Nessa época de Mundial de clubes e encontros entre times de diferentes continentes, aproveito para falar de um jogo que aconteceu exatamente 58 anos atrás contra Barcelona, gigante da Europa mas que não joga o Mundial.

Em meados da temporada de 1967, Flamengo partiu para uma excursão na Europa, atravessando a Cortina de Ferro. Virou um desastre, o técnico Armando Renganeschi andava desmotivado porque sabia que não ia ter seu contrato ampliado, e tinha conflitos entre jogadores e o chefe da delegação, o autoritário Flávio Costa. Flamengo começou com 3 derrotas, contra as seleções olímpica e principal da Alemanha Oriental e contra o Dínamo de Moscovo. Fla finalmente venceu 1×0 o inexpressivo Neftyanik Baku e voltou a perder, agora de goleadas, 0x4 contra Dínamo Tbilissi e 1×4 contra Ferencvaros-Vasas.

De volta na Europa ocidental, Flamengo continuou a perder: 0x1 contra Betis e 1×4 contra Atlético de Madrid. Na estreia do Troféu Ibérico, disputado pela primeira vez neste ano de 1967 em Badajoz na Espanha, Flamengo perdeu 1×2 contra o Sporting Portugal. A excursão era um desastre, 9 jogos, apenas uma vitoria, 8 derrotas, 7 gols pró, 23 gols contra. Já fora do título, Flamengo enfrentou o Barcelona e reencontrou um ídolo do clube, Silva Batuta, agora no Barcelona. No 26 de junho de 1967, o técnico Armando Renganeschi escalou Flamengo assim: Marco Aurélio; Jarbas, Ditão, Jayme Valente, Leon; Nelsinho, Reyes; Américo, Rodrigues, Osvaldo Ponte Aérea, Fio Maravilha.

Flamengo tinha muitos jogadores machucados, entre eles Aírton, Carlinhos e Ademar, e apenas dois jogadores no banco. Assim, o Atlético de Madrid emprestou o paraguaio Reyes, que de tão bem jogo, acabou contratado pelo Flamengo, onde virou ídolo. Já do lado do Barcelona, Silva Batuta estreou bem no clube catalão, com dois gols contra Botafogo na Pequena Taça do Mundo em Caracas, mas as regras o impediam de jogar os jogos oficiais da liga espanhola. Escreveu no Jornal do Brasil o grande Armando Nogueira: ‘Vejam o que fazem com o rapaz: vendem-lhe o passe para o Barcelona numa hora em que o jogador estrangeiro não pode jogar na Espanha. Tipo da transação cruel em que o jogador é transformado em mercadoria. Já pensaram no drama desse rapaz? Ídolo completo e acabado de um dos maiores públicos do mundo, jogador em plena glória, faturando dignamente o seu ganha-pão, de repente vê-se transferido para um clube onde não pode jogar”.

Como o Troféu Ibérico era amistoso, Silva Batuta conseguiu jogar, mas foi outro ídolo do Flamengo que brilhou em primeiro. Com apenas um minuto de jogo, Fio Maravilha abriu o placar para o rubro-negro. Depois, foi quase só o ataque do Barcelona e as defesas de Marco Aurélio. Na sua edição do dia seguinte, o Jornal dos Sports também fala de uma briga generalizada, uma “verdadeira batalha campal, de que participaram não só os 22 jogadores, como massagistas, reservas, técnicos e auxiliares”. Depois de intervenção da policia e parada de 15 minutos, a partida recomeçou. Ainda o Jornal dos Sports: “Na metade do segundo tempo, Nelsinho fez falta em Zabala, que o juiz Sanchez Ibañez anotou como penalidade máxima, que, cobrada, foi magistralmente desviada a corner pelo goleiro Marco Aurélio”.

No seu livro Silva, o Batuta, Marcelo Schwob escreveu sobre o jogo e o lance: “Fla vencia por 1×0 com um gol milagroso de Fio no primeiro minuto da partida, que se resumiu no ataque espanhol contra a defesa rubro-negra. Mas o gol espanhol não saía. Marco Aurélio fazia milagres. Até que houve um penalty […] Silva iria bater. Jayme, que conhecia bem o modo de Silva cobrar pênalti, disse para o goleiro Marco Aurélio: ‘Pula no canto esquerdo, porque é onde ele costuma cobrar!’. Dito e feito. Silva chutou ali e Marco Aurélio defendeu […] Até jogando contra o Flamengo, Silva era rubro-negro. O curioso é que em depoimento dado para este livro, Jayme Valente nos disse que a indicação foi apenas para estimular o goleiro, pois não tinha certeza do que falara…”.

Nos minutos finais, Rodrigues foi expulso por falta dura, mas, mesmo com um jogador a menos, Flamengo segurou o placar e deixou um pouco menos amargurada a excursão. Foram tempos difíceis, um dos piores períodos do Flamengo. Porém, era só uma fase, tinha um futuro brilhante. Na mesma edição do Jornal dos Sports, bem na página seguinte, podia se ler um convite de “Os Antunes em festa”: “Maria José, José Antunes Coimbra (Zeca), e Sra., Fernando (Nando), Eduardo (Edu), Antônio (Tunico) e Artur (Zico) convidam para a missa em ação de graças pelos 25 anos de casados de seus pais, José Antunes Coimbra e Dona Matilde Silva Coimbra […] É o convite simples que a família Antunes distribuiu para seus amigos e marca a passagem de 25 anos de vida unida de uma família, quase toda ela dedicada ao futebol. Antunes, Edu, Nando e Tunico jogam pelo America. O Zico, com apernas 15 anos, é astro das peladas e espera completar os 16, para também ingressar no America”. Três meses depois, com atuação decisiva de Celso Garcia, Zico chegava na Gávea, mudava a história de toda uma família e uma Nação inteira.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”