Times históricos #35: Flamengo 1925

O Flamengo já conquistou em 2025 dois títulos com a Supercopa do Brasil e o campeonato carioca, espera ainda mais títulos no final do ano, o Brasileirão e a Liberta. Há 100 anos, Flamengo também fazia uma grande temporada, conquistando o único título oficial possível. Mas, outra época do futebol, tinha outros confrontos, outro modo de jogar, e o Flamengo, já gigante, levou para a sala de troféus muitas taças em 1925.

O ano de 1925 é especial para o Flamengo. Pela primeira vez na sua história, Flamengo foi jogar no Nordeste, em Recife. Assim, nascia ali uma ligação que nunca morreu. No dia da chegada a bordo do transatlântico Andes, no 15 de janeiro de 1925, o Diário de Pernambuco anunciava: “Agremiação das mais prestigiosas em todo o país, o glorioso ‘rubro-negro’, campeão de terra e mar do Rio de Janeiro, vai ser recebido pelo mundo desportivo pernambucano, por entre as mais vivas e sinceras demonstrações de simpatia”. Foram cinco jogos contra os times mais poderosos do Pernambucano, jogos amistosos mas que valiam taças. Cada jogo tinha ao menos duas taças oferecidas por tudo que era possível: times de futebol, jornais, Jockey Club, agências e joelharia, até da prefeitura e do governador. E Flamengo, com 4 vitórias e um empate, levou tudo, 11 troféus ao final.

Além dos jogos, tinha as festas prestigiosas, também oferecidas por tudo que era possível: times de futebol e rádios, Jockey Club e Country Club, até do governador Sérgio Loreto e de um deputado. Escreveu Roberto Assaf no seu livro Almanaque do Flamengo: “A vitória de 3 a 0 sobre o Santa Cruz parece não ter incomodado os dirigentes do clube pernambucano, que à noite organizaram um grandioso baile, animado por orquestra de cinquenta músicos. No dia seguinte, o Jockey de Pernambuco ofereceu uma festa no Casino de Boa Viagem. A agenda superlotada não atrapalhou o time, que no dia 25 venceu a seleção do Estado por 2 a 0. Após a partida, para não perder a forma, jogadores e dirigentes seguiram para a casa do deputado José da Silva Loyo Neto, que lhes proporcionou uma soirée blanche. No dia 26 teve almoço no Country Club e jantar no Club Internacional”.

Flamengo fechou a excursão com uma vitória 6×1 sobre América, jogo que marcou a despedida no Flamengo do zagueiro Telefone e do atacante Junqueira. Artilheiro da excursão ao lado de Vadinho, Junqueira fechou sua trajetória no Flamengo com estilo, fazendo 4 gols no jogo! Com 82 gols em 101 jogos, era o maior artilheiro da história do Flamengo. A excursão foi um sucesso, tanto de resultados do que de imagem, como escreveu o Jornal do Recife: “Hoje, deixe Pernambuco a delegação do Flamengo, delegação que em Pernambuco conquistou grande numero de simpatias, merecidas pelo seu modo de tratar e pela cordialidade existente entre pernambucanos e cariocas”.

O dirigente rubro-negro Borges Sampaio se oferecia uma página no Diário de Pernambuco para agradecer os pernambucanos: “A delegação do Club de Regatas do Flamengo, ora em Recife, sob a minha chefia, não tem palavras para testemunhar o seu agradecimento profundo, pelas inequívocas provas de cavalheirismo e distinção, demonstradas por essa alma boa do povo pernambucano. Essa gente tão sincera, qualidade própria dos corações bondosos, não sabe, talvez, o quanto de estima a amizade despertou em todos os rapazas da embaixada carioca […] Si é fato que vão conosco, para o sul, algumas vitorias desportivas sem grande expressão, vão também a esperança e a intima convicção de que fomos definitivamente vencidos pelos atenciosos obséquios dos pernambucanos que, nos conquistando o coração, fizeram de cada flamengo um entusiasta e um admirado. Assim, pois, a esta maravilhosa cidade nortista, à sua gente tão prodiga de amabilidades, a mais merecida gratidão de todos os componentes da embaixada do Club de Regatas do Flamengo”. Borges Sampaio não errou ao agradecer o povo pernambucano. Flamengo, campeão de terra e mar, escrevia o primeiro capítulo de uma história sem fim. Não era só taças em campo e champagne em salões de festas, era a ligação com o povo nordestino. Na capital federal, tinha o Fluminense dos ricos, o Vasco da colônia portuguesa, o Botafogo dos estudantes, e Flamengo era tudo isso, e mais, Flamengo, já em 1925, era o povo, era o Nordeste.

Outra época do futebol, Flamengo emprestou logo depois três jogadores, o goleiro Kuntz, o meio-campista Seabra e o atacante Junqueira para a excursão do Paulistano, a primeira de um clube brasileiro na Europa. De novo, sucessos em campo, 9 vitórias em 10 jogos, champagne e recepções grandiosas fora do campo. E uma amizade entre Flamengo e o Paulistano que se fortaleceu nos anos seguintes. De volta aos campos, Flamengo conquistou a Taça Irmandade de São Sebastião contra São Cristóvão e foi eliminado do Torneio Início contra Botafogo, perdendo no critério de escanteios. Outra época do futebol.

A edição do campeonato carioca de 1925 foi marcada pela volta do Vasco à primeira divisão, numa época ainda amadora e elitista do futebol, até no Flamengo, mesmo que tinha no elenco o mulato Nonô, artilheiro do time. O Mengão começou muito bem o campeonato carioca, com 7 vitórias em 7 jogos. Melhor ainda para Nonô, fazendo gol em todos os 7 jogos para um total de 15 gols! Na vitória 5×1 contra Sírio e Libanês, Nonô fez 2 gols e ultrapassou Junqueira para se tornar o maior artilheiro da história do Flamengo com 84 gols. Ainda sem as estatísticas de hoje, muito graças ao trabalho incrível de Celso Júnior e Arturo Vaz do site FlaEstatística, o fato passou despercebido na época. No jogo seguinte, Flamengo perdeu a invencibilidade no Fla-Flu, que ainda não se chamava assim, mas já um clássico que mexia com a cidade carioca.

Flamengo reencontrou o caminho da vitória contra Vasco, Vadinho fazendo os dois gols do jogo, e Nonô reencontrou o caminho do gol nos jogos seguintes: 3 gols no 5×0 contra Helênico e 5 gols na goleada 6×0 contra Brasil! Nonô foi apenas o terceiro jogador a fazer 5 gols num jogo com o Manto Sagrado, depois de Gustavo, já no primeiro jogo da história do Flamengo em 1912, e Arnaldo em 1914. O campeonato carioca parou aqui por dois meses, para a realização do campeonato nacional de seleções estaduais. O conjunto do Distrito Federal foi selecionado pelos técnicos do Flamengo e do Fluminense, Joaquim Guimarães e Chico Netto. E selecionaram apenas jogadores do Flamengo e do Fluminense. E assim nasceu o Fla-Flu.

No seu livro Nação rubro-negra, Edilberto Coutinho escreveu: “Fla-Flu foi nome inventado pelo povo carioca. Inicialmente, como gozação ao escrete do Rio de Janeiro de 1925, formado para enfrentar o de São Paulo. Sócios dos outros clubes apelidaram de Fla-Flu ao time carioca, porque só haviam sido escalados jogadores do Flamengo e do Fluminense. Assim, no começo, a expressão não significou rivalidade, desavença. Ao contrário: Fla-Flu, na dor-de-cotovelo dos demais, querendo dizer muito claramente Fla e Flu unidos. Os cariocas venceram os paulistas em 1925. O gozo acabou, mas o nome Fla-Flu, curto e fácil de pronunciar, pegou”. Com gols dos rubro-negros Candiota e Moderato e do tricolor Nilo, a seleção carioca venceu a seleção paulista na final e o nome do Fla-Flu se eternizou nas escritas sagradas de Mário Filho. Agora Arturo Vaz, Celso Júnior e Paschoal Ambrósio Filho no livro 100 anos de bola, raça e paixão: “Há no Fla-Flu a possibilidade de vários diálogos: filho rebelde-filho exemplar, povo-elite, maioria-minoria ou até pobreza turbulenta-origem nobre, mais conveniente a este estudo. O diálogo entre estes dois mitos geraria, por sua vez, um novo mito carioca, que seria o da convivência pacífica entre morro e cidade ou entre quaisquer outros dois pólos opostos. Enfim, seria mais justo falar em mito da cordialidade. Mas o Fla-Flu não nasceu com este sentido mítico que lhe foi dado por obra das narrativas de Mário Filho, como atestam todos os escritos sobre o assunto. Fla-Flu não nasceu jogo, não nasceu do confronto entre dois clubes, ou de dois times. Nasceu, sim, da união destes dois. Quando, em 1925, a Amea convocou uma seleção carioca composta unicamente de jogadores de Flamengo e Fluminense, a crônica esportiva da época criticou a convocação, afirmando pejorativamente que aquilo não era uma seleção, era um mero Fla-Flu. Talvez embevecido pela sonoridade do termo, único caso em que as duas primeiras sílabas dos nomes de dois clubes cariocas podem formar algo parecido com uma palavra, e pela história comum dos dois clubes, Mário Filho trabalhou para fazer dele um jogo-síntese do futebol carioca”.

Flamengo voltou no campeonato carioca, voltou com o que sabia fazer, com vitória 4×3 sobre Bangu, 3 gols de Vadinho, um de Nonô, que voltava a fazer o que sabia, gol com o Manto Sagrado. Nonô também deixou o nome dele no empate contra São Cristóvão e na vitória contra Botafogo. Com mais um sucesso sobre Sírio e Libanês, Flamengo se aproximou do título que não vinha desde 1921. Mas deixou a torcida esperar ainda, com dois empates 1×1, no Fla-Flu agora sim, e contra Vasco, no dia do aniversário do clube. Vasco até ofereceu uma placa de bronze para os 30 anos da fundação do Flamengo. Vale a pena citar o Jornal do Commercio, com grafia da época: “Afinal foi satisffeita a curiosidade pública que vinha sendo agitada durante a semana, presa ao resultado da grande partida, que se fez preceder de uma das mais intensas propagandas de que temos memória […] Se a curiosidade pelo desfecho do prédio foi satisffeita, em parte é preciso confessar que esse sentimento do público resultou em desapontamento. Até que o público transmitiu aos competidores uma dose considerável de ardor, com seus cânticos característicos e gritos de animação, mas em verdade, agora uma ou outra phase a pugna decorreu monótona e orphã de téchnica”.

Faltava um jogo para fechar o campeonato, faltava uma vitória para ser campeão. E veio com estilo, com goleada 4×0 sobre America. “Joguei na Seleção Brasileira, disputei Copa do Mundo, mas os momentos de maior alegria que tive no futebol foram os títulos cariocas de 1925 e 1927 pelo clube. O primeiro me deixou muito feliz porque o Flamengo não era campeão desde 1921” lembrou Moderato em 1982. Como um símbolo, Nonô fez o último gol do Flamengo, chegando assim com a marca impressionante de 29 gols em 18 jogos, consagrando-se artilheiro do torneio. Com o gol que fez contra Industrial Mineiro num amistoso, chegou aos 30 gols na temporada, um recorde para um jogador do Flamengo, que só será batido pelo Alfredo em 1936. Jogador do Flamengo desde 1921, Nonô chegava no final do ano aos 99 gols com o Flamengo e será o primeiro jogador do clube a atingir a marca dos 100 gols. Jogou no Flamengo até 1930 e morreu um ano depois, de tuberculose, com apenas 32 anos de idade.

O ano de 1925 não acabou assim para a maioria dos jogadores do Flamengo. A seleção brasileira jogou o campeonato sul-americano na Argentina e a dupla Fla-Flu ainda era fortíssima. Jogaram na seleção os rubro-negros Batalha, Pennaforte, Japonês, Hélcio e Moderato. Mas 100 anos atrás, o futebol ainda era elitista e racista. No livro História dos campeonatos cariocas, escreveram Roberto Assaf e Clóvis Martins: “O presidente da CBD, Oscar Costa, ignorou os avanços alcançados com a permissão do Vasco na AMEA, e solicitou que Guimarães, técnico da seleção brasileira, não levasse negros e mulatos para o Sul-Americano de Buenos Aires”. Nonô, mulato, foi deixado de fora. E o Brasil perdeu a final contra a Argentina, deixando ao Flamengo só, a alegria e o orgulho de ter Nonô como ídolo.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”