Flamengo pode conquistar hoje mais um título na Arena MRV, casa do Atlético Mineiro, quase segunda casa do Mengo. Precisa da vitória e da ajudinha do Grêmio, vencendo o Palmeiras, aliás, exatamente o que aconteceu em 2019. Vamos então para um outro título do Flamengo no estádio do Galo, de apenas um ano atrás.
A competição era a Copa do Brasil, um dos últimos troféus que Flamengo conseguiu desde que voltou ao topo do futebol brasileiro. Campeão de quase tudo em 2019, bicampeão brasileiro em 2020, tricampeão carioca em 2021, o título da Copa do Brasil só veio em 2022. E eu estava no Maracanã para viver uma das minhas maiores alegrias num estádio de futebol. Nem sabia que dois anos depois, eu viveria outra enorme alegria, outra final da Copa do Brasil no Maracanã, com Gabigol calando o Galo, outra crônica na Geral do Francêsguista.
Quem me acompanha sabe que vivi um ano no Rio de Janeiro entre 2022 e 2023. Morava na Rocinha e ir ao Maracanã acompanhar o Flamengo era uma das coisas mais certas de minha rotina carioca. Em um pouco menos de um ano, fui 27 vezes ao maior palco do mundo, ver o maior time do mundo, fazendo parte da maior torcida do mundo. Em 2024, voltei no RJ para as férias, voltei na Rocinha e voltei duas vezes ao Maraca: um Fla-Flu frustrante e uma quase goleada em cima do Juventude. Teve um jogo extra, já mencionado, o jogo de ida da final da Copa, Flamengo 3×1 Atlético Mineiro, dois gols do predestinado Gabigol.
Pelo roteiro do primeiro jogo, estava quase certo que Flamengo ia ser campeão na Arena MRV. Só faltava saber onde eu ia assistir ao jogo. Na Rocinha, claro. Quando morava lá, quando não estava no Maracanã dia do Flamengo, estava na Rocinha, assistindo ao jogo com a Fla Atrevida, grupo de torcedor(a)s rubro-negr(a)s da maior favela da América. Eu me tornei grande amigo da presidente Paula Madeira. Foram inúmeros jogos do Flamengo, sorrisos e cervejinhas. Faltam-me palavras para descrever a bondade e a generosidade de Paula, e não é porque o português não é minha língua materna, mas porque sua alma rubro-negra é de outro mundo.
Quando voltei na Rocinha para as férias, não encontrei Paula durante as duas primeiras semanas. Quem frequenta a favela sabe que lá você encontra as pessoas por acaso, mesmo sem procurar. Mas não vi Paula. E dois dias antes do jogo de volta da final, destino da vida, vi Paula e Grécia, outro pilar da Fla Atrevida, na Via Ápia, principal entrada da Rocinha. Paula me chamou para o jogo na quadra da escola de samba da Rocinha. Local perfeito, tropa perfeita, apenas faltava a vitória, a taça.
Outro predestinado é Filipe Luís. Campeão da Copa Libertadores em 2019 e 2022 como jogador, já podia ganhar um título como técnico do Flamengo, um pouco mais de um mês depois de sua chegada. Já podia se eternizar na grande história do Flamengo, sendo uma espécie de Carlinhos dos tempos modernos. Em 10 de novembro de 2024, o técnico Filipe Luís escalou Flamengo assim: Rossi; Wesley, Léo Ortiz, Léo Pereira, Alex Sandro; Erick Pulgar, Evertton Araújo, Gerson; Arrascaeta, Michael, Gabigol.
Na minha Rocinha, cheguei bem antes do apito inicial, tempo de pegar a primeira cervejinha, de abraçar as amigas. Porém, Rio sendo Rio, o clima realmente esquentou apenas com bola rolando. E o primeiro susto chegou aos 13 minutos de jogo, com uma falta de longe de Hulk. Chutou forte claro, Rossi defendeu bem. Flamengo reagiu com um belo cruzamento de Gabigol, mas ninguém conseguiu colocar a bola na rede. Num outro chute poderoso de Hulk, Rossi fez outra defesaça. Flamengo quase tomou outro gol numa falha na saída de bola, mas Rossi ainda estava aqui para salvar o Mengo, preservar o 0x0.
No intervalo, apesar de um certo equilíbrio, Flamengo precisava fazer mais. Filipe Luís mexeu, com a saída de Gabigol para a entrada de Bruno Henrique. O que era pressentido virou oficial uma hora depois: era o último jogo do Gabigol no Flamengo. Saia do clube com números incríveis: 308 jogos e 161 gols, 12 ou 13 títulos, faltava uma hora para definir esse último número. Bruno Henrique, outro ídolo dessa geração multicampeã, logo assustou os atleticanos com a arrancada característica, mas parou no Éverson. Em outra chance, tentou o golaço de cobertura, ainda sem vencer Éverson.
Aos 65 minutos de jogo, Michael teve uma chance clara de gol. Porém, tentou um drible desnecessário sobre o goleiro e perdeu a bola. Filipe Luís mexeu de novo, com a saída de Michael para a entrada de Gonzalo Plata. Na Rocinha, fiquei um pouco frustrado. Queria o último gol de Gabigol e Plata não me convencia, fazendo apenas um gol nos seus 12 primeiros jogos com o Manto Sagrado. Mas é uma final, tem que respirar se possível, acreditar, gritar e pegar mais uma cerveja. Ao meu lado, notei que Paula não bebia, o que não era costume dela. Confesso que fiquei surpreso mas, para não ser indelicado, não fiz comentário ou pergunta sobre isso, apenas bebi mais uma.
Com o apoio do público e a obrigação da vitória, o Atlético Mineiro puxou para fazer um golzinho. Com inteligência e leitura de jogo, Filipe Luís fez o time jogar de contra-ataque e colocou em campo jogadores velozes. Faltando dez minutos de jogo, Alex Sandro roubou a bola nos pés de Alisson e lançou Bruno Henrique. O ponta puxou o contra-ataque e abriu na direita para Gonzalo Plata. Uma finta e bola perfeita na grande área para Alex Sandro, quase um gol. Comecei a comemorar, mas Alex Sandro não chutou bem e Éverson defendeu. Lembro que fiquei realmente chateado com o gol perdido, era a chance de acabar com o jogo. A falha deixava o Atlético Mineiro vivo e comecei a tremer uma reação. Um gol de Galo e o jogo se tornaria irrespirável.
E o gol atleticano quase chegou no minuto seguinte. Num escanteio curto, a bola passou perto do gol rubro-negro, Rossi falhou e quase vi o gol do Galo, quem sabe o título perdido. Mas só teve o gol perdido do Atlético. Na sequência da jogada, com a torcida do Galo ainda recuperando do lance, a torcida do Flamengo respirando aliviada, Bruno Henrique ganhou a bola, acelerou e lançou em profundidade Plata. No um contra um, conseguiu o drible de vaca e avançou na frente do goleiro atleticano. A Nação parou de respirar. E o equatoriano “limpou, entrou, bateu”. De cavadinha, Plata fez o gol de ouro, o gol do título. Não lembro quem falou que nessa arrancada tinha uma coisa de Renato Gaúcho contra o mesmo Atlético Mineiro, no gol eterno de 1987 no Mineirão. Foi bem isso, um gol calando a Massa, fazendo a alegria da Nação.
Na Rocinha, a comemoração foi até o apito final, até a efetivação do penta. Peguei a última cerveja, já com a ideia de voltar rapidamente na república onde estava hospedado. Lá, peguei meu livro Francêsguista, fiz uma dedicatória para Paula e a Fla Atrevida e voltei na quadra de samba. Ofereci o livro a Paula, que imediatamente caiu em lágrimas. Confesso que mesmo sabendo do lado emotivo dos brasileiros em geral e dela especificamente, fiquei surpreso. Apenas entendi depois. Ela me ofereceu em troca a camisa da Fla Atrevida e teve uma última foto, com sorriso sincero, olhos úmidos e coração cheio. Paula me convidou para a festa dos 3 anos da Fla Atrevida quatro dias depois, mas meu voo para a França estava marcado antes. Nós nos despedimos ali, com uma alegria que apenas Flamengo pode proporcionar.
Dez dias depois do título rubro-negro, de volta em Paris, recebi a terrível notícia: Paula tinha morrido de um câncer. Fiquei em choque e as lágrimas caíram no segundo seguinte. Até hoje tenho vontade de chorar. A saudade é grande, mas também tenho a gratidão de ter conhecido uma alma tão pura. Hoje, 25 de novembro de 2025, lembro que faz exatamente um ano que Paula nos deixou. E hoje, contra o mesmo Atlético Mineiro, tem a possibilidade de novamente ser campeão. Só vejo uma coisa do destino. Querida, descanse em paz, os próximos títulos do Flamengo serão para você também.









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