Ídolos #46: Éverton Ribeiro

Faz mais de 20 anos que eu acompanho o futebol brasileiro. Na minha França natal, tem muitos fãs do futebol brasileiro, mas sempre é apenas a seleção nacional e os brasileiros que jogam na Europa, conheçam nada do campeonato nacional e dos clubes locais. Eu, não. Minha paixão vai até o Brasil mesmo. Além de minha incarnação de flamenguista, adoro o futebol brasileiro, os clubes tradicionais e a história, a torcida na arquibancada e principalmente o craque em campo.

Minha vantagem sobre os demais parceiros europeus é de ver os jogadores brasileiros na terra deles. Faz 20 anos que eu posso ver o craque no Brasil. Adoro ter a oportunidade de descobrir antes deles o jovem craque, um Pato há 20 anos, um Estêvão hoje, ou o velho craque de volta, antes um Romário, hoje um Neymar. Ainda tem a possibilidade de conhecer o craque escondido, que não brilhou na Europa, mas que tem futebol em excesso, antes um Valdívia, hoje um Ganso. E tem o craque histórico, lenda do futebol nacional e do Brasileirão, que preferiu ser ídolo no país do futebol de que um mortal na Europa, antes um Rogério Ceni, hoje um Cássio. E o Éverton Ribeiro, que nunca jogou na Europa, foi tudo isso, foi jovem craque, já é antigo craque, é craque de bola, é ídolo do futebol do Brasil.

Éverton Ribeiro nasceu em 10 de abril de 1989 em Arujá, São Paulo. Criança, praticou judo para desenvolver a agilidade e futsal para aprimorar a habilidade bola em pé. Passou pela Portuguesa e o Corinthians, onde, conhecido apenas como Éverton e jogando como lateral-esquerdo, brilhou na Copinha de 2007. Foi promovido no time principal no mesmo ano, mas num clube grande, em crise, também gosto dessa particularidade do futebol brasileiro, não se firmou. Foi emprestado ao São Caetano e começou a brilhar como meio. Mas confesso que mesmo atentivo ao futebol brasileiro, o nome de Éverton Ribeiro não me chamou atenção na época.

Em 2011, Éverton Ribeiro assinou no Coritiba e finalmente comecei a conhecer o jogador, principalmente depois do golaço que fez contra Flamengo em 2012, uma bomba de pé direito. Éverton Ribeiro brilhou e seu antigo técnico no Coritiba, Marcelo Oliveira quis o levar para seu novo clube, Vasco. Coisa de destino, não aconteceu. Explica o pai de Éverton Ribeiro, Amadeu, para GloboEsporte: “Quando o Marcelo Oliveira foi para o Vasco, na primeira semana ele já pediu a contratação do Éverton, mas o Éverton disse que não queria jogar no Rio de Janeiro, não queria morar na cidade. Eu apoiei. Ele ficou no Coritiba e acabou bicampeão paranaense e duas vezes foi vice-campeão da Copa do Brasil”.

Em 2013, Marcelo Oliveira chegou ao Cruzeiro e não esqueceu Éverton Ribeiro, finalmente o contratou. E o Cruzeiro 2013-2014 foi para mim um dos melhores times do futebol brasileiro dos últimos 20 anos, principalmente por causa de dois jogadores, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart. São por causa de jogadores desse tipo que, saindo da burrice do saudosismo sempre vão existir, eu amo o futebol do Brasil. E Éverton Ribeiro brilhou como poucos, conquistou duas vezes o Brasileirão, sendo eleito o melhor jogador do campeonato nas duas edições. E ainda de novo fez seu golaço contra Flamengo, em 2013, ainda mais bonito que em 2012, um chapéu sobre Luiz Antônio e uma bomba na gaveta de Felipe. Não sei se já vi outro gol tão indefensável que aquele golaço do ainda não nosso Éverton Ribeiro.

E Éverton Ribeiro foi jogar no futebol árabe, segurando definitivamente o futuro. Foi para mim uma notícia triste, perdia a vantagem sobre meus demais amigos europeus, o futebol de Éverton estava longe de meus olhos. Lá, conquistou um campeonato nacional dos Emirados Árabes Unidos e jogou a final da Liga dos campeões da Ásia de 2015, reencontrando o antigo companheiro Ricardo Goulart, que conquistou o título com o clube chinês de Guangzhou Evergrande.

No meio do ano de 2017, chegou a grande notícia, depois de meses de negociação, Éverton Ribeiro finalmente era nosso, era do Mengo. O Flamengo começou a mudar para mim em 2015 com a contratação de Paolo Guerrero. Em 2016, chegou Diego Ribas. E em 2017, com a (já) venda recente de Vinícius Júnior por 45 milhões de euros, o Mengo investiu 6 milhões de euros para comprar Éverton Ribeiro. Aos 28 anos, o meia era possivelmente no auge de seu futebol. Faltava confirmar em campo.

Como um símbolo, Éverton Ribeiro estreou contra seu futuro clube, Bahia, na Fonte Nova. E já estreou brilhando, com assistência para Berrío fazer o único gol do jogo. No segundo jogo, outra vitória do Mengo, e outra assistência do Miteiro, agora para Diego. O primeiro gol do ER7 com o Manto Sagrado chegou no terceiro jogo, na Copa Sudamericana, fechando a goleada contra Palestino com um gol de pênalti. Um gol de pênalti sim, mas um gol de craque, bateu de uma forma reservada ao craque, com efeito para levar a bola e tirar o goleiro da jogada. Um gol de pênalti sim, um golaço também. E no quarto jogo, mais uma vitória, agora contra Vasco, e mais uma assistência de Éverton Ribeiro, que sabia fazer tudo, que era cracaço.

Éverton Ribeiro fechou sua primeira temporada no Flamengo com 7 gols, como seu número na camisa. Infelizmente, fechou a temporada sem títulos também. Não pôde ser inscrito na Copa do Brasil e não foi decisivo na final da Copa Sudamericana. No campeonato carioca de 2018, fez apenas um gol e Flamengo, com um regulamento feio, foi eliminado pelo Botafogo. Faltava ainda para ER7 um momento com a torcida, uma história com a Nação.

E o momento chegou de uma forma inusitada, também incrível, inesquecível. Em 2018, Augusto, o filho recém-nascido de Éverton e Marília, foi internado no hospital. E a torcida rubro-negra demostrou apoio. Lembra Éverton Ribeiro ao canal “Pilhado” de Thiago Asmar: “Eu saía do treino e dos jogos, e ia para o hospital. Ela precisava do marido dela, precisava dessa força […] Eles descobriram, não tínhamos falado nada. Alguém passou perto, me viram no hospital e ligaram uma coisa na outra. A força que a torcida deu foi incrível, todo mundo torcendo, foi bem bacana. É emocionante, estou acostumando a ver a torcida cantando para a gente fazer gols, foi incrível, foi muito emocionante”.

Contra Emelec, um jogo eternizado no Francêsguista, o Flamengo entrou em campo e a Nação cantou o nome de Guto. Éverton Ribeiro retribuiu o carinho fazendo os dois gols do jogo, incluindo um golaço de falta para fechar o placar, deixar a história mais bonita ainda. Agora já não era só futebol, era vida, era raça, amor e paixão. Ainda Éverton Ribeiro: “Realmente é diferente… A torcida do Flamengo incentiva demais. Só quem vive, quem joga, sabe. Estando com a camisa ali, é incrível. Por isso são torcedores tão falados e bem vistos por todos. Grandioso, o Flamengo é o que o futebol espera. Grande torcida, a paixão, e um clube vitorioso, é isso que tornou o Flamengo tão grande”. No Brasileirão, fez seus golaços, contra Sport, Grêmio e principalmente Cruzeiro, gol que será eleito o mais bonito do campeonato. Um outro Cruzeiro x Flamengo no Mineirão 5 anos depois do golaço, mas agora do lado certo, com o Manto certo. Uma caneta, um chute na rede, um jogo eterno, um craque diferenciado, Éverton Ribeiro.

Porém, ainda faltava os títulos. E chegou 2019, chegou o trio inesquecível, Gabigol, Bruno Henrique, Arrascaeta. Na verdade, era um quarteto. Éverton Ribeiro foi menos decisivo, mas foi igualmente craque. É um jogador para quem ama o futebol de verdade, que sabe ver um drible seco, uma finta inesperada e evidente, um passe preciso e precioso. É um jogador de música e de teatro, um dos poucos que exaltam ainda a alma do futebol brasileiro. Em 2019, o Miteiro fez 6 gols, inclusive 3 na Sagrada Libertadores, que teve o Baby Guto como xodó da torcida. No ápice da glória eterna, quando Gabigol fez o Milagre de Lima, Éverton Ribeiro olhou para a câmera e, compartilhando a mesma alegria, a mesma loucura, liberou a Nação: “Acabou, acabou”. O Flamengo era campeão. Ao lado dos outros capitães, os Diegos Alves e Ribas, Éverton Ribeiro levantou a taça e se tornou ídolo para a eternidade.

Craque dentro de campo, Éverton Ribeiro também é gênio fora, com uma inteligência de poucos. Na pandemia, no caso George Floyd, foi um dos poucos jogadores brancos a se manifestar contra o racismo: “Não é normal que em um país onde a maioria da população é negra, eles sejam minoria em universidades e grandes empresas. Estou disposto a aprender mais sobre isso a cada dia e disposto a usar minha influência para dar voz a pessoas negras que lutam por um país com mais igualdade. Não quero ficar em silêncio e compactuar com um país que mata um negro a cada 23 minutos. ‘Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista” Ângela Davis.’”. E mais que uma mensagem, ER7 fez mais, abriu sua conta Instagram para dar voz aos negros, como ele próprio explicou para Esporte Espetacular: “A primeira ideia que tivemos, eu procurei o William (William Reis, do Afroreggae) para entender um pouco mais do assunto. Para abrir mais a mente e entender o que está acontecendo. Tivemos essa ideia de abrir o Instagram, que tem milhares de pessoas que não entendem bem. Sabemos que o racismo é velado e temos que escutar e nos posicionar contra. Temos que escutar os negros, eles que têm que ser protagonistas”.

Em 2020, fez outro golaço, contra Bahia, na Fonte Nova, onde brilha hoje a cada duas semanas. Esse gol foi uma homenagem perfeito para o filho recém-nascido, Antônio, que nasceu uma semana antes. E o que parecia impossível aconteceu, a ligação de Éverton Ribeiro e sua família com o Flamengo e a Nação ficou ainda mais forte, ainda mais bonita. Vale a pena citar Marília, a mulher de Éverton: “Quando Antônio chegou, tivemos receio de como explicar o porquê de Augusto ser considerado um ‘xodó’ da Nação. Dai, antes que pudéssemos imaginar, esse menino trouxe uma paixão pelo Flamengo que eu nunca vi na minha vida. Costumo brincar que não posto 10% do que ele apronta com esse amor pelo Flamengo e, mesmo assim, temo suma legião de fãs desse jovem remador”.

Confesso que em 2023 esperava ver o Miteiro continuar no Flamengo, por causa do futebol dele claro, mas também porque tinha medo que o Totói, ainda jovem e agora longe do Flamengo, ia perder sua paixão rubro-negra. Mas logo na apresentação de Éverton Ribeiro no Bahia, me libertei quando Totói cantou o hino do Flamengo, ainda abraçou a mascote da federação do Bahia, parecido ao Urubu rubro-negro. Maravilhei-me quando nosso xodó fingiu de ficar triste na derrota do Bahia contra Flamengo, abrindo depois o sorriso, quase zoando o pai, me deixou feliz quando ele foi nomeado sócio honorário do Flamengo ou cada vez que veste o Manto Sagrado, o que acontece muitas vezes. Eu não sei se Totói é uma reincarnação de um dos seis jovens remadores ou apenas mais um flamenguista, como cada um de nós em cada vida. Apenas sei que ele é Flamengo para sempre. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

E Éverton, ainda em 2020, continuou a fazer seus golaços, três dias depois daquele contra Bahia, fez outro contra Fortaleza que será mais uma vez eleito o gol mais bonito do Brasileirão. Fez seus gols decisivos, um para arrancar o empate contra o Internacional nos acréscimos, resultado que pesou muito na reta final do campeonato. Éverton Ribeiro ainda levou seus títulos, carioca, Brasileirão, Liberta, supercopa e recopa, ER7 conquistou tudo, ou quase, com o Flamengo. Em 2021, fez seu primeiro gol com a Seleção brasileira e fez um golaço contra o Corinthians, mas jogou menos, apesar de duas assistências na semifinal da Copa Libertadores.

Éverton Ribeiro recuperou seu bom futebol em 2022 e se eternizou mais uma vez na história do Flamengo. Tornou-se o jogador do Flamengo com mais jogos na Copa Libertadores, superando ninguém menos que Júnior, e fez 4 gols no torneio, inclusive um na semifinal contra Vélez. E mais, foi no pé dele, num passe dele, que saiu o gol na final contra o Athletico Paranaense. Éverton Ribeiro era mais uma vez campeão da Copa Libertadores, mais uma vez na seleção ideal da competição, e era, para quem ainda duvidava – ninguém, ídolo para sempre do Flamengo. Também finalmente conquistou a Copa do Brasil, depois de três vices com Coritiba e Cruzeiro, cobrando sem tremer seu pênalti na disputa de penalidades contra o Corinthians.

Nosso Miteiro ainda fez uma temporada no Flamengo, ainda fez seus golaçozinhos, de letra contra Goiás, de cabeça contra Santos, e de novo de letra, sim podia fazer dois gols de letra na mesma temporada, contra o América Mineiro. Assim chegava a 46 gols com o Manto Sagrado, ultrapassando um outro ídolo, Hernane, último eternizado na categoria do blog, para se tornar o nono artilheiro do Flamengo do século XXI. Mais números do Miteiro: 394 jogos com o Manto Sagrado, 46 gols, 64 assistências, 11 títulos. E mais, magia e brilho no olho do torcedor, lembrando os passes geniais, os dribles inspirados, os gols inesquecíveis, os jogos eternos. Lembrando ainda a família linda, o Baby Guto que virou menino, o Totói que ficou rubro-negro. Lembrando que Éverton Ribeiro, com sua classe dentro e fora do campo, com as taças levantadas com a braçadeira, tem um lugar muito especial na galeria dos ídolos rubro-negros.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”