Uma nova edição do campeonato carioca começa amanhã e hoje também é aniversário de um dos títulos estaduais mais importantes da história do Flamengo, o campeonato carioca 1953 conquistado em cima do Vasco, já no início de 1954. Vamos então para hoje lembrar o jogo do título, que aconteceu exatamente 71 anos atrás.
Em 1953, o Flamengo ainda não tinha vencido o campeonato carioca no Maracanã, inaugurado três anos antes. Em 1950, Vasco foi o primeiro, em 1951, Fluminense o imitiu e em 1952, deu de novo Vasco, que vivia os últimos momentos do Expresso da Vitória. Botafogo não vencia desde 1948 e pior para Flamengo, que não conquistava o campeonato carioca desde 1944 e o gol do ídolo eterno, mesmo aposentado, Valido, já em cima do Vasco, um jogo eterno no Francêsguista.
Flamengo precisava de mudanças, Dequinha substituiu o ídolo paraguaio Modesto Bría como coração do time, Rubens se afirmou como cérebro do time. Flamengo foi buscar reforços no exterior, o argentino Chamorro e o artilheiro Benítez, que completou ao (extremo) lado do goleiro García uma dupla paraguaia. E a delegação paraguaia foi completa com a chegada do técnico Fleitas Solich, que mesmo sem os rubro-negros guaranis, conquistou neste mesmo ano de 1953 o primeiro campeonato sul-americano da história do Paraguai, o que lhe rendeu o apelido de Feiticeiro. Mesmo com o título sul-americano inédito, foi alvo de uma campanha de alguns diretores do Flamengo, que não queriam ver um gringo como técnico. Fleitas Solich foi apenas o sétimo técnico estrangeiro do Flamengo, o primeiro sul-americano desde o uruguaio Bertone em 1928, outros tempos do futebol. Mas o grande presidente Gilberto Cardoso ficou firme e deu plena confiança ao Fleitas Solich para fazer magia no Flamengo.
No seu começo no Flamengo, Fleitas Solich decepcionou, o Mengão ficou no antepenúltimo lugar no Torneio Rio – São Paulo, com apenas 1 vitória em 9 jogos, também com uma derrota 0x6 contra o Corinthians. No campeonato carioca, Flamengo começou com 5 vitórias, também com 8 gols de Benítez. Porém, Flamengo ganhou nenhum clássico no primeiro turno, perdeu contra Fluminense e Botafogo, empatou contra Vasco. Mas o técnico Fleitas Solich garantiu: “o time está no caminho certo”. No segundo turno, com participação importante de Índio e Rubens, Fla venceu os 4 primeiros jogos, mas em seguida empatou contra o Vasco de Ademir e o Botafogo de Garrincha. Na rodada final da fase regular, venceu o Fla-Flu com gols de Índio e Rubens e fechou a fase no primeiro lugar, um ponto a mais que Botafogo e Fluminense.
Teve depois um hexagonal final, Vasco começou com vitória, Fluminense também. O jejum de 9 anos incomodava na Gávea. No livro Bíblia do Flamengo, Luís Miguel Pereira escreveu: “Fazia nove anos que o Flamengo não era campeão carioca. O fato preocupava toda a nação. Foi então que José Alves de Moraes, mais tarde presidente do Flamengo, decidiu levar o padre Góes à concentração. De batina preta, o padre flamenguista provocava a fé dos jogadores com palavras firmes e um escudo do Fla que brandia na mão. Nesse dia, em vésperas da decisão de 1953, o reverendo juntou os atletas e soltou a prece mais desejada: ‘Em nome de São Judas Tadeu eu garanto que o Flamengo vai ser campeão’”. O padre Góes pediu aos jogadores, antes de cada jogo, de ir na missa na igreja São Judas Tadeu no Cosme Velho, rezar para o Flamengo, rezar para o Flamengo ser campeão. O Mengo venceu o Fla-Flu, derrotou 2×0 o America, o Bangu também 2×0. “Defesa também ganha jogo” explicou depois o zagueiro Pavão. E chegou o jogo decisivo contra Vasco.
No 10 de janeiro de 1954, depois de mais uma missa na igreja São Judas Tadeu, o feiticeiro Fleitas Solich escalou Flamengo assim: García; Marinho, Pavão; Servílio, Dequinha, Jordan; Rubens, Joel, Esquerdinha, Índio, Benítez. O Maracanã, para ver o Flamengo campeão pela primeira vez no estádio, ficou lotado: 121.007 pagantes, 132.508 presentes. O campeonato carioca de 1953 teve a presença de mais de 2,4 milhões de torcedores ao total, um recorde até 1976. E como um sonho, como uma oração bem-feita, Flamengo abriu o placar graças ao ponta-esquerda Esquerdinha, e logo depois fez o segundo gol com Índio. No Jornal dos Sports, o grande Mário Filho escreveu: “Flamengo, tua glória é lutar, e ali estava o Flamengo, lutando, realizando-se num ímpeto irresistível […] O goal ia servir apenas como um motivo de orquestração, indispensável à sintonia que se ia criando ao som do samba da charanga do Flamengo, oh abre alas, oh abre alas, deixa o Flamengo passar. As alas se abririam a cada goal do Flamengo. O Flamengo crescia em campo, como que se sentia o goal se aproximar, vir vindo. E quando ele veio – já tinha sido milagrosa a defesa de Oswaldo, a bola subiu e foi descer no goal, Jorge apertado por Índio sem poder fazer nada, não podendo impedir que a bola batesse na cabeça dele, ele em cima dele, e entrasse – mesmo quem não era Flamengo tinha de sentir um arrepio vendo o delírio em volta”.
Índio fazia seu 41o gol do ano para ser o artilheiro rubro-negro da temporada. Mas o duelo para a artilharia do campeonato carioca era entre Benítez e Garrincha, empatados com 20 gols. No final do primeiro tempo, Benítez ultrapassou Garrincha, fez o gol do 3×0, o gol do título quase certo. Ainda Mário Filho: “Veio o outro goal, o terceiro, Benítez shootando de repente, a bola entrando sem que Oswaldo pudesse fazer nada. E a multidão subindo e baixando, dançando e gritando, gente não podendo mais se mexer, se estatelando, a vida só nos olhos ou nas lágrimas que brilhavam com orgulho de diamante, de pedra pura, sem jaça. Era o Flamengo da canção, ai Flamengo que me faz chorar”.
No segundo tempo, nem o gol de Ademir atropelou a festa. Benítez fez mais um gol, o 22o do artilheiro do campeonato, e Flamengo foi “campeão da cabeça aos pés”: “O match acabou e tudo foi Flamengo, e a multidão ficou no estádio para assistir ao espetáculo da própria alegria, do delírio da vitória que era dela. Os jogadores se abraçavam, pulavam, rolavam no chão, deviam estar chorando, porque tinham sido Flamengo, a bandeira, a camisa, a legenda, e quem era Flamengo, chegam ao ponto em que só a lágrima expressa a alegria, a felicidade” ainda escreveu Mário Filho. Pela primeira vez no Maracanã, Flamengo era o campeão da cidade.
Flamengo ainda fechou o campeonato com mais uma vitória para uma campanha perfeita de 5 vitórias em 5 jogos no turno final, Rubens fazendo o único gol da partida contra Botafogo. Falou o também ídolo Evaristo de Macedo: “Principalmente na campanha de 1953, ele estava jogando o fino, tudo que sabia. Era realmente um autêntico ídolo. A torcida o adorava. Tinha a cara do povão. Era um homem simples, sem grande cultura, mas possuía muita vivacidade e sempre fazia observações pertinentes. Ele era um jogador muito inteligente. Sua visão de jogo era impressionante e, numa fração de segundo, resolvia uma jogada e decidia a parada”.
E mais, o título deixava na eternidade São Judas Tadeu, do nome da igreja do padre Góes, como o padroeiro do Flamengo. Os torcedores adversários reclamaram até ao Cardeal Dom Jaime Câmara, buscaram outros padres para ter a vitória do lado deles, mas era só Flamengo, que buscava o bicampeonato, o tri, na proteção de seu padroeiro, São Judas Tadeu. No Maracanã, depois do jogo contra Vasco, o feiticeiro Fleitas Solich, como um bom profeta, anunciou: “Isso foi apenas o começo”.








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