Ontem teve a final da Copinha, uma competição que Flamengo conquistou pela primeira vez em 1990, com uma geração e alguns jogadores que marcaram o clube. Infelizmente, o time foi rapidamente desfeito e Flamengo perdeu a oportunidade de conquistar vários títulos com essa geração. Já escrevi sobre Marcelinho Carioca e Júnior Baiano na categoria de ídolos e hoje eu vou de Djalminha, capitão na conquista da Copinha. Com mais de 50 anos hoje, jogou recentemente na despedida de Adriano e no jogo de estrelas de Zico. O Mago ainda fez bruxaria com lances mágicos, que encantaram o torcedor rubro-negro e o apaixonado de futebol. Das certezas do futebol, uma é unanimidade: Djalminha é um craque, um dos jogadores mais habilidosos da história do futebol brasileiro.
Djalma Feitosa Dias nasceu no 9 de dezembro de 1970, ano de ouro para o futebol brasileiro. Nasceu em Santos, cidade de futebol, numa família de futebolistas. O pai é Djalma Dias, ídolo de Palmeiras e Santos, e o tio é ninguém menos que o Capitão do Tri, Carlos Alberto Torres. Djalma Dias encerrou a carreira no Botafogo e Djalminha se apaixonou por um time carioca, nem o Botafogo do pai, o Fluminense do tio ou nosso Flamengo, mas o Vasco, por causa de Roberto Dinamite. Para ESPN, Djalminha falou na época da morte de Dinamite: “Hoje sou Flamengo, mas as pessoas que me conhecem desde pequenininho sabem que fui vascaíno. E por causa desse aí, Roberto Dinamite”.
Djalminha foi vascaíno e agora é flamenguista, já faz muito tempo que é flamenguista. Ingressou as categorias da base do Mengo e jogou futsal, aprimorou uma técnica já diferenciada. Adoro futsal e Djalminha é o típico jogador de futsal, drible curto, de sola, visão de jogo, dom de bola. Foi lançado no time profissional pelo mestre Telê Santana aos 18 anos, numa vitória 1×0 sobre America no campeonato carioca, em março de 1989. Fez apenas mais um jogo em 1989, no final do ano, quando Flamengo já estava fora da luta para o Brasileirão. No Maracanã, 1×1 contra Grêmio, gol de Marcelinho Carioca, início de uma nova geração.
O ano de 1989 também foi o último de Zico no Flamengo, deixando o clube para os mais jovens. No livro Simplesmente Zico de Priscila Ulbrich, Djalminha fala isso sobre nosso maior ídolo: “Cheguei ao Flamengo no fim de 1984, e já tinha o Zico como referência na minha vida. Ele era um modelo, e eu queria jogar como ele. Quando criança, ia pro Maraca ver o Galinho jogar e tentar aprender alguma coisa. Via e revia seus lances geniais, imaginando que um dia poderia fazer algo parecido, e dar alegria à torcida flamenguista. Em 1989, num jogo entre Flamengo x Palmeiras, fiquei no banco e ele jogou. Foi tão emocionante aquele momento. Eu ali, com a camisa do Flamengo, fazendo parte de um time que tinha o grande Zico, meu herói da infância e ainda ídolo. Eu me lembrava dos toques que ele me dava quando ainda era juvenil, da enorme admiração que sentia vendo-o ensinar aos mais jovens muito do que sabia. O Galo estava sempre disposto a dar umas aulinhas pra mim, para o Marcelinho Carioca e o Marquinhos. E a gente ficava de boca aberta, tentando absorver tudo o que o gênio falava. Ter treinado ao seu lado, jogado com ele, foi mais do que sonhei na carreira, porque Zico sempre foi meu grande ídolo. Até hoje, aos 42 anos, sendo amigo da família toda, de seus três filhos e dele também, ainda não fico totalmente à vontade ao lado do Galo”.
Em 1990, o sub20 do Flamengo, na época júniores, jogou mais uma vez a Copinha. Desde a inauguração do prestígio torneio em 1969, Flamengo nem tinha chegado uma vez nas semifinais. E o Flamengo de 1990 é para mim, e para muitos outros, o maior time da história da Copinha. Basta falar o nome dos jogadores: Júnior Baiano, Rogério e Piá na defesa, Marquinhos, Fabinho, Marcelinho Carioca e Djalminha no meio, Paulo Nunes e Nélio no ataque. Djalminha foi capitão do time, craque e artilheiro. Fez talvez a maior atuação da história da Copinha. Na goleada 7×1 contra o Corinthians, fez 2 assistências para Nélio e Piá, e mais, fez 5 gols, de todo jeito: de falta, de pênalti duas vezes, de cabeça e de cobertura para fechar a goleada, para fazer a história. Na final, já sem Marquinhos, Paulo Nunes e Marcelinho, Flamengo venceu Juventus 1×0, com assistência de Djalminha e golaço de Júnior Baiano, para definitivamente consagrar o maior time da história da Copinha. Com 8 gols, Djalminha foi artilheiro do torneio e uma das maiores promessas do Mengo, que tinha tudo para dominar a década de 1990.
Djalminha voltou naturalmente para o time profissional ainda em 1990, fez seu primeiro gol num amistoso contra a seleção de Rondônia. O primeiro gol em um jogo oficial chegou na semifinal da Copa do Brasil, aliás um golaço, recebeu de Renato Gaúcho, driblou dois adversários e chutou cruzado. No jogo de ida da final, um jogo eterno no Francêsguista, Djalminha cobrou a falta para Fernando fazer o único gol da partida. Infelizmente os dois acabaram suspensos para o jogo de volta, o que não impediu Flamengo de conquistar a Copa do Brasil inédita, com um time que misturava a experiência de Júnior, Zé Carlos, Renato Gaúcho e Gaúcho, e a juventude de alguns craques campeões da Copinha. Uma geração para fazer história no Mengo e dominar o futebol brasileiro.
Em 1991, Djalminha fez apenas 2 gols em jogos oficiais, contra Vitória na Bahia e num 5×3 contra America, outro jogo eterno no Francêsguista. Em 1992, sob a maestria do técnico Carlinhos, fez alguns gols, inclusive contra Racing na Supercopa Libertadores, mais um jogo eterno no Francêsguista. Mais importante, Djalminha conquistou em 1992 o Brasileirão com dois jogos inesquecíveis contra Botafogo, com a maestria em campo do Vovô-Garoto Júnior. Porém, Djalminha não jogou na ida e participou apenas 4 minutos no jogo de volta. Mesmo assim, com 21 anos, o futuro era promissor para Djalminha, ainda mais para o Flamengo.
Djalminha foi mais decisivo em 1993, fazendo gol no campeonato carioca, na Copa Libertadores, na Copa do Brasil, no Torneio Rio – São Paulo, também símbolo do calendário absurdo do ano. Fez um gol na goleada 8×2 contra Minerven na Libertadores, ainda não um jogo eterno no blog, mas um jogo em que ninguém fez mais que um gol, símbolo da potência e do potencial do time. Djalminha fez seu último gol com o Manto Sagrado num jogo contra Palmeiras, numa jogada iniciada pela Renato Gaúcho. E dez dias depois, no Fla-Flu, Flamengo abriu 2×0, 2 gols de Renato Gaúcho, Djalminha soltou para o abraço com o companheiro. E no segundo tempo, a virada do Fluminense e a briga entre Renato Gaúcho e Djalminha. Renato Gaúcho reclamou severamente do Djalminha, que não gostou. No campo mesmo, teve troca de empurrões e safanões, até de ameaças de continuar a briga nos vestiários. Marcelinho Carioca tentou separar os dois, mas Djalminha, que já tinha brigado com os companheiros Wilson Gottardo e Uidemar, foi liberado pelo Flamengo no dia seguinte. Era o fim da linha, de uma história linda de 133 jogos e 29 gols com o Manto Sagrado.
Djalminha assinou no Guarani, onde virou ídolo, Bola de Prata do Brasileirão 1993, um dos craques do campeonato paulista 1994 com 21 gols em 31 jogos. Passou no Japão, um território há pouco tempo explorado pelo Zico, mas voltou rapidamente no Guarani, fazendo parceria com Amoroso e Luizão. Sob pedido de Vanderlei Luxemburgo, foi contratado pelo Palmeiras, juntando-se a um time que tinha Cafu, Flávio Conceição, Rivaldo, Müller e Luizão. Djalminha não decepcionou no “ataque dos 100 gols”, chamado assim por fazer 102 gols em 30 jogos no campeonato paulista. O Mago viveu o melhor ano de sua carreira, com 33 gols em 55 jogos no Verdão e estreando na Seleção no final do ano, com gol contra o Camarões. Disputou a Copa América de 1997, fez gol de falta contra o Costa Rica e fechou a goleada 7×0 contra o Peru na semifinal. Não jogou a final, mas mesmo assim, acabou campeão e em seguida assinou com La Coruña, na Espanha, substituindo o antigo companheiro Rivaldo, contratado pelo Barcelona.
Com a camisa de La Coruña, Djalminha sempre fez sua dezena de gols por temporada e chegou ao seu ápice em 2000, quando La Coruña conquistou um título inédito no campeonato espanhol, até hoje único na história do clube. Desde 1984, apenas um campeonato não tinha sido conquistado pelo Real Madrid ou Barcelona, o Atlético de Madrid em 1996. Ao lado do zagueiro Naybet, do artilheiro Roy Makaay e dos brasileiros Donato, Mauro Silva e Flávio Conceição, Djalma foi um dos lideres do time campeão, fazendo golaço de fora da área contra o Real Madrid na ida, golaço de falta na volta, numa goleada 5×2 do time de Galiza, voltaremos a esse jogo logo depois. Na 36a rodada, Djalminha achou que fez o gol do título contra Zaragoza, tirou a camisa, recebeu o segundo amarelo e foi expulso, a terceira expulsão da temporada. Cinco minutos depois, Zaragoza chegou ao empate e impediu a festa. Com Djalminha de volta, La Coruña conquistou o título na última rodada com golaço de Makaay.
Djalminha foi mais do que gols, título e expulsões. Foi um dos maiores dribladores da história, driblava fácil, liso, era um driblador de instinto. Sem pensar, deixava o zagueiro sem jeito. Jogava tanto que às vezes surpreendia os próprios companheiros. Se eternizou com um lance incrível, até incompreensível. Na já falada goleada 5×2 sobre o Real Madrid, bem no início do jogo, Djalminha fez o drible chamado lambreta, com a ajuda do calcanhar só, jogou a bola no ar, nas costas da defesa madrilenha perdida, sem recursos. Quem tinha recurso sempre era Djalminha. Na continuidade do lance, Makaay abriu o placar, mas as televisões mostraram no replay só, ou quase só, o drible de Djalminha, de tanto desconcertante que ele foi, esquecendo o gol de Makaay, mostrando de novo, ainda e ainda, a magia de Djalminha. Foi uma coisa de gênio, de bruxo, de mago.
Djalminha foi mais do que os dribles, caneta, elástico, de chapéu. Era um gênio completo, fazia passes de calcanhar, de letra, de peito, fazia golaços de cobertura, de falta, até de pênalti fazia golaço, de cavadinha, sem medo de errar, com a tranquilidade e a certeza do craque. Inclusive, foi Djalminha que importou a cavadinha no Brasil, um gesto inventado pelo tchecoslovaco Antonín Panenka na final da Eurocopa de 1976 e que Djalminha descobriu com Gianluca Vialli, craque italiano da Sampdoria. Djalminha treinou a cavadinha ainda com juniores do Flamengo, mas nunca tentou o gesto no time profissional, com medo de se queimar. Em 1995, no Guarani, teve um pênalti contra o Internacional do experiente goleiro pegador de pênaltis, Goycochea. Djalminha correu, cavadinhou, golaçou. “Treinava muito, a confiança era total” falou Djalminha para o podcast Storicast. Na carreira, Djalminha tentou 10 vezes a cavadinha e sempre fez gol, inclusive na Europa contra Arsenal, Milan e Real Madrid.
Na quinta temporada na Coruña, jogou menos, por exemplo jogou apenas 2 minutos na final da Copa do Rei, conquistada em cima do Real Madrid em pleno Bernabeu, frustrando o centenário do Real Madrid. Ainda tinha a confiança do técnico da Seleção, Luiz Felipe Scolari, que o convocou para um amistoso contra a Arábia Saudita, mesmo o jogo sendo reservado aos jogadores que jogavam no Brasil. Djalminha não decepcionou, fez o único gol da partida, um golaço de falta. Decepcionou logo depois quando deu uma cabeçada ao seu técnico da Coruña, com quem estava em conflito. Não tinha mais espaço na Família Scolari, Djalminha não foi convocado para a Copa, se juntando ao pai Djalma Dias, que nunca jogou a Copa, apesar de um retrospecto perfeito de 17 vitórias em 17 jogos na Seleção. Ao lado de Alex, Djalminha foi um dos maiores craques brasileiros a nunca ter jogado uma Copa e fechou o ciclo na Seleção com 5 gols em 13 jogos.
Djalminha ainda jogou na Áustria, conquistando o campeonato e a Copa nacionais, e pendurou as chuteiras no México. Magoado na sua saída do Flamengo, não cogitou voltar no Flamengo no final da carreira, mas consegue separar a diretoria da época da instituição do Flamengo. Manteve sua ligação com a Nação e reconheceu seus erros, admitindo numa entrevista no Charla Podcast que foi quando chegou no Guarani que virou realmente profissional. Fica a pena e o lamento de ter perdido, por nada ou quase, uma das maiores gerações no Flamengo.
Depois da carreira, Djalmanha foi um dos incentivadores do showbol no Brasil, mostrando a técnica de sempre, como mostrou depois em jogos festivos e de despedidas. Djalminha não foi o maior vencedor ou líder, não conquistou tudo que podia com o Manto Sagrado. Porém, quem viu, viu, e não pode esquecer os dribles, a magia, o carisma do Mago. É por jogador como Djalminha que crianças começam a se apaixonar por futebol, que os adultos pagam o ingresso para ir ao estádio, que os idosos se divertem como crianças. Enquanto existir jogadores como Djalminha, o futebol viverá. Porém, desapareceram cada vez mais. Para fechar, a palavra para Paulo Vinícius Coelho, no seu livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos, com um capítulo claro para Djalminha: “Vê-lo receber uma bola, seja num jogo, num treino ou numa brincadeira de bobinho, era o suficiente para identificar uma espécie diferente. Uma espécie superior. Naturalmente superior. O engraçado é que não dá para explicar direito onde estava a diferença, a superioridade. Era realmente preciso ver (má notícia para quem não conseguiu). O comportamento da bola era um dos sinais mais evidentes. A forma como ela se recusava a fugir, mesmo quando ele dominava os passes mais difíceis. O rolar manso nos dribles milimétricos, a precisão nos lançamentos mais ousados […] Trabalhava com absoluta maestria com o pé esquerdo, comandando por neurônios tão especializados no jogo bonito que muitas vezes surpreendia até quem jogava ao lado dele. Estavam todos ali, um perto do outro, mas Djalminha operava em outra dimensão”.









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