O ano de 1992 é especial para cada torcedor rubro-negro, ainda mais para mim. Eu nasci em 1992 e precisei de apenas 12 dias de existência para conhecer a maior alegria no mundo, ser campeão com o Flamengo. Parece coisa de destino, eu era predestinado a ser rubro-negro.
E o ano de 1992 começou para o Flamengo com uma grande notícia, Júnior, craque do campeonato carioca de 1991 e que cogitava pendurar as chuteiras, assinou por mais uma temporada, a 15a dele no Flamengo. No seu livro Minha paixão pelo futebol, o antigo Capacete, agora de cabelo grisalho, explica: “Afinal, que motivo teria para abandonar o futebol no momento em que jogava bem, fora eleito o craque regional e a torcida, em coro, pedia para ficar? Talvez, a consciência de, quase aos 38 anos, estar muito velho para jogar poderia ser uma razão. Mas nós jogadores somos vaidosos – é natural. Eu vivia uma fase ótima, talvez melhor do que a experimentada em Pescara, logo que saí do Torino. Minha motivação para treinar era inquebrantável. Até o que me preocupava, o condicionamento físico, vinha sendo contornado por competentes preparadores. O treinamento era de tal modo planejado que conseguia manter o ritmo dos mais jovens até o fim de cada jogo. Passei a me ocupar milimetricamente da alimentação e, em consequência, o rendimento melhorou”. E a ótima, decisiva notícia veio em dose dupla, com o eterno Violino Carlinhos confirmado como técnico por mais uma temporada. Ainda Júnior: “Na época da renovação, em 1991, após a conquista do Estadual, numa vitória contra o Fluminense, Carlinhos, nosso treinador, perguntou se eu ia renovar o contrato. Devolvi a pergunta: ‘E você?’ Em seguida, emendei: ‘Se você assinar por mais uma temporada, eu também assino’”.
Além do Júnior, Flamengo tinha uma espinha dorsal de jogadores consagrados, já veteranos ou quase: Gilmar Rinaldo no gol, Wilson Gottardo na defesa, Júnior no meio e Gaúcho no ataque. Ao lado deles, tinha vários jogadores promissores, que conquistaram dois anos antes a primeira Copinha da história do Flamengo: Júnior Baiano, Piá, Marquinhos, Fabinho, Nélio, Djalminha, Marcelinho e Paulo Nunes. A expectativa era de uma grande temporada, mas o time estava um pouco atrás dos favoritos ao título brasileiro, como os paulistas São Paulo e Palmeiras, e os cariocas Vasco e Botafogo.
Flamengo começou a temporada de 1992 na estreia do Brasileirão, 1×1 em Bahia, gol de falta de Gaúcho. De novo fora de casa, em Campinas contra Guarani, Flamengo levou o primeiro gol do jogo, marcado por um dos maiores ídolos de minha infância na França, Sonny Anderson. Flamengo empatou, de novo com Gaúcho, virou com Paulo Nunes e Zinho. Em seguida, em previsão da final, empatou 2×2 contra o Botafogo num jogaço no Maracanã. Outra coisa de destino, Júnior fez durante o jogo um golaço com um chute de fora da área diretamente na gaveta. A expectativa era de uma grande temporada.
E Flamengo confirmou com dois grandes sucessos sobre os favoritos paulistas, Palmeiras no Parque Antártica e São Paulo no Maracanã. Porém, Flamengo sendo Flamengo, entrou numa fase ruim, não ganhou nenhum dos 6 jogos seguintes, com 2 empates e 4 derrotas, a última contra Vasco. O time cruzmaltino, que tinha uma dupla de ataque Edmundo – Bebeto, vencia até 4×0 até que um doblete de Luís Antônio nos minutos finais deixou a derrota para Flamengo um pouco menos difícil, mas o cargo de Carlinhos ficou ameaçado. Ainda Júnior: “Algumas derrotas seguidas colocaram em xeque o treinador, que conhecia os jogadores jovens como ninguém e todo o time. Carlinhos sabia como poucos a melhor maneira de guiá-los dentro e fora de campo, pois havia treinado muitos deles nos juniores. Essa alquimia tinha dado certo no ano anterior. Porém, a diretoria, aflita, pensava em trocar o técnico e chegou a conversar comigo sobre isso. Eu disse algo: ‘Estão loucos? Ele é a nossa melhor aposta’”. Era a melhor aposta e Flamengo reagiu com duas vitórias, sobre o Athletico Paranaense e o Corinthians, o último um jogo eterno no Francêsguista. Júnior fez um golaço de falta e partir desse momento, subiu ainda mais de nível. Era o Vovô-Garoto, o líder da garotada, o craque do Flamengo, ainda não do campeonato.
Com muitos times de qualidade e a vitória de apenas 2 pontos, o campeonato era muito equilibrado, tudo podia acontecer nas rodadas finais. Depois de um empate contra a Portuguesa, Flamengo tinha 18 pontos em 17 jogos e estava no 8o lugar, o último que classificava para a segunda fase. Porém, atrás do Flamengo, tinha outros três times com 18 pontos, Fluminense também ameaçava com 17 pontos. Nada era definido, mesmo depois da vitória sobre Goiás com doblete de Gaúcho, antes criticado pela torcida. Na última rodada, um duelo entre Flamengo e Internacional, ambos os times com 20 pontos. No Maracanã cheio, Júnior abriu o placar com golaço de falta, Zinho fez o segundo, Flamengo ficou no quarto lugar, o Internacional acabou eliminado.
Na segunda fase, dois grupos de 4 times e para Flamengo, só times de alto nível: São Paulo, Santos e Vasco. Para começar, uma vitória 1×0 sobre São Paulo, que venceria 3 dias depois a Copa Libertadores. Em seguida, uma derrota contra Santos e com apenas o primeiro do grupo sendo classificado para a final, já a obrigação de reagir. E o craque do Flamengo, Júnior, virou o craque do campeonato, dentro e fora do campo. Júnior foi o líder da garotada do Mengo, que não recebia os salários em dia. Lembra Júnior, no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrósio Filho: “Tínhamos problemas de salários atrasados e combinamos que a galera que ganhava pouco receberia, enquanto quem ganhava mais aguardaria o final da competição. Este gesto de alguns foi o bastante para se criar um clima favorável e de fraternidade entre os jogadores”. Em campo, contra Vasco, Júnior fez outro gol de falta, num ângulo impossível que já tinha achado contra o Atlético Mineiro. Na frente de mais de cem mil no Maraca, Vasco empatou com… gol contra de Júnior. Até contra, o Maestro fazia gol. Depois dos jogos de ida, Santos tinha 4 pontos, Vasco e Flamengo 3, São Paulo 2. Tudo podia acontecer.
Três dias depois do jogo contra Vasco, outro Clássico dos Milhões, e o ídolo e craque de sempre, Júnior. No primeiro tempo, o Maestro abriu o placar, de novo com bola parada, mas não uma falta, e sim um escanteio, o famoso gol olímpico, reservado aos craques. E no segundo tempo, mais uma jogada de mestre, domínio de peito, um doce de passe de Júnior para o segundo gol do jogo, marcado pelo Nélio. Flamengo conquistava uma grande vitória mas perdia para o jogo seguinte quatro titulares pendurados: Júnior Baiano, Wilson Gottardo, Zinho e o próprio Júnior. Sem os craques, Flamengo perdeu 2×0 contra ao São Paulo de Raí e Palhinha. Antes da última rodada, a situação era complicadíssima. Flamengo precisava vencer Santos e torcer ao mesmo tempo para uma vitória do Vasco sobre São Paulo. No 8 de julho de 1992, um dia depois do nascimento de mais um flamenguista, eu mesmo, Flamengo derrotou Santos 3×1 no Maracanã. Ao mesmo tempo, Vasco frustrava a própria torcida ao vencer São Paulo 3×0. Na tabela, São Paulo e Vasco empatados com 6 pontos, Flamengo na frente com 7 pontos, Flamengo na final.
Flamengo estava na final, já valia os esforços, físicos para seguir em forma, de dinheiro para manter o ambiente do time. “Quando chegamos para jogar a final, já estávamos com os salários e bichos em dia, devido às vitórias anteriores, principalmente porque o Maracanã lotava em quase todos os jogos” lembrou Júnior. Porém, o favorito para a final era outro carioca, o Botafogo de Renato Gaúcho. E mais uma vez, Júnior foi líder fora do campo: “Alguns jogadores adversários passaram a falar como campeões, na semana do jogo, e deram declarações menosprezando o Flamengo, time conhecido mais do que tudo por sua imensa raça. Estavam todos, do outro lado, se achando campeões. Esse veneno foi mortal. Recortei as entrevistas dos jornais e as colei no quadro de avisos de todos os jogadores do Flamengo. Eu as deixei ali para que lessem e arrumassem dentro da alma a motivação para a primeira partida”. E Júnior líder nos vestiários, falando para os companheiros antes da final de ida: “Qual é o maior desejo de um jogador quando inicia a carreira? Não é comprar uma casa para a mãe? Então, façam de conta que nesse jogo vocês vão comprar os primeiros tijolos de uma casa que vai ficar pronta muito em breve”.
E claro, Júnior foi líder dentro do campo. Claro, o jogo de ida é um jogo eterno no Francêsguista. No seu livro 20 jogos eternos do Flamengo, Marcos Eduardo Neves também reserva um capítulo ao jogo e exalta Júnior: “Com sua querida Copacabana a celebrar o primeiro centenário, Júnior, em 1992, cabelos grisalhos apesar da disposição de menino, apresentava um futebol também nota 100. As areias da praia mais famoso do mundo lhe renderam fôlego e musculares resistente, e assim, o veterano, como autêntico maestro, comandava uma rapaziada boa de bola no Flamengo. Mas seu filho não se dava por satisfeito. Perguntava se o pai voltaria a levantar a taça de campeão brasileiro”. Júnior inflamou o Maraca e seus mais de cem mil pagantes com dois dribles desconcertantes sobre Renato Gaúcho. E mais, abriu o placar com apenas 15 minutos de jogo. Foi um Flamengo avassalador em campo, 3 gols antes do intervalo, “é campeão” na arquibancada e na geral. “O segundo tempo, para Júnior, seria como os 45 minutos finais de Tóquio. Com os 3 a 0 de vantagem, bastava cozinhar o oponente” prossegue Marcos Eduardo Neves.
Flamengo venceu 3×0, mais uma vez graças ao velho Maestro, como escreveu o Jornal dos Sports no dia seguinte: “O Flamengo ontem foi um time de destaques. Toda a equipe mostrou um futebol de alto nível técnico. Um nome, porém, e mais uma vez, merece destaque especial. Júnior provou sua condição de líder nato, apresentando um futebol limpo, técnico e, principalmente, vigoroso, na plenitude de seus 38 anos. Como a maioria dos jogos em que o Flamengo deu início à sua recuperação neste Campeonato Brasileiro, ele voltou a ser impecável. Quis o destino que fosse dele o gol que abriu o caminho para a memorável vitória”. O filho de Júnior, que queria tanto ver o pai ser campeão brasileiro com o Manto Sagrado, nem assistiu ao jogo de volta, preferindo ir na Disney. Com a experiência, Júnior não repetiu o erro dos jogadores do Botafogo e ficou mais medido, falando depois do jogo: “Etapa por etapa, sempre acreditei no potencial do Flamengo. Primeiro disseram que não conseguiríamos a classificação entre os oito e acabamos entrando em quarto lugar. Depois, nas semifinais, voltaram a nos desclassificar por antecipação. Chegamos, no entanto, a essa final e já conseguimos dar um grande passo para a conquista do título. Mas é muito bom deixar claro que ainda falta um pouco para o título”.
A semana entre os dois jogos ficou marcada pelo churrasco na casa de Gaúcho com participação do botafoguense Renato Gaúcho. O clima era leve, mas nem a diretoria nem a torcida do Botafogo gostaram e Renato Gaúcho acabou suspenso pelo clube, logo depois liberado. O jogo de volta foi infelizmente marcado por uma tragédia, antes do jogo, o velho Maracanã não aguentou a pressão de mais de 122 mil pagantes, mais de 145 mil presentes, uma grade de proteção da arquibancada cedeu, dezenas de pessoas caíram e três torcedores rubro-negros de 16 a 25 anos morreram. A fim de evitar uma tragédia maior, o jogo foi mantido, sem os jogadores saber do acidente.
O jogo de volta da final é outro jogo eterno no Francêsguista. E mais uma vez, de novo, sempre, tem a marca do Maestro Júnior. No final do primeiro tempo, Júnior abriu o placar com um golaço de falta, o quinto gol de falta dele no campeonato, que com 9 gols ao total, ultrapassava Gaúcho para se tornar o artilheiro do Flamengo no Brasileirão. “Saí desesperado para comemorar com a galera. Não sabia se pulava, socava o ar, fazia aviãozinho. Gottardo, Fabinho, Uidemar, todos atrás, para me dar um abraço. Enfim, saí fazendo tudo ao mesmo tempo, parecia um desequilibrado tamanha a alegria do momento. Até hoje, quando revejo este gol, me vem a certeza de que foi sem dúvida o mais importante da minha vida como profissional do Flamengo” lembra o Maestro. No dia seguinte, Villas-Bôas Corrêa escreveu para o Jornal dos Sports: “Só mesmo um acidente milagroso injetaria alma nova ao apático time que assistiu ao Flamengo chover e ventar, sob o comando e inspiração de Júnior no esplendor dos seus 38 anos […] O gol de falta que inaugurou o marcador aos 42 minutos do primeiro tempo teve o toque do gênio na maciez marota da curva, descrevendo no ar a trajetória oblíqua e dissimulante como os celebrados olhos de Capitu”.
No início do segundo tempo, Júlio César fez o segundo gol do Mengo, Botafogo chegou ao empate com 2 gols nos minutos finais, mas não impediu a festa rubro-negra, que cantava o nome de seu ídolo, astro, craque, Júnior. O Vovô-Garoto conquistava ali seu quarto Brasileirão como o Flamengo, seu 18o título com o Mengão. Ainda Júnior: “Foi uma escolha difícil, mas acertada. Todo mundo dizia que seria melhor eu parar depois do título carioca de 1991. Mas resolvi acreditar e conquistei este. Valeu ou não valeu?”. Valeu Maestro, valeu mil vezes. No livro Os dez mais do Flamengo de Roberto Sander, Júnior volta a falar sobre o pentacampeonato: “Tenho um carinho muito grande por este título. Eu era o único remanescente da época de ouro vivida pelo clube de 78 até 83. Eu era, na verdade, um irmão mais velho daquela garotada. Procurava orientá-los sobre como enfrentar as dificuldades da profissão. Para mim, que terminei, inclusive, como artilheiro do time, foi indescritível. Ainda mais porque ninguém acreditava na gente, pois tinham equipes que haviam feito campanhas melhores. Só que foi criada uma alquimia muito forte com a torcida. Na fase final, tivemos uma média de 50 mil torcedores. Essa conquista foi um prêmio pelo sacrifício que fiz. Naqueles jogos decisivos, consegui jogar acima da média. Tive um plano de trabalho, feito pelos preparados físicos Marcelo Pontes e Helvécio Pessoa, que fez com que eu terminasse os jogos querendo mais. Esse foi o ponto determinante para que superássemos nossos adversários”.
Obviamente, Júnior foi eleito melhor jogador do campeonato e na história tem pouquíssimas edições do Brasileirão tão ligadas a um jogador em particular. Júnior e o Brasileirão de 1992, o Brasileirão de 1992 e Júnior, parece a mesma coisa. Talvez só Edmundo 1997 e Alex 2003 estão neste patamar. No livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos, Juca Kfouri e PVC vão além: “Qualquer glória com a camisa da Seleção será ofuscada pelo brilho de Júnior com a camisa 5 do Flamengo, na campanha do Brasileirão de 1992. Dizem que Garrincha e Maradona carregaram sozinhos suas seleções para títulos mundiais, em 1962 e 1986. Pois, se Júnior não foi sozinho o responsável pelo quinto título nacional do Flamengo, até mesmo os craques que dividiram com ele aquela campanha reconhecem que o time não teria o mesmo sucesso não fosse seu maestro”.
Mas esse Flamengo de 1992 também não era só Júnior. Era a consagração de um time campeão da Copinha em 1990, de uma das maiores gerações do Flamengo, até do futebol brasileiro. Dez jogadores campeões do Brasileirão de 1992 conquistaram a Copinha dois anos antes com os júniores. Dos 24 campeões brasileiros, apenas 7 não passaram pela base do clube. Flamengo era o primeiro clube a conquistar cinco vezes o Brasileirão, Santos e Palmeiras fizeram isso só depois, e erguia pela última vez a Taça das bolinhas, substituída pela CBF no ano seguinte. Infelizmente, o que era para ser o início de uma série, de uma dominação sobre o futebol brasileiro, até sul-americano, finalmente já foi o final de uma geração promissora, rapidamente desmentida pela diretoria, com as vendas de Júnior Baiano, Paulo Nunes, Djalminha e Marcelinho Carioca.
No segundo semestre, sem o Maracanã, interditado por causa da tragédia na final, Flamengo estreou no campeonato carioca contra Campo Grande. Júnior precisou de apenas 2 minutos de jogo para fazer um gol e lembrar que mesmo com 38 anos, era o melhor jogador do país. Na Taça Guanabara, o 1×1 contra Vasco na última rodada ofereceu ao cruzmaltino o título. Com jogos no São Januário, Flamengo não foi bem nos clássicos, com 1 vitória, 2 empates e 3 derrotas durante o campeonato. Ao mesmo tempo, Flamengo jogava a Supercopa Libertadores, reservada aos campeões da Copa Libertadores. O Mengo eliminou Grêmio e Estudiantes, fez 3×3 na semifinal de ida contra Racing, outro jogo eterno no Francêsguista, mas foi eliminado na volta na Argentina.
Na última rodada do campeonato carioca, Vasco já era campeão e Flamengo só podia impedir o rival de conquistar o título de maneira invicta. Edmundo abriu o placar, Marcelinho empatou com golaço de falta, mas jogo ficou assim, 1×1, Vasco campeão invicto. Como um símbolo do fim da linha, Júnior fechou a temporada sendo expulso. Era o fim de uma geração, mas não tem outra história, Flamengo 1992 é campeão, é Vovô-Garoto, e na França, o nascimento de um pequeno rubro-negro. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.








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