Jogos eternos #315: Flamengo 8×1 Sampaio Corrêa 1976

Apesar do tropeço contra Grêmio, ainda estou na animação da goleada 8×0 contra Vitória, maior goleada do Brasileirão na Era dos pontos corridos. Também a maior goleada do Flamengo no Brasileirão, ao lado do 8×0 contra Fortaleza com 5 gols de Nunes, já um jogo eterno no Francêsguista. Eu vou então de uma outra goleada rubro-negra no Brasileirão, contra Sampaio Corrêa.

Incrivelmente, o jogo foi apenas o segundo do Cláudio Coutinho dirigindo o Flamengo. Chegou como capitão do Exército, diplomado em educação física, bem na moda da época, em plena ditadura militar. E chegou com resultados e reputação, sendo um dos responsáveis pela preparação física da inesquecível Seleção de 1970. Coutinho implementou no Brasil o teste Cooper e ajudou a Seleção de Pelé, Carlos Alberto e tantos outros craques a estar ao mesmo nível físico, ou até melhor, que os times europeus. Só assim, a técnica fazia a diferença. E agora, Coutinho era o técnico do Flamengo. Escreveu Fausto Neto no livro Flamengo, 85 anos de glória: “Coutinho, que nunca chutou uma bola como futebolista, porque era um especialista no vôlei, amealhou sucessos baseado em três princípios: seus conhecimentos teóricos; de educação física e um excelente relacionamento com os jogadores e a imprensa”.

Cláudio Coutinho foi um técnico moderno, implementando termos inovadores como overlapping, jogador polivalente e ponto futuro. Muito longe de jogar um futebol-força, conseguiu uma preparação física que permitia aos craques de exibir o futebol-arte ao seu nível mais alto. Coutinho está no meu top 5 dos técnicos do Flamengo, ao lado de Flávio Costa, Carlinhos, Mário Zagallo e Jorge Jesus. Talvez não foi tão longevo do que Flávio Costa, mas comandou o Flamengo durante 262 jogos. Talvez não foi tão flamenguista do que Carlinhos, apesar de sempre se vestir de rubro-negro, inclusive no dia do fatal acidente de pesca submarina. Talvez não tão vencedor do que Zagallo, mas conquistou o tricampeonato carioca e o Brasileirão. Talvez não tão bom técnico do que Jorge Jesus, mas sobrou na leitura de jogo, nos princípios táticos, na relação com os jogadores e a imprensa. Afinal, não é absurdo nenhum de considerar Cláudio Coutinho o maior técnico da história do Flamengo.

Verdade que Coutinho não conquistou a Copa Libertadores e o Mundial. Em 1981, pegou um ano de folga e morreu afogado já antes da conquista do Mundial, com apenas 42 anos de idade. Mas ele foi o idealizador do Flamengo de 1978-1983, chegando um pouco antes, saindo um pouco antes. Em 1981, já com Carpeggiani como técnico e discípulo, o Flamengo jogava com música, sem partituras, com coração, cérebro e magia nos pés. Eram jogadores que se conheciam perfeitamente, jogavam de olhos fechados, perfeitamente preparados fisicamente, habilidosos como muitos poucos. Foi o maior Flamengo da história, para sempre e para a eternidade. E começou com Cláudio Coutinho.

Cláudio Coutinho estreou no Flamengo com estilo, com vitória 3×0 sobre Sport no Maracanã, para a quarta rodada do Brasileirão de 1976. Mas neste jogo, faltava um jogador, faltava o jogador, Zico. Três dias depois, Flamengo jogava de novo no Brasileirão, de novo no Maracanã e agora Cláudio Coutinho tinha à disposição Zico, o maior jogador do Flamengo da história, para sempre e para a eternidade. Em 15 de setembro de 1976, o técnico Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Rondinelli, Dequinha, Júnior; Merica, Tadeu, Zico; Paulinho, Luisinho, Luís Paulo. Sampaio Corrêa, time de Maranhão, também estava de técnico novo, com uma história esquisita. O antigo técnico era o bicampeão do mundo Djalma Santos. Fez um comentário que o presidente, o quase homônimo Djalma Campos, não gostou. O presidente demitiu então Djalma Santos já no Maracanã e se colocou como técnico do time! Trouxe pouca sorte para Sampaio Corrêa.

O jogo, numa quarta-feira com muita chuva, atraiu pouca gente. Eram apenas 11.995 presentes no Maracanã, de geral só, lindo como sempre. E Flamengo, mesmo jogando em casa, estava de segundo uniforme, branco que ao longo do jogo, virou preto. O gramado do Maracanã, cheio de lama, estava muito ruim, ao limite do praticável. Mas quem tem Zico, pode esperar tudo.

Com apenas 3 minutos de jogo, Toninho Baiano cobrou uma falta na direita, Zico, sozinho na grande área, escolheu o canto, cabeceou e abriu o placar. Dez minutos depois, Rondinelli ganhou uma bola e abriu na direita para Toninho Baiano. O jogador polivalente aproveitou do overlapping do ponto futuro Paulinho e o lançou na profundidade. Paulinho cruzou de primeira, Luisinho cabeceou e bola sobrou para Zico, sozinho na pequena área, para o gol ainda mais fácil que o primeiro. Ainda nos 20 primeiros minutos do jogo, uma bola longa para Luís Paulo, que ganhou do zagueiro na corrida. Luís Paulo cruzou no chão para Luisinho, que em dois tempos, fez mais um gol fácil para o Flamengo. Mesmo com um gramado tão ruim, era tão fácil para o Flamengo de Coutinho.

O gramado ainda piorou e Flamengo fez um gol ainda mais bonito, ainda mais no estilo Coutinho que ia se impor nos anos seguintes. Na esquerda, Luís Paulo acelerou e jogou no meio. Quase sem a possibilidade de jogar no chão, Tadeu levantou a bola de um toque só, para Zico. Com o olhar e raciocínio do craque, Zico só tocou de cabecinha, para Luís Paulo que tinha feito o overlapping na esquerda. Antes da chegada do goleiro, Luís Paulo tocou para Luisinho, que agora em três tempos, incluindo uma embaixadinha de joelho, fez mais um gol fácil.

No início do segundo tempo, mais uma falta na direita para Flamengo, e Zico, como sempre letal no cabeceio, acertou a meta e completou o hat-trick. Era o quinto gol do Flamengo, o sexto chegou logo depois, numa pressão alta do Flamengo, mais uma modernidade do time de Coutinho, apenas possível com uma ótima preparação física. Luís Paulo ganhou a bola e tocou para Luisinho, que driblou o goleiro e deixou para Paulinho fazer mais um no gol vazio do Sampaio Corrêa. Com uma hora de jogo, outra falta para o Flamengo, agora na esquerda, agora nos pés de Júnior. Agora o cabeceador foi Rondinelli, mas o destino foi igual, na rede do gol. Flamengo dominava no chão lamacento e no céu celestial, antes dos títulos, já fazia história.

Na metade do segundo tempo, mais uma visão do que seria o Flamengo de Cláudio Coutinho. Toninho Baiano tocou para Tadeu e fez o overlapping, recebendo de novo a bola. Como ponto futuro, cruzou, a defesa do Sampaio Corrêa afastou o perigo, por um momento só. Tadeu recuperou e achou Zico. No meio de quatro adversários, Nosso Rei teve tempo de achar Luisinho, que tocou de primeira, de calcanhar, para Marciano. De pivô, Marciano dominou, choutou cruzado, fez o gol do 8×0.

Finalmente, Flamengo levou o pé e até o juiz teve pena do time maranhense, apitando um pênalti generoso. Ferraz fez o gol que apenas decretou o placar final: 8×1. Era uma estreia brilhante, promissora e quase perfeita do Flamengo de Cláudio Coutinho. O futuro seria ainda mais perfeito.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”