O maior publico da história do futebol para um jogo entre clubes. Um Fla-Flu eterno, para 194.603 espectadores. O Flamengo não tinha vencido o campeonato carioca desde 1955. Flamengo tinha um time muito bom e um meio de campo de sonho com Carlinhos e Gérson. Mas era uma Era de ouro para o futebol carioca, com o Botafogo de Didi e Garrincha, o Vasco de Bellini e Vavá, o Fluminense de Waldo e Telê. Todos campeões, menos o Flamengo. No 15 de dezembro de 1962, Flamengo perdeu o jogo decisivo do campeonato carioca contra o Botafogo, Garrincha sendo o grande herói do jogo. Gérson, que já reclamava dos bichos fracos, foi ao conflito com Flávio Costa em razão de sua função no jogo, onde devia anular Garrincha, sem conseguir, anulando do mesmo jeito seu próprio futebol.
Ainda insatisfeito em 1963, Gérson foi mandado no próprio Botafogo e foi substituído no Flamengo pelo Nelsinho. No campeonato carioca, Flamengo perdeu na primeira fase contra o America e Bangu, e não perdeu mais depois. E no último jogo, precisava apenas de um ponto contra Fluminense para se sagrar campeão. Jogo aconteceu no 15 de dezembro de 1963, exatamente um ano após a derrota 3×0 na final contra Garrincha e Botafogo. Domingo, dia de futebol, o sábado tinha sido um dia de chuva. Esperança de nova chuva e de um publico modesto no Maracanã, mas no 15 de dezembro de 1963, Rio acordou lindo, acordou com sol, e todo mundo foi em direção do Maracanã. “O jogo começava às 15 h. Mas ao meio-dia já estava difícil para entrar. As pessoas se acomodam como podem, penduradas nos túneis de acessos às arquibancadas, sentando de lado entre os degraus, tem gente até na marquise […] Era mais do que um jogo. Daí o ar de Brasil x Uruguai. Era uma coisa que se julgava impossível no Maracanã. Mas aconteceu: via-se, subitamente, alguém escorregar por cima das cabeças da multidão compacta”, escreveu Mário Filho no Jornal dos Sports.
No Maracanã, 177.020 pagantes e 194.603 espectadores. Um número impressionante, nunca atingido antes, e nunca será depois. Esse número, só o Fla-Flu de 1963. E talvez tinha ainda mais que 194.603 espectadores, com uma invasão no Maracanã antes do jogo. Não relembro mais onde ouvi essa história, mas teve gente que estava bloqueada nos corredores do Maracanã, sem conseguir entrar na arquibancada, ainda menos ver o campo. Mas gente que estava lá, a maioria flamenguista. Com tanta gente, obviamente tinha torcedores ainda não ilustres, mas que serão a maior expressão do rubro-negrismo, Zico e Júnior. Relembra Júnior no livro Grandes jogos do Flamengo, de Roberto Assaf e Róger Garcia: “Eu estava no Maracanã naquele Fla-Flu de 1963. Vi o jogo todo nos ombros do velho Leovegildo, já que na arquibancada não conseguimos entrar e fomos para a geral. Eu tinha nove anos, e somente nos ombros dele eu poderia ver o jogo. Lembro-me que, na última bola, aos 45 minutos do segundo tempo, Escurinho, ponta do Fluminense, quase marca. Eu lembro que fechei os olhos e só escutei a galera delirando com o fim da partida e o time campeão. Começava ali a alegria de ser rubro-negro”.
Outro torcedor no Maraca, Radamés Lattari Filho, futuro técnico de voleibol, que fala no livro Carlinhos, de Renato Zanata e Bruno Lucena: “Minha estreia de verdade no Maracanã aconteceu no Fla-Flu de 63. Já tinha ido várias vezes ao estádio, mas este foi o 1° que eu realmente sabia do que se tratava. Durante o jogo, em diversos momentos meu pai falava: ‘Filho veja a elegância do Carlinhos’. Ele realmente foi um grande craque como jogador, treinador e como homem. Suas atitudes dentro e fora do campo sempre serviram de exemplo para diversas gerações.”. Carlinhos era o líder de um time escalado assim pelo Flávio Costa no 15 de dezembro de 1963: Marcial; Murilo, Luiz Carlos, Ananias, Paulo Henrique; Carlinhos, Nelsinho; Espanhol, Aírton, Geraldo e Osvaldo.
No 15 de dezembro de 1963, um jogo eterno no Maracanã, o primeiro Fla-Flu decisivo desde 1941 e as bolas na Lagoa. Flamengo precisava de um empate para ser campeão e recuou durante o jogo. Muita emoção no Maraca, mas nada de gol. Até o último minuto, e um lance de ouro para Escurinho, que podia oferecer o título ao Fluminense. Na frente dele, só a luz de campeão e o goleiro flamenguista, Marcial, 22 anos, quase um desconhecido, que tinha conquistado a vaga de titular durante o campeonato. E Escurinho ficou na sombra, Marcial defendeu o gol, ofereceu o título ao Flamengo. Quarenta e cinco anos depois, falou Marcial para Roberto Assaf: “Havia, naquela época, um conceito de que o time que jogava pelo empate acabava perdendo. O empate era nosso. E pelo menos daquela vez fomos campeões. Trata-se de um jogo absolutamente inesquecível. O Maracanã, com quase 200 mil pessoas, a torcida do Flamengo esperando um título que não ganhava desde 1955. Mas, apesar de tudo, eu estava tranquilo […] O jogo foi muito disputado, os dois times estavam no mesmo nível, e eu pratiquei pelo menos três grandes defesas. A que entrou para a história, e que ajudou a deixar meu nome na história, foi a do chute do Escurinho, quando o jogo estava acabando. A bola quicou e ele pegou de frente, tentando me encobrir. A torcida do Fluminense já ensaiava a comemoração, mas dei dois passos para trás, me estiquei e acabei com ela nas mãos. Joguei também no Atlético-MG, no Corinthians e até na Seleção Brasileira, mas o Fla-Flu de 1963 foi, sem dúvida, a partida mais importante da minha carreira. Em 1967, com 26 anos de idade, tive que optar entre o futebol e o curso de Medicina, pois a matrícula, trancada desde a minha ida para o Rio, perderia a validade, caso eu não voltasse à faculdade. E deixei a bola. Mas a lembrança daquela tarde jamais sairá da minha memória”.
Flamengo era o campeão da cidade, e todo mundo se curva ao campeão, até o mais tricolor dos escritores, Nelson Rodrigues: “Apesar dos trapos, da caspa e da sarna, o profeta é bem-educado. E, como tal, faz questão de cumprimentar a maravilhosa torcida rubro-negra. A solução do empate deu ao Flamengo o título. Ele é o campeão oficial da cidade. Pode sair por aí, tropeçando na própria faixa. Jamais o profeta ousaria discutir a legitimidade do campeonato que o clube da Gávea acaba de levantar”. Outro craque da caneta e da literatura esportiva, o botafoguense Armando Nogueira também eternizou o título do Mengo e a atuação de Marcial: “O Flamengo conquistou o título de campeão 1963 muito mais com os nervos do que com o coração. Os nervos do Flamengo foram os nervos do goleiro Marcial: o Fluminense atacava, penetrava, rolava a bola, fechava o cerco, chutava em gol e Marcial desmoralizava o gigantesco esforço do Fluminense com a simplicidade de um mineiro velho a pitar cigarro de palha nos fundos de uma fazenda”.
E ao lado do Marcial, o grande herói flamenguista foi Carlinhos. O herói e a explicação do sucesso rubro-negro, como foi escrito no Jornal do Brasil: “Não fossem a serenidade neurótica de Marcial e a eficiência técnica de Carlinhos, e o sistema defensiva do Flamengo ruiria, facilmente”. Flamengo tem o orgulho e a alegria de ter um ídolo como Carlinhos. No Jornal dos Sports, Álvaro Queirós também se curvou ao Carlinhos: “Carlinhos é um dos raros remanescentes do time rubro-negro à época em que Flávio Costa retornou a direção técnica do Flamengo, em 1962. Médio volante e grande responsável pela segurança do meio-campo da sua equipe, Carlinhos recebeu o apelido de Aranha tal a aparência de possuir mais de duas pernas, segundo os seus colegas, nas disputas de bolas com os adversários. Suas características essenciais, são a calma e a classe. Acadêmico, talvez seja o único sobrevivente dos volantes clássicos que o Brasil já conheceu. Marcador implacável, destruidor eficiente, dotado de rara habilidade no controle da bola, Carlinhos é chamado de craque das bolas limpas, dada a precisão dos seus passes”.
Fechando assim essa crônica com as palavras de Carlinhos, para Placar em 1970: “Mesmo que viva cem anos, não posso esquecer o 0 a 0 contra o Fluminense, em 63, quando fomos campeões. Foram minutos de tensão e luta. A própria torcida, normalmente tão barulhenta, só conseguiu gritar no fim da partida, e aí foi um carnaval na cidade inteira”. Infelizmente, Carlinhos morreu aos 77 anos, mas para nós flamenguistas, o Carlinhos Violino é eterno, dentre de outras coisas, por causa do Fla-Flu de 1963. E mais que Marcial e Carlinhos, mais que Flávio Costa e Espanhol, esse título foi da Nação. O jogo não eterno pelo 0x0, pelo fim do jejum de 8 anos, pelo 15o título carioca do Flamengo. O Fla-Flu de 1963 é eterno por causa da Nação, a alma do Maraca e o coração da geral, o Fla-Flu de 1963 é eterno por causa de 194.603 pessoas, a maioria louca de alegria após 90 minutos sem respirar. Vale então citar de novo Nelson Rodrigues, um tricolor derrotado, mas um tricolor que teve seu dia de Flamengo, maravilhado com a força da torcida, a energia de um Maracanã que viu o Maior ser o maior mais uma vez: “Que coisa linda, incomparável, a alegria dos rubro-negros. O seu berro, ao soar o apito final, comoveu o Maracanã em suas raízes eternas”.








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