Flamengo joga hoje contra Vasco para mais uma classificação na final do campeonato carioca. O Flamengo é favorito, pela vantagem na ida, pela forma dos dois times, pelo histórico, pelo retrospecto recente, e até não tão recente, já que são 8 anos que Flamengo domina Vasco de uma forma quase absoluta. Repito, dos últimos 31 Clássicos dos Milhões, Flamengo perdeu apenas duas vezes, 1×3 em 2021 e 0x1 em 2023, este placar será suficiente hoje para se classificar. Porém, sendo um Clássico dos Milhões, a derrota é proibida, a vitória é obrigação.
Em 2000, como hoje, Flamengo buscava o bicampeonato carioca, depois de vencer Vasco na final de 1999. Por sua vez, Vasco vivia uma temporada 2000 conturbada. Foi vice no Mundial de clubes, vice no Torneio Rio-São Paulo. Foi eliminado na Copa do Brasil pelo Fluminense, que ainda navegava entre a Série C e a Série A. Mais do que isso, tinha a dupla explosiva Romário x Edmundo, e o inesquecível “agora a corte está toda feliz: o rei, o príncipe e o bobo” de Romário. Mas Vasco tinha um grande time, no jogo decisivo da Taça Guanabara, Flamengo abriu o placar, mas com 3 gols de Romário, Vasco venceu 5×1, já na metade do segundo tempo. Pedrinho achou gracinha de fazer embaixadinhas para provocar os jogadores do Flamengo, jogo acabou em pancadaria, confusão, briga e 3 expulsões de cada lado. O jogo foi o fim da linha para o técnico rubro-negro Paulo César Carpegiani, chegou logo depois outro ídolo da Nação, no campo e no banco, o eterno Violino Carlinhos.
Flamengo se recuperou e conquistou a Taça Rio, forçou uma final do campeonato contra Vasco. Era a oportunidade da vingança das embaixadinhas para Flamengo, já Vasco podia se vingar da decisão de 1999. No jogo de ida, Flamengo dominou e fez a diferença no final do jogo, com 3 gols nos últimos 15 minutos. Flamengo venceu 3×0 e como tinha feito a diretoria do Flamengo na Taça Guanabara, o polêmico vice-presidente vascaíno Eurico Miranda mandou embora o técnico Alcir Portella. Chamou no seu lugar Tita, que como jogador foi campeão brasileiro e carioca tanto com o Flamengo que o Vasco, na verdade mais vezes com o Flamengo do que com o Vasco. Enfim, com a vitória 3×0, Flamengo já era quase o campeão. Porém, sendo um Clássico dos Milhões, a derrota é proibida, a vitória é obrigação.
Em 2000, o Maracanã celebrava o cinquentenário de sua existência. E mais, o dia da final aconteceu exatamente 50 anos depois do jogo inaugural. No 17 de junho de 1950, o imortal Didi, na época com 20 anos, fez para a seleção carioca o primeiro gol da história do Maracanã. Porém teve uma virada e a seleção paulista venceu o jogo 3×1. No 17 de junho de 2000, o técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Juan, Fabão, Mozart; Leandro Ávila, Rocha, Fábio Baiano, Iranildo; Reinaldo, Tuta. A grande ausência era Athirson, que abriu o placar na ida e foi acusado de doping. Foi absolvido 3 semanas depois, porém faltou a final, no seu lugar o Violino Carlinhos escalou Mozart. Do lado do Vasco, tinha a volta de Felipe e Juninho Pernambucano, porém, Edmundo, com mais uma polêmica, e Romário, com lesão na coxa esquerda, não participaram do jogo de volta.
No Maracanã, de 50 anos, mas ainda jovem, ainda raiz, o público era quase só rubro-negro, já que os vascaínos na acreditavam na virada. Porém, o primeiro lance de perigo foi para Juninho e Vasco, mas Clemer fez grande defesa. Maior lance para Flamengo foi de falta, o jovem goleiro vascaíno Helton posicionando a barreira, e Petkovic, preso no banco, rezando com os outros reservas. A cobrança foi para Fábio Baiano, autor de um gol de falta na ida, mas essa vez chutou para fora. No final do primeiro tempo, o duelo entre Felipe e Maurinho foi um pouco acima da legalidade, com cotoveladas e tapas. O juiz nem pensou e expulsou os dois. Dois minutos depois, num lance um pouco confuso, Viola evitou a saída de Clemer e abriu o placar para Vasco. No intervalo, Flamengo 0x1 Vasco. Como aconteceu 50 anos antes, o Maraca precisava de uma virada.
O susto foi só no intervalo, ou quase. Aos 4 minutos do segundo tempo, Mozart fez um passe obra-prima para Reinaldo, que aproveitou do posicionamento ruim na zaga vascaína para ir no cara-a-cara com o goleiro, para empatar no jogo de volta, para deixar de novo 3 gols de vantagem na soma. Aos 21 anos, Reinaldo fazia seu 15o gol do campeonato, ultrapassado apenas pelo insuperável Romário. Na sua ampla maioria, o Maior do Mundo já sentia que a decisão era decidida, já cantava “é campeão”.
Na sua imensa alegria, o Maraca não parava de cantar, continuou a cantar 5 minutos depois do primeiro gol rubro-negro, quando Flamengo teve uma falta na esquerda, quase no mesmo lugar onde Fábio Baiano tinha feito gol no jogo de ida. Esta vez, Beto cruzou, Juan, com a cabeça, pulou mais alto que o braço de Helton. A bola claramente ia no caminho do gol, mas Tuta, sem responsabilidade e com egoismo, roubou o gol, puxando a bola no gol vazio. Com Helton fora do gol, Tuta era claramente em posição de impedimento, mas o gol foi valido pelo juiz. Pelo salto majestoso, pela legalidade do gol, pela ligação com a Nação, pela reação na provocação de Pedrinho, Juan merecia o gol, mas quem fez foi Tuta. Enfim, Flamengo estava na frente, na ida e na volta.
Com a taça nas mãos, Flamengo relaxou um pouco, Vasco passou a dominar e Clemer fez defesaça numa cabeçada de Viola. Estava escrito que jogo acabaria assim. Os torcedores mais matemáticos repararam que a soma dos dois jogos, 3×0 na ida, 2×1 na volta, fazia 5×1. A goleada da Taça Guanabara era devolvida. Para uma vingança completa, faltava devolver as embaixadinhas de Pedrinho. E Beto se rendeu aos apelos da Nação, levantou a bola e fez várias embaixadinhas com a cabeça, para a explosão de felicidade do Maraca. Beto recebeu bronca do Rodrigo Mendes, reclamação do Tita, desaprovo do Carlinhos, até recebeu cartão amarelo do juiz. Mas os vascaínos, já derrotados, nem reagiram.
Depois de 90 minutos, de 90 faltas também, era o futebol carioca raiz no bom e no mal, o juiz apitou o final do jogo. O último campeonato carioca do milenário era do Mengo, a “molambada” como falou Eurico Miranda durante toda a semana, partiu para uma grande festa na Gávea. “Quem tem o Eurico Miranda como adversário não precisa de psicólogo nenhum para motivar o time. Suas provocações nos fortaleceram” rebateu ao dirigente vascaíno o goleiro Clemer. O “Vice de Gama” era tri-vice no primeiro semestre de 2000. Para Flamengo, o bicampeonato carioca anunciava o Tri.
“Bicampeão na técnica e no coração” manchetou o Jornal do Brasil. No mesmo jornal, Luiz Augusto Nunes escreveu: “Uma conquista merecida de um time que jogou com coração, garra e técnica, tudo traduzido numa superioridade indiscutível dentro de campo, com direito a troca de passes, grito de olé e até uma debochada embaixadinha que Beto fez no final, atendendo o pedido da massa […] O Flamengo poderia ter perdido por três gols de diferença, mas jogou para vencer. Um rubro-negro em especial teve seu nome reverenciado: era o técnico Carlinhos, que, mais do que todos, merecia esse título”. Carlinhos conquistava seu terceiro campeonato carioca como técnico do Flamengo e Zagallo, presente no Maraca, anotava para o próximo ano: é assim, na técnica e no coração, que se vence o Vasco.








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