Jogos eternos #316: Flamengo 2×1 Fluminense 1972

Sem jogo esse fim de semana, eu escolho um jogo aniversário de meu clássico favorito no futebol, o Fla-Flu, imortalizado por Mário Filho, Nelson Rodrigues e tantos outros escritores. E claro, imortalizado por tantos jogadores, em mais de cem anos de história. E o Fla-Flu de 1972, que completa hoje 53 anos, já era eterno antes do apito inicial. Era uma decisão do campeonato carioca, no dia em que o Brasil festejava o sesquicentenário de sua independência.

Flamengo não vencia o campeonato carioca desde 1965, aliás um outro aniversário, do quarto centenário da cidade de Rio de Janeiro. Aliás conquistado depois de um outro Fla-Flu, já com vitória 2×1 do Flamengo, já um jogo eterno no Francêsguista. Em 1969, foi a vez de Fluminense de conquistar o campeonato carioca vencendo o Fla-Flu. Ah, o Fla-Flu… O clássico de tantas escritas sagradas, de tantos jogos eternos, de tantos ídolos ou outros jogadores mortais, eternizados em 90 minutos ou três segundos. Deixo a palavra para Luciano Ubirajara Nassar num livro sobre um grande personagem do Fla-Flu, o argentino Doval: “O Fla-Flu é o delírio dos povos e o clássico mais romântico do futebol brasileiro. É o clássico do milagre científico, da boêmia inteligente e dos irmãos dissidentes. Clássico das misturas de cores […] É o clássico da formação e da elevação dos mitos. Na década de 1970 este jogo parava o tempo e as vidas. Pessoas morriam e ressuscitavam. Era tempo de Flamengo e Fluminense. O torcedor esperava ansiosamente por este clássico”.

Era o quarto Fla-Flu do campeonato carioca de 1972. O primeiro valia a Taça Guanabara, o primeiro turno do campeonato. Na frente de 137.002 torcedores no Maracanã, Flamengo goleou 5×2 com 3 gols de Caio, que virou para a eternidade Caio Cambalhota. O jogo já é eternizado no Francêsguista, mas não resisto à vontade de citar mais uma vez o eterno tricolor Nelson Rodrigues, sobre Caio Cambalhota: “Esse rapaz veio ao mundo para marcar os 3 gols de ontem, um dos quais uma obra-prima de concepção e execução. O gol, para Caio, não é apenas um esforço, não é apenas uma habilidade, não é apenas um apetite. É uma tara. Eis tudo: Caio tem a luminosíssima tara do gol”.

O segundo Fla-Flu aconteceu depois de uma parada de dois meses para a realização da Minicopa no Brasil, também chamada de Taça Independência por motivos óbvios. E o segundo Fla-Flu outra vez valia uma taça. De novo na frente de mais de cem mil no Maraca, Fluminense venceu 1×0 e conquistou a Taça Fadel Fadel, que era o segundo turno do campeonato. O terceiro Fla-Flu valia nada, um 0x0 com apenas dez mil no Maior do Mundo. Vasco conquistou o terceiro turno e se classificou para o triangular final. Lá, Flamengo derrotou Vasco 1×0, Fluminense também venceu seu jogo contra Vasco. O quarto Fla-Flu do campeonato valia o campeonato, valia ouro, oferecia a eternidade. Em 7 de setembro de 1972, dia do sesquicentenário da independência do Brasil, o técnico Zagallo escalou Flamengo assim: Renato; Moreira, Chiquinho Pastor, Reyes, Vanderlei Luxemburgo; Liminha, Zé Mário; Rogério, Caio Cambalhota, Doval, Paulo César Caju.

Fluminense, de todo branco, começou melhor o jogo, sem fazer o gol. Na metade do primeiro tempo, o rubro-negro Rogério cruzou na direita, Doval, bonitinho, de camisa 10, pulou e cabeceou, venceu o goleiro e abriu o placar. O Maracanã, na maioria de seus 136.829 testemunhas, delirou. “Doval demonstrava que gostava dos jogos difíceis. Gostava dos clássicos. Partidas difíceis eram com ele, seja contra times pequenos, médios ou grandes. Partidas que arriscassem o pescoço. Gostava de público, grandes decisões e Maracanã. Tinha prazer na luta, no embate. Típico jogador argentino, aprimorado pelo poder mágico do brasileiro” escreveu Ubirajara Nassar. Com esse gol, o Diabo Loiro, ídolo da juventude e das praias cariocas, chegava ao 16.o gol no campeonato, mais artilheiro do que nunca.

No final do primeiro tempo, Paulo César Caju, outro jogador de tantos clássicos cariocas, começou a se acionar. Deixou a bola entre as pernas de um zagueiro, driblou mais um e chutou cruzado. A bola apenas flirtou com a trave. Em seguida, Paulo César brilhou mais uma vez, agora como garçom. Fixou um adversário e cortou no meio. E o Caju exaltou o jogo, maravilhou a geral, eternizou o Fla-Flu. Viu o companheiro Caio Cambalhota chamar a bola, e esperou só um pouquinho, esticando a perninha, para abrir um espacinho. Paulo César Caju fez o passe perfeito entre dois zagueiros perdidos e agora inutilizados. No domínio da bola, Caio Cambalhota driblou o também inútil goleiro e fez seu 14.o gol do campeonato, atrás apenas de Doval. Caio foi comemorar, sem cambalhota, com a torcida num Maracanã antigo, com geral raiz e feliz, que traz uma saudade até para quem não conheceu essa época.

E a saudade, na carne ou na alma, aumenta ainda mais com as imagens do Canal 100. Ainda Luciano Ubijara Nassar: “O ‘Canal 100’ criou um estilo de pioneirismo e um modo de fazer cinema que foi copiado pelo mundo. Fizeram a revolução mais positiva da história dos documentários e dos esportes nacionais. Várias câmeras captando a emoção do torcedor e do jogador, os detalhes da partida que passariam despercebidos, as explosões e festas das torcidas e o acompanhamento perfeito do desenrolar do lance […] Os jogadores viravam heróis, mitos e lendas. E o povo era respeitado com as suas próprias características. Uma aula de sociologia gratuita nos cinemas […] O ‘modus vivendi’ do carioca tem muito deste clássico circense e mítico”.

No segundo tempo, aproveitando uma falha do novato Vanderlei Luxemburgo, Gérson lançou Jair, que driblou Reyes e fez o gol para Fluminense. Nada para impedir o desfecho mais provável do Fla-Flu, a vitória do Flamengo, o título rubro-negro para o campeonato do sesquicentenário, a alegria da cidade. Artilheiro do campeonato carioca pela primeira vez de sua carreira, o argentino Doval falou: “Sou campeão carioca de 1972. Agora eu quero ser valorizado e respeitado”. Foi valorizado e respeito, e mais, foi idolatrado e eternizado no Fla-Flu, o jogo de tantas emoções e glórias, de tantos personagens e alegrias.

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”