Times históricos #8: Flamengo 1983

Depois do ano de 1977 e do pacto dos jogadores, Flamengo ganhou a cada ano pelo menos um título: campeonato carioca em 1978, duas vezes o campeonato carioca em 1979, Brasileirão em 1980, carioca, Liberta e Mundial em 1981 e mais um Brasileirão em 1982. Muito difícil de ganhar tantos títulos em muitos anos seguidos, ainda mais com os mesmos jogadores, sem perder a fome de gols, de vitórias, de títulos. O fim dessa geração de ouro foi em 1983.

Flamengo começou o ano 1983 com mudanças no ataque, Tita foi emprestado no Grêmio e Nunes foi vendido no Botafogo. Do outro lado, chegaram Robertinho e Baltazar para apoiar Zico no ataque. O ano 1983 começou com o Brasileirão, e contra um adversário que voltaria a cruzar o caminho do Mengo, Santos. Baltazar e Zico fizeram os gols da vitória. Depois, Flamengo goleou Moto Clube 5×1 e Rio Negro 7×1 mas perdeu a liderança na última rodada, com a primeira derrota no campeonato, contra Santos. Na Copa Libertadores, estreou mal com nenhuma vitória nos três primeiros jogos. Depois, goleou Blooming 7×1 e Bolívar 5×2, mas não foi suficiente para tirar o primeiro lugar do Grêmio, único classificado do grupo para as semifinais. Na segunda fase do Brasileirão, de novo Flamengo foi no segundo lugar, mas agora classificado para a terceira fase.

Dessa vez, na terceira fase, Flamengo ficou na liderança com mais uma goleada, mais um jogo eterno, um 5×1 contra o Corinthians para a estreia do técnico Carlos Alberto Torres. Zico estava em dia de Zico, com dois gols e duas assistências. E a goleada foi pouca, com dois gols mal anulados de Júnior e Zico. O Rei Arthur estava em grande forma, tinha feito o gol 500 da carreira um ano antes, e brocou de novo nas quartas de final contra Vasco e na semifinal contra o Atlético Paranaense. Ninguém podia parar Flamengo, ninguém podia parar Zico, que foi pai pela terceira vez no início do ano e, mesmo com 30 anos, jogava com o mesmo brilho de sempre.

Ninguém podia parar Zico, ao menos o próprio presidente do clube, Antônio Augusto Dunshee de Abranches. O presidente fez a coisa mais absurda da vida, se separou do Zico. No livro Gigantes do futebol brasileiro de João Máximo e Marcos de Castro, Zico fala: “Eu não tinha o menor interesse em deixar o Flamengo, mas o presidente Antônio Augusto forçou a minha saída. Mostrou que na verdade não queria que eu continuasse no clube, porque existiu essa possibilidade, com a Adidas pagando as luvas de renovação de contrato, como se dispunha a pagar. Mas ele quis jogar para a torcida, invertendo as coisas e dizendo que eu é que estava forçando minha saída do clube”. Claro, a venda foi no sigilo, se não a torcida do Flamengo ia se revoltar, impossibilitar de qualquer maneira a saída de seu maior ídolo.

Antes, teve a final do Brasileirão, contra Santos, primeiro adversário da campanha. No jogo de ida, no Morumbi, com um publico impressionante de 114.761 torcedores, Santos abriu 2×0 antes do gol de Baltazar no final do jogo, um gol muito importante. Flamengo precisava agora de uma vitória de dois gols de diferença no Maracanã para conquistar um terceiro título brasileiro em 4 anos. Confiança dos torcedores, dos jogadores e do técnico Carlos Alberto Torres. O Capita falou depois do jogo de ida: “No Maracanã, podem ter certeza, não temos como perder para o Santos”. Confiança e para Zico, tristeza. As negociações com Udinese já eram concluídas, a transferência definitiva. Zico não era mais jogador do Flamengo. E só a diretoria e ele sabiam, não os outros jogadores, ainda menos a torcida. Imagina a emoção de Zico antes de pisar no Maracanã pela última vez com o Manto Sagrado.

Mas Zico é Flamengo para sempre, e também é extremamente profissional. Precisou de menos um minuto no Maracanã para abrir o placar, para a alegria dos 155.523 torcedores do Maracanã. Aliás, o maior publico da história do Brasileirão. Nunca teve tanta gente em qualquer estádio para um jogo do Brasileirão, e podemos dizer tranquilamente que nunca terá mais gente. De novo, imagina a emoção do Nosso Rei ao fazer o gol, balançar as redes talvez pela última vez com o Maior do Mundo. No final do primeiro tempo, o peixe-frito Leandro fritou o Peixe. Leandro fez um gol de cabeça, depois de uma falta de Zico. Leandro no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrosio Filho: “Foi muita emoção. A gente tinha perdido o primeiro jogo em São Paulo e precisávamos de dois gols de diferença. Nunca fui de fazer muitos gols, mas o Zico me dizia que, quando eu marcava, era sempre um gol importante. Foi o caso deste dia”.

Flamengo já era campeão, mas esse jogo merecia uma goleada, merecia mais um gol. E no final do jogo, Adílio, provavelmente o melhor jogador em campo nesse dia, fez um gol de cabeça depois de um show de Robertinho na ala direita. Flamengo 3, Santos 0, Flamengo tricampeão. Uma alegria para todo o Maracanã e uma mistura de emoções para Zico. “Dos jogadores que disputaram a final do Brasileirão só eu sabia que estava vendido. A direção do clube sabia, mas não vazou, nas deve ter vazado, ninguém da imprensa falou nada, ninguém tocou no assunto. O duro foi você ser campeão, ver a torcida gritando o teu nome e você sabendo que não ia ter mais aquilo, que aquilo tinha acabado, aí foi brabo. Foi assim que comemorei o título. Sabendo que era o último. Não passava pela minha cabeça que eu ia cumprir o contrato e voltar”, explica Zico no livro Zico 50 anos de futebol. Ao menos, Zico saiu, mas Zico voltou, como o que era, como campeão.

Dois dias depois do tricampeonato, o Jornal do Brasil anunciava a saída de Zico, pegando toda uma Nação de surpresa. Talvez ainda pior foi o destino, no pequeno clube de Udinese, longe dos grandes da Itália. Causou revolta na Itália e a federação bloqueou momentaneamente a transferência. Imagina agora a revolta da torcida do Udinese, que nunca esperou ter um craque como Zico no time deles. Os torcedores até ameaçaram de pedir separação da Itália e voltar ao domínio da Áustria se a transferência ficava bloqueada. Zico jogou no Udinese e quem ficou revoltada era a torcida do Flamengo. O presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches teve de pedir demissão diante da traição contra a Nação.

Sem Zico, sem seu melhor craque e seu maior ídolo, Flamengo estreou no campeonato carioca contra o pequeno Goytacaz com derrota. Também perdeu contra America, Americano e Campo Grande. Levou um 3×0 do Botafogo e foi goleado pelo Bangu, uma derrota humilhante por 6×2. Flamengo foi apenas no sexto lugar na primeira fase e se recuperou na segunda fase, ficando na liderança junto com o Bangu. No jogo de desempate, Flamengo conquistou a Taça Rio com uma vitória 1×0, gol de Adílio. Flamengo era no triangular final, com o próprio Bangu, que conquistou o maior número de pontos nas duas fases, e o vencedor da Taça Guanabara, Fluminense.

No primeiro jogo, empate entre Bangu e Fluminense. No segundo jogo, Flamengo perdeu o Fla-Flu com um gol de Assis no último minuto jogo. Há torcedores do Fluminense que consideram esse jogo uma decisão. Não foi. Flamengo estava fora do título, mas Fluminense ainda não era campeão. Precisava de uma vitória do Flamengo contra Bangu para ser campeão. E Flamengo deu o título ao Fluminense, é assim que aconteceu, com uma vitória 2×0, gols de Adílio e Tita, já de volta na Gávea. Uma decepção, que seria ainda maior com o roteiro de 1984, mas o maior drama do Flamengo em 1983 não foi a perda do carioca, mas a perda de Zico. A maior alegria, 155.523 pessoas a viram no Maraca.

4 respostas para “Times históricos #8: Flamengo 1983”.

  1. Avatar de Jogos eternos #29: Flamengo 1×1 Fluminense 1985 – Francesguista

    […] mim o segundo maior ídolo do Flamengo. Recentemente, escrevi um pouco sobre ele, na crônica sobre o time histórico de 1983, onde ele fez gol na final do Brasileirão contra Santos. No livro 6x Mengão de Paschoal Ambrosio […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #60: Flamengo 2×0 Goiás 1983 – Francesguista

    […] do jogo de hoje, uma lembrança do primeiro Flamengo x Goiás no Brasileirão, em 1983, um ano histórico, um ano de Flamengo campeão. No Brasileirão de 1983, com 44 times, Flamengo passou da primeira […]

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  3. Avatar de Jogos eternos #71: Flamengo 7×1 Rio Negro 1983 – Francesguista

    […] rebaixado do campeonato amazonense. Mas faz agora 40 anos que conquistamos o Brasileirão 1983, com um time histórico, e vale a pena falar sobre um jogo da […]

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  4. Avatar de Jogos eternos #100: Flamengo 1×1 Vasco 1983 – Francesguista

    […] O ano é histórico, 1983, com título e tudo. Já escrevi sobre o ano e sobre alguns jogos durante o Brasileirão, contra Rio Negro na primeira fase, contra Goiás e Corinthians na terceira fase. Vamos então na fase final, com um clássico dos milhões, um quarta de final contra Vasco. Flamengo tinha desejo de vingança, alguns meses antes, perdeu o jogo decisivo do campeonato carioca de 1982, 1×0 contra Vasco. […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”