Hoje a Seleção brasileira joga no Japão. Tem laços fortes entre os dois países, principalmente em São Paulo. Tem outra ligação evidente: o Japão e o Flamengo. Teve alguns jogos eternos na história do clube e no blog, o Mundial contra Liverpool claro, um jogo contra o Bayer Leverkusen para vencer a Copa Kirin 1988 com gol de Zico, e dois anos depois, uma goleada 7×0 contra a Real Sociedad.
E a ligação mais obvia ainda é Flamengo, Japão e Zico. Nosso Rei brilhou no País do Sol Nascente com o Manto Sagrado, depois quase fundou o futebol no Japão e virou Sakka no Kami-Sama, o Deus do futebol. Depois de três anos e muitos gols, Zico teve uma despedida no Japão, mais uma, depois daquela com a Seleção em 1989 e a com o Flamengo em 1990, outro jogo para eternizar aqui. Mas agora era a despedida definitiva, do futebol mesmo, aos 41 anos.
O jogo de despedida, mesmo que teve outro semanas depois, não podia ser melhor, entre o Kashima Antlers e Flamengo, dois times onde Zico é ídolo para sempre. O local é perfeito também, o estádio nacional de Tóquio, onde Flamengo marcou a história. A data também é especial, 21 de junho, dia em que Zico perdeu o pênalti contra a França na Copa de 1986 e exatamente um ano depois, fez um de pênalti no Fla-Flu, depois de meses de sofrimentos e lesões. Em 21 de junho de 1994, o técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Adriano; Henrique, Índio, Rogério, Marcos Adriano; Charles Guerreiro, Fabinho, Marquinhos, Nélio; Sávio, Charles Baiano.
Havia um outro sinal, o técnico do Flamengo era o Carlinhos Violino, um dos maiores ídolos do clube, primeiramente como jogador, depois como técnico. E na sua própria despedida de jogador, em 1970 no Maracanã, Carlinhos deu suas chuteiras a uma promessa de base, o Zico mesmo, então com 17 anos. Depois, os dois ganharam juntos o Brasileirão de 1987, Carlinhos de técnico e Zico já monstro consagrado. Agora se reencontravam mais uma vez no Japão.
Já fazia mais de quatro anos que Flamengo andava sem seu maior ídolo. Na despedida no Maracanã, repetindo o gesto de Carlinhos, Zico entregou suas chuteiras para Pintinho, um craque da base que infelizmente nunca vingou no profissional. Se Zico tinha um herdeiro, ele estava em campo no Japão, um craque de apenas 20 anos, um Diabo Loiro que virou Anjo, Sávio.
Sávio desfilou sua classe no estádio nacional com dribles e bons passes. Zico, no ápice dos 41 anos, jogava de mais longe, mais calmo, mas igualmente com muita classe. No primeiro tempo, numa triangulação, Sávio pegou de primeira com o pé esquerdo e venceu o goleiro japonês para abrir o placar. Logo depois, num bom passe de Zico, Alcindo quase empatou mas chutou para fora. Em seguida, Zico quase fez outra assistência sensacional, de trivela na profundidade, mas Hasegawa tocou na trave. Ainda no primeiro tempo, outra oportunidade de Zico conseguir uma assistência, mas agora foi a vez do goleiro rubro-negro Adriano de defender.
No segundo tempo, Sávio ainda aplicou sua classe com dribles desconcertantes, Zico com passes mágicos. Kashima chegou ao empate graças a um gol de Akita num falta cobrada por Alcindo, um garoto do Ninho que iniciou a carreira ao lado de Zico no Flamengo. Depois, Alcindo foi um dos muitos brasileiros que ajudaram Zico a desenvolver o futebol no Japão, que sediou a Copa do Mundo apenas oito anos depois.
No estádio nacional de Tóquio, palco da maior glória do Flamengo, estava escrito que a vitória seria rubro-negra. Numa jogada na direita, Sávio pegou de primeira, agora de pé direito, na gaveta, sem chance para o goleiro. Era o segundo gol do Flamengo, o segundo do Sávio. No seu canal, Zico lembrou do jogo: “Nosso querido Anjo Loiro meteu dois golaços pro Flamengo. Eu, lógico, como eu ia conseguir fazer gol contra Flamengo? Não tem menor condição”. Zico teve sua chance numa bela cobrança de falta, mas a bola apenas flirtou com a trave. Teve outra bela falta de Zico, agora com boa defesa de Adriano. Não tinha jeito Zico fazer gol contra Flamengo.
O jogo acabou assim, com vitória do Flamengo, dois gols de Sávio e muitas homenagens para Zico. O Galinho recebeu o título de cidadão de Kashima e a chave da cidade, honras que não vinham desde 1966 para um estrangeiro. Os prêmios foram entregues pelo Primeiro ministro do Japão, Tsutomu Hata. Basta dizer isso para mostrar toda a importância de Zico no Japão, que ficou até hoje divindade no país.
Em campo, Zico ainda teve tempo de retribuir o carinho ao Carlinhos e de o entregar sua camisa, 24 anos e 5 dias depois das chuteiras no Maracanã. E mais, na volta ao Brasil no avião, Zico, sabendo que era o ídolo do Sávio (e como não podia ser?), entregou para o jovem craque uma foto autografada dos dois durante o jogo. A partir dali, Sávio, que tinha feito apenas 5 gols em 39 jogos com o Flamengo, começou a se firmar no time e virou nos anos seguintes o ídolo das crianças rubro-negras. As chuteiras de 1990 no Maracanã eram muita responsabilidade para o Pintinho, o verdadeiro legado aconteceu aqui, entre o Japão e o Brasil, entre o estádio nacional de Tóquio e o Maracanã, entre Zico e Sávio, dos dois maiores camisas 10 e ídolos do Flamengo.








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