jogo nas temporadas de 1970 e 1971 foram as melhores já obtidas pelo Flamengo até então. Por isso, Reyes passou a ser idolatrado e tido como um dos maiores zagueiros que vestiram a camisa rubro-negra”.
Ainda sem estrear no time principal do Flamengo, Zico voltou a jogar no Maracanã, com a seleção carioca juvenil, no jogo preliminar antes do Brasil x Iugoslávia do 18 de julho de 1971, que marcou a despedida do Rei Pelé. Um Rei saiu, e um outro chegou. Onze dias depois, no 29 de julho de 1971, o técnico Fleitas Solich se preparou a lançar Zico e avisou o povo: “Embora seja indiscutivelmente um craque, pode, talvez, não estourar de saída, levando a torcida a reações negativas. Por isso pedimos a todos que tenham paciência com ele”. A primeira frase do feiticeiro era mais importante que a segunda: Zico era indiscutivelmente um craque. E como seu ídolo Dida, começou contra Vasco, fechou com a vitória 2×1. Escreveu para Placar o jornalista Aristélio Andrade: “A estreia de Zico no Flamengo não foi igual ao lançamento de Dida em 1954. Foi comedida, menos espetacular, mas eficiente. De seus pés saiu a jogada que resultou no gol de Nei. Zico simplifica todas as jogadas: toca de primeira e procura os espaços vazios para receber os passes. Não tem medo de jogo brutal e está sempre na área. Fora de dúvida, a posição é sua”. O Jornal do Brasil simplificou: “A partida de bom só teve a atuação do estreante Zico”.
Três dias depois, Zico participou de seu segundo clássico, agora o Fla-Flu. Nessa altura, já era chamado de “Galinho de Quintino” pelo radialista Waldir Amaral. Fluminense levou o Fla-Flu, com 3 gols de Mickey. Mas quem ia fazer sonhar as crianças era o próprio Zico. Na estreia do Brasileirão de 1971, o primeiro da história, Flamengo perdeu 0x1 contra Sport. E o segundo, para o quarto jogo profissional de Zico, ainda não profissional, sonhava de participar dos Jogos olímpicos, foi um jogo eterno, no Flamengo e no Francêsguista, um jogo na história do futebol, que viu o primeiro gol de um dos maiores craques do futebol mundial, de nosso maior ídolo para a eternidade, 1×1 na Bahia, gol de Zico, gol de Rei, gol de Deus, Zico.
Depois disso, não tinha mais nada, ou pouca coisa. Teve o primeiro Flamengo – Botafogo do Brasileirão, 1×1, gol para o Flamengo do antigo botafoguense Roberto Miranda, gol para Botafogo do futuro flamenguista, já no ano seguinte, Paulo César Caju. No Brasileirão de 1971, Flamengo esperou até a 9a rodada para finalmente conquistar uma vitória! No Maracanã, derrotou o Santos, sem Pelé, 1×0, gol de Samarone, que voltou a fazer gol no jogo seguinte, outra vitória, contra Palmeiras. Ainda teve um 0x0 contra Vasco, com grandes atuações dos gringos Andrada e Reyes. Uma semana depois, o Fla-Flu, vitória 1×0 de Fluminense. Ou seja, Flamengo não venceu nenhum dos clássicos no primeiro Brasileirão da história.
Zico fez seu segundo e último gol da temporada na Ilha do Retiro, no empate 1×1 contra Santa Cruz. Duas semanas depois, Flamengo venceu Ceará, último jogo de Zico na temporada. O técnico da seleção olímpica Antoninho pediu para que Zico voltasse com os juvenis do Flamengo para ter mais tempo de jogo. No Pré-olímpico, Zico fez o gol da classificação na vitória 1×0 contra a Argentina. Porém, apesar de tudo que fez no torneio, Zico não foi chamado nos Jogos olímpicos de Munique. Uma injustiça. Fala Zico na sua autobiografia Zico conta sua história: “Fiquei quebrado por dentro. Me senti traído… Se futebol era isso, então eu não queria mais saber de nada! Minha família inteira me cercou, tentou me animar, mas eu não conseguia me recuperar. Alguma coisa, uma espécie de confiança nos outros, na justiça do mundo, tinha se desfeito. A seleção havia se classificado para os Jogos Olímpicos com um gol meu, eu confiara na promessa da convocação… Fiquei muito abatido e só pensava em largar o futebol”. Com insistência da família, Zico voltou a jogar nos juvenis, disputou a final do campeonato carioca juvenil contra Vasco. Machucado, pensou em pedir sua substituição, mas com insistência do irmão Zeca, ficou calado, ficou em campo, fez o gol do título. Um abençoamento.
Sem Zico, mas com Rondinelli, que estreou profissionalmente no final de 1971, Flamengo foi em Brasília disputar a Taça Presidente Médici, outro torneio com o nome do ditador ao poder. O jogo reunia Flamengo e Grêmio, os dois times favoritos do Médici, e acabou num 2×2. Teve sorteio para designar o campeão, Flamengo. Um constrangimento. No último jogo do Brasileirão, Flamengo precisava da vitória para se classificar na segunda fase, perdeu 2×0 contra o Internacional e foi eliminado. Uma decepção. E mais, Flamengo ainda jogou o torneio José Macedo de Aguiar contra Vitoria, Bahia e Fluminense. Empatou contra os dois times baianos e Fluminense foi o campeão. Uma frustração. Teve último Fla-Flu do ano, no Maracanã, com vitória 4×1 de Fluminense. Uma vergonha. O último jogo do ano foi contra a seleção de Três Rios, com uma derrota 1×0. Uma tristeza.
Assim acabou a temporada de 1971, de muitas frustrações e poucos títulos. Mas teve o surgimento de um craque, o início de um reino, as primeiras jogadas maravilhosas de Zico, que daria ao Flamengo, 10 anos depois, suas maiores alegrias e glórias.








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