Ainda homenageando Doval, agora segundo maior artilheiro gringo da história do Flamengo atrás do Arrascaeta, volto para os primeiros encontros, os primeiros amores. Nos seus três primeiros jogos no Flamengo, a partir de abril de 1969, Doval passou em branco. Aliás, o time todo do Flamengo passou em branco. No quarto jogo, contra a Portuguesa, Doval fez um gol na goleada 4×1. Mas não há imagem do gol.
Doval chegou ao Flamengo para ser o sucessor de Garrincha, que decepcionou no Mengo. O argentino chegou com indicação do técnico Tim, que o conheceu no San Lorenzo onde era ídolo. No livro Doval, o ídolo do povo, Luciano Ubirajara Nassar escreveu: “Na sua chegada já se apaixonou perdidamente pelo Rio de Janeiro. Veio, viu e gamou. Um amor platônico tocou o seu coração de menino e mexeu com a sua alma aventureira e desbravadora. Algo muito forte aconteceu com ele. Nos primeiros treinos já demonstrou toda a sua força e talento. Nas partidas começou a mostrar a sua fibra e habilidade. Todos já perceberam que se tratava de um atacante que jogava em todas as posições do ataque indistintamente. E não reclamava. Se matava com a camisa rubro-negra”.
Nos seus inícios, Doval jogou dois clássicos, uma derrota contra Botafogo e um empate no Fla-Flu. Fez um gol contra a Portuguesa, no estádio Luso-Brasileiro. Sem imagem. O craque era promissor, mas ainda faltava um jogo marcante, até para limpar as dúvidas dos mais pessimistas, que não acreditavam em grandes jogadores argentinos, ainda mais sem jogar na seleção argentina, isso é outra história. Chegou o jogo contra Vasco, para fechar o primeiro turno do campeonato carioca. Época de estádios cheios, tinha 86.071 torcedores no Maraca, com dois terços de flamenguistas. Em 11 de maio de 1969, o técnico Tim escalou Flamengo assim: Domínguez; Murilo, Guilherme, Onça, Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto, Doval; Dionísio, Fio Maravilha, Arílson.
Vasco dominou o início do jogo, mas o goleiro argentino Domínguez salvou o Mengo. Vasco também tinha seu goleiro argentino, Andrada, que fazia neste jogo sua estreia pelo clube cruzmaltino. Andrada também salvou o Vasco num cara-a-cara com Fio Maravilha. Num outro duelo, o goleiro argentino derrubou Dionísio e cometeu o pênalti. Com tranquilidade, Rodrigues Neto pegou no contrapé Andrada que, meses depois, tomará, também de pênalti, o gol mil de Pelé.
No final do primeiro tempo, o time do Flamengo trocava passes curtos e a torcida pedia: “Mais um, mais um”. Foi prontamente atendida. Paulo Henrique fintou o chute de longe e deixou de trivela, do lado, para Liminha. O volante carregador de piano, que só vestiu a camisa do Flamengo na carreira, não pensou, pegou de primeira e mandou no fundo da rede. “Um chute igual aquele só acontece de 20 em 20 anos”, inclinou-se o ainda jovem técnico vascaíno e ídolo rubro-negro, Evaristo de Macedo.
No segundo tempo, Andrada saiu machucado e cedeu seu lugar ao Pedro Paulo. O time do Flamengo tomou ainda mais confiança e testou o goleiro reserva com chutes de longe, de Rodrigues Neto, Arílson, Liminha e Dionísio. Sem achar a rede. Doval, com a camisa 7, já desfilava em campo sua classe, sua técnica, também sua raça. Porém, também sem fazer gol. Fio Maravilha demonstrava sua habilidade, primeiramente com algumas embaixadinhas de joelho. Depois, com uma maravilha de passe para completar a tabelinha com o próprio Doval, que se aproximou do Pedro Paulo para o fuzilar, para matar o Vasco. Era o primeiro golaço de Doval no Maracanã, a primeira fusão com a arquibancada.
Escreveu o Ubirajara Nassar sobre o gol de Doval: “Chutou cruzado com força e direção e caiu nos braços do povo. Depois da corrida para concluir com precisão e definir o resultado ele aproveitou o embalo da emoção coletiva e foi comemorar com a geral com os braços erguidos. A famosa geral do Maracanã. Sua marca estava definida. Com raça, vigor e técnica conquistou o coração e o sentimento da torcida que clamava por novos ídolos. Nesse momento e instante do gol, nasceu o ídolo do povo. O povo sofrido da arquibancada e geral, o abraçou como a um filho. Ídolo de cara. Ídolo amado. Ídolo lapidado pelo destino. Agora Doval era o ‘Menino do Rio’”.
“3 a 0 ainda foi pouco” deixou na sua primeira página o Jornal dos Sports no dia seguinte. Muito era o potencial de Doval, de magia em campo e de amor na arquibancada, de aprovação do experiente técnico Tim, que declarou: “Se Doval fosse um blefe, eu jamais deixaria o Flamengo gastar tanto dinheiro para trazê-lo. Não tenho pretensão para agradar ninguém e, quando indico alguém, é porque realmente entende de futebol”. Tim entendia de futebol sim e ofereceu para a Nação um ídolo argentino para sempre.








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