Eu gosto de combinar o número da crônica com o jogador escolhido e para o número 43, só vem um nome na mente, o eterno Petkovic. Porém, já escrevi a crônica sobre Petkovic, na crônica número 14, outra combinação com outro jogador, Arrascaeta. Então hoje vou prolongar a cobrança de Petkovic para chegar até o cabeceio, o coração, a coroação de Ronado Angelim. Flamenguista desde sempre, Ronaldo Angelim fez 17 gols com o Flamengo, mas é jogador de um gol só, aquele gol que nenhum rubro-negro se cansa de ver e rever, nem preciso falar o ano, o adversário, o gol, todo mundo tem na cabeça e nos olhos, escanteio de Pet, gol de Angelim, Flamengo campeão, hexacampeão.
Ronaldo Simões Angelim nasceu em São Paulo, no 26 de novembro de 1975, mas com poucos dias de vida, já foi morar com a avó no Ceará. Cresceu numa família pobre e seu maior sonho era vestir a camisa do Flamengo. Nem era jogar no Flamengo, mas apenas conseguir uma camisa, já que era torcedor do Flamengo desde pequeninho e comprar uma camisa ficava carro para a mãe. Finalmente conseguiu a camisa e Ronaldo Angelim começou a trabalhar cedo, acordando às 2 da manhã para buscar água e trabalhar o dia inteiro na roça, ganhando 25 reais por semana. Durante o dia, sonhava com o Flamengo, mas, humilde de caráter, provavelmente nunca sonhou tão alto do que realizou depois.
Ronaldo Angelim começou a se destacar como zagueiro em vários clubes do Ceara, mas quase desistiu do futebol por causa dos salários baixos. Finalmente teve aumento salarial, largou o trabalho exaustivo em poços e chegou ao Fortaleza, onde virou ídolo e ganhou o apelido de Magro de Aço, aliás um apelido foda. Conquistou 4 vezes o campeonato cearense, mas, como no Mengo, é de um gol só no Leão do Pici. Na última rodada do quadrangular final da Série B de 2004, Fortaleza precisava vencer 2×0 para subir na Série A. Faltando um gol, faltando 15 minutos para o final do jogo, num escanteio, a história já estava escrita, Ronaldo Angelim subiu, cabeceou, brocou e se eternizou no Fortaleza. Em 2005, Ronaldo Angelim começou a se destacar ao nível nacional, contra o Flamengo, time de coração, fez até gol, num outro escanteio. No final do ano, Ronaldo Angelim fez parte da Seleção do Brasileirão que enfrentou o campeão, o Corinthians, no Morumbi.
As boas atuações de Ronaldo Angelim no Fortaleza lhe abriram as portas de um clube maior e o destino quase foi Palmeiras. Estava tudo acertado com o clube paulistano até que o técnico do Flamengo, Valdir Espinosa, que tinha sido o técnico de Ronaldo Angelim no Fortaleza, pediu ao clube rubro-negro a contratação de Angelim. O zagueiro não ouviu aqueles que o avisaram sobre o time menos forte do Flamengo, sobre os salários atrasados, apenas ouviu o coração, deixou Palmeiras na mão e assinou com o Flamengo. Agora Ronaldo Angelim vestia o Manto Sagrado, no Maracanã, e nunca se arrependeu da escolha. No seu primeiro jogo, já fez gol de cabeça num cruzamento de outro ídolo do Flamengo, Renato Abreu. No quinto jogo, no seu Nordeste amado, fez mais um gol, de novo, ainda, sempre, vindo de um escanteio. Ronaldo Angelim era predestinado, a jogar no Flamengo, a virar ídolo da Nação.
Em 2006, Ronaldo Angelim alternava entre a reserva e a titularidade, mas se firmou no clube com a Copa do Brasil. Na primeira fase, contra ASA no Nordeste, Ronaldo Angelim saiu do banco e 4 minutos depois, fez o primeiro gol do Flamengo na campanha da Copa do Brasil. Na segunda fase, agora como titular, ainda no Nordeste, fez o único gol da partida contra ABC. No jogo de ida da final contra Vasco, foi impecável para segurar a dupla Valdiram – Edílson e só faltou o jogo de volta por causa de uma suspensão. Mesmo assim, Angelim conquistava um primeiro título no Flamengo e fechava a temporada com um gol de cabeça em dois tempos, na última rodada do Brasileirão contra São Caetano.
Ronaldo Angelim começou bem a temporada de 2007, com um gol no campeonato carioca, num 3×3 contra Botafogo. Na Copa Libertadores, não jogou na derrota 3×0 contra Defensor, talvez a história teria sido com ele na zaga. Voltou no time para o jogo de volta na final do campeonato carioca contra Botafogo, voltou como campeão. No segundo semestre, formou o que talvez ainda é minha favorita zaga do Flamengo de meus tempos, ao lado de Fábio Luciano. Ronaldo Angelim não tinha tanta força física nem velocidade, mas compensava isso com inteligência, antecipação e colocação. Quem fala isso é outro Ronaldo, o Ronaldo Fenômeno, quando foi perguntado sobre o melhor zagueiro que enfrentou. Ronaldo respondeu com lógica Paolo Maldini, mas fez questão de elogiar Ronaldo Angelim, e isso já diz tudo sobre nosso Magro de Aço.
Em 2008, com dois gols de cabeça, a dupla Fábio Luciano – Ronaldo Angelim virou o jogo contra Vasco na semifinal da Taça Guanabara. E no final, mais uma final contra Botafogo, mais um título do Flamengo. Na temporada, Ronaldo Angelim fez outros dois gols, contra Portuguesa vindo de um escanteio, fez um gol e com a sinceridade e humildade reconheceu que fez gol com a mão, depois fez um lindo gol contra Figueirense. Disputou 57 jogos na temporada, o recorde dele em um ano no Flamengo.
Mas o ano inesquecível é 2009 mesmo. De novo, fez um gol no início do campeonato carioca, contra Bangu, de outro escanteio. De novo jogou contra Botafogo na final, e o bicampeonato virando tri, Ronaldo Angelim jogando os 210 minutos dos dois jogos finais. Meu ídolo Fábio Luciano pendurou as chuteiras ali, Ronaldo Angelim continuou, continuou sendo meu ídolo. E a carreira de Ronaldo Angelim poderia ter sido acabada neste ano de 2009. Depois de receber uma pancada na coxa direita, Ronaldo Angelim teve uma síndrome compartimental aguda, com risco de amputação na perna. Foi operado, voltou a jogar, ainda sem fazer gol, o último vinha da segunda rodada do campeonato carioca, ainda em janeiro.
Chegou o mês de dezembro e Ronaldo Angelim, com 34 anos recém-completados, era o cara da zaga. E Flamengo tinha a esperança do título brasileiro depois de 17 anos de espera desesperada. O Maracanã estava cheio, supercheio. O jogo claro é eterno no Francêsguista. Grêmio abriu o placar, David Braz, companheiro de um dia na zaga, empatou. E no meio do segundo tempo, chegou São Judas Tadeu, chegou o predestinado, chegou o ídolo. O lance é um dos mais vistos e revistos da história do Flamengo. No escanteio que o Pet cobrou, Ronaldo Angelim subiu, cabeceou e chegou no patamar dos imortais do Flamengo. No seu livro 20 jogos eternos do Flamengo, Marcos Eduardo Neves escreveu: “O beque entendia o significado de vestir o manto, suar sangue em prol do Flamengo. Dedicado, cumpridor de seus deveres e de suas obrigações, respeitava a instituição como ninguém. E a hora de se eternizar era aquela. Mas precisamente, naquele córner, a 20 minutos do final. Sua mulher ligara na noite anterior para avisar que algo lhe dizia que ele marcaria o gol do título”.
Na sua primeira entrevista como imortal, Ronaldo Angelim explicou: “ Minha mulher, Ricássia, me ligou à noite, para a concentração, pouco antes de eu ir dormir e disse: ‘Rô, algo está me dizendo que você vai fazer o gol’. E tudo que ela fala acontece. Minha mulher parece vidente. Foi assim também quando fiz um gol que levou o Fortaleza à Série A, em 2004. Primeiro quero agradecer ao Valdir Espinosa, que me trouxe para o Flamengo em 2006. Nesses cinco anos, ganhei duas vezes a Taça Guanabara, uma Taça Rio, três estaduais, a Copa do Brasil de 2006 e agora o Brasileiro. Conquistei título em todo os anos. E nesse período fiz alguns gols, mas nenhum vai ser tão importante quanto este. Igual a este não vai ter nunca mais. O Pet, como sempre, bateu muito bem o escanteio. Tive a felicidade de subir e testar para o gol. Em decisão, geralmente é assim. Um jogador aparentemente não tão importante, como é o meu caso, acaba decidindo. Ainda não tinha marcado no Brasileiro, pois contra o Palmeiras deram gol olímpico para o Pet, quando a bola bateu em mim. Na realidade, nem fizemos uma partida brilhante, mas foi o suficiente para sermos campeões. Quero dedicar essa linda conquista aos meus parentes. Há muita gente torcendo por mim em Juazeiro do Norte, no Ceará. Penso muito no meu povo, na minha cidade, como deve estar a festa por lá. Estou com 34 anos, mas acho que posso jogar mais dois anos, pois minha carcaça é fininha. Confio no meu trabalho. E quero encerrar a minha carreira no Flamengo, porque sou torcedor. E quando é assim, você só sai quando o clube não te quer mais”.
Ronaldo Angelim não encerrou a carreira no Flamengo, mas em outro clube onde é ídolo, no Fortaleza. Jogou no Flamengo até 2011, tempo de conquistar um quarto título carioca, de fazer mais 4 gols, o último contra Botafogo, num escanteio claro. Depois do 6 de dezembro de 2009, nada mais importava, Ronaldo Angelim era ídolo para sempre. Abro aqui um parêntese para falar sobre Ronaldo Fenômeno, meu primeiro ídolo no futebol. Em 2008, eu ficava doido para ver Ronaldo no clube de meu coração. Peguei a escolha dele de ir no Corinthians como uma traição pessoal. Entre meu ídolo e o clube de minha vida, escolhi o clube e passei a odiar Ronaldo Fenômeno. Ver um outro Ronaldo fazer o gol do título tão sonhado parecia o fechamento de um ciclo, o livramento de um peso na minha alma rubro-negra.
Na crônica sobre Petkovic, escrevi que Adriano, Nosso Didico, representava o garoto flamenguista, favelado na Zona Norte de Rio de Janeiro, mas Petkovic representava para mim o sonho que eu nem podia sonhar, ser europeu e vestir o Manto Sagrado. No prolongamento de Pet e Didico, outros heróis do hexa, Ronaldo Angelim representa outro torcedor, o homem trabalhador e simples do Nordeste, humilde até nas roupas que veste. A sua simplicidade conquistava até os torcedores rivais, porque Ronaldo Angelim representa um pouco de cada nós. E mais, além do gol do hexa, deixou uma frase inesquecível: “Minha única vaidade é ver o Flamengo vencer”, uma frase que pode virar capa de livro, tatuagem, epitáfio. “Sei que a torcida gosta e tem carrinho por mim, mas ídolo é Zico” falou uma vez Ronaldo Angelim. Aí, tenho que discordar com você Angelim, você foi, você é e você será ídolo do Flamengo enquanto a terra gira, o universo existe, o Flamengo vive.








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