Jogos eternos #322: Estudiantes 0x2 Flamengo 1991

Flamengo venceu Estudiantes na ida na Copa Libertadores, mas apesar da vitória, o resultado é frustrante, tanto pelos gols perdidos que pela atuação desastrosa do juiz. Quando era possível de assegurar a classificação já no Maracanã, o jogo na Argentina promete agora ser difícil e tenso.

Na Supercopa Libertadores 1991, o jogo de ida no Brasil também foi frustrante. Flamengo enfrentou um fraco Estudiantes, que ainda teve dois jogadores expulsos no decorrer do jogo. E Flamengo, mesmo com um golaço de Júnior, não conseguiu fazer melhor que um 1×1, um jogo eternizado na semana passada no Francêsguista. Para o jogo de volta, a torcida do Estudiantes prometia um inferno no estádio do Hurácan. “Mengo se prepara para a guerra” até escreveu o Jornal dos Sports um dia antes do jogo. Em 9 de outubro de 1991, o eterno técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Rogério, Wilson Gottardo, Piá; Zé Ricardo, Júnior, Marquinhos, Zinho; Paulo Nunes, Gaúcho.

Para o jogo, Flamengo tinha a volta de Júnior, que já veterano, foi jogar um amistoso de times Masters no Japão. Fez as 30 horas de voo para jogar na Argentina, para mudar o time do Flamengo. Como prometido, jogo começou tenso, com cantos da hinchada na arquibancada, com duelos disputados em campo, com pouco espaço para fazer o gol, até para chutar. A diferença podia se fazer nas bolas paradas. Júnior, sempre ele, cobrou bem um escanteio, Paulo Nunes desviou de cabeça na segunda trave, Wilson Gottardo chegou, mas chutou para fora. Estudiantes reagiu, aproveitando uma falha da defesa rubro-negra, mas Capria chutou só um pouco em cima do travessão.

Jogo seguiu tenso, com carrinhos duros e faltas às vezes nem apitadas. Jogo era difícil, até Júnior errava passes. Faltando 10 minutos para o final do primeiro tempo, Piá ganhou uma bola e lançou Zinho. O meia avançou com a bola nos pés, o zagueiro argentino recuou, tentando fechar o espaço. Na hora de chegar na grande área, Zinho fez o drible seco na esquerda e achou o pequeninho espaço entre o goleiro e a trave para abrir o placar. Até o final do primeiro tempo, muitas faltas, pouco futebol, mas o mais importante, Flamengo na frente, perto da classificação.

No início do segundo tempo, como era esperado, Estudiantes botou pressão e quase empatou. Piá quase fez gol contra, Trotta quase fez de cabeceio. Gilmar fez uma grande defesa e espalmou para escanteio. Na hora de jogo, o empate parecia questão de tempo. Flamengo finalmente teve um chute ao gol, Zinho fez grande jogada na esquerda e serviu Gaúcho. O chute de longe do centroavante foi desviado por um defensor argentino e não ameaçou a meta de Yorno.

Abro aqui um parêntese para falar de Gaúcho, artilheiro do campeonato carioca 1990 e da Copa Libertadores 1991 com o Flamengo. O atacante vivia uma grande fase e virou alvo dos próprios argentinos. Para a final do campeonato argentino de 1991, o Boca Juniors andava sem seu artilheiro e ídolo Gabriel Batistuta, que jogava a Copa América com a Albiceleste. Assim, o Boca resolveu conseguir o empréstimo de Gaúcho apenas para os dois jogos da final contra o Newell’s Old Boys de Marcelo Bielsa. Gaúcho disputou os dois jogos, sem fazer gol. Newell’s foi campeão na Bombonera e Gaúcho foi vaiado pela própria hinchada do Boca Juniors. O artilheiro e ídolo rubro-negro prometeu que terá sua vingança.

E chegou a hora da vingança. Zinho serviu Júnior ainda na parte do campo flamenguista. O Vovô-Garoto percorreu 30 metros com a bola no pé, com olho na movimentação dos companheiros e adversários. Júnior fez o passe na profundidade no momento perfeito para lançar o atacante. Já era meio gol. Ou até mais, considerando que a bola era agora nos pés de Gaúcho. O camisa 9 driblou o goleiro e chutou no gol vazio, a bola entrou mansamente no gol para o desespero dos argentinos, para a vingança de Gaúcho. “Melhor não poderia ter sido. Saio da Argentina com uma grande vitória, deixando um golzinho de recordação para eles” falou depois do jogo o vingativo, que ainda se tornará artilheiro da Supercopa Libertadores e do campeonato carioca na temporada. Flamengo sofreu na Argentina sim, mas saiu com a vitória e a classificação.

Porém, a viagem na Argentina não foi só de alegria, foi até de luto, com a perda precoce do argentino Doval. Foi ídolo no Flamengo e no Fluminense, daqui a pouco no Francêsguista, foi o “gringo mais carioca do mundo”. Em 1991, dividia seu tempo entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, entre os prédios portenhos e as praias cariocas. Aos 47 anos, ainda estava em plena forma, ganhou um torneio na Argentina com o Flamengo Masters, fazendo dois gols na final contra o Boca Juniors Masters. Uma semana depois, Doval encontrou o time rubro-negro num hotel de Buenos Aires depois da vitória sobre Estudiantes. Ressaltou seu amor pelo Flamengo e foi comemorar a classificação numa boate da cidade. E seu coração, dividido entre dois países, entre muitos torcedores e torcedoras, parou, deixando órfãos milhões de fãs. O time do Flamengo soube da triste notícia ainda na Argentina. Lembrou Júnior para GloboEsporte: “Eu era o único dali que tinha jogado com ele, que tinha alguma relação com ele. Eu tinha jogado com o Narciso e foi um choque, porque, quando a gente se preparava para a viagem, é que veio a notícia. Ficou todo mundo meio chocado, ele tinha estado com a gente lá no hotel”.

Na hora de Arrascaeta se aproximar de se tornar o maior artilheiro gringo da história do Flamengo, ultrapassando o próprio Doval, não podemos esquecer o ídolo argentino de cabelo loiro. Assim, fecho essa crônica doce e amarga com um trecho do Jornal dos Sports no dia de sua morte: “Raríssimos jogadores conseguiram encarnar tão bem a mística do Flamengo como o gringo Doval […] Poucos se identificaram tanto com a massa rubro-negra como ele. Cheirava ao povo flamengo e sempre deu tudo de si pelas vitórias. Era incrível como ele e a torcida se pareciam”.

Deixe um comentário

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”