Jogos eternos #67: Flamengo 4×1 Fluminense 1976

O Fla-Flu, o clássico mais charmoso do Rio, foi tudo no futebol. Já foi decisão do campeonato carioca, já foi mata-mata numa copa continental, já foi emoção no Brasileirão. Já foi recorde de público para um jogo entre clubes, já foi golaço de Leandro, já foi goleada na estreia do carioca com música de Zico, já foi goleada na despedida de Zico, já foi falta com a maestria do Vovô-Garoto Júnior, já foi virada com a maestria do Vovô-Garoto Júnior, já foi minha maior emoção num estádio, já foi tudo. E o maior clássico do mundo também tem o maior palco do mundo, o Maraca. O Fla-Flu é tudo, até amistoso vira clássico porque é, sempre foi, sempre será, o Fla-Flu.

No início de 1976, Fluminense vinha de um título no campeonato carioca e de um semifinal do Brasileirão. Não era apenas Rivelino no time, era Félix, era Carlos Alberto Torres, era Edinho, era Gil, era Paulo César. Era um timaço, era uma Máquina. E o presidente Francisco Horta resolveu trocar jogadores com os rivais do Rio. No Flamengo, foram Zé Roberto, Toninho e Roberto, goleiro. Do outro lado, saíram da Gávea para Laranjeiras o também goleiro Renato, Rodrigues Neto e o ídolo Doval. Com as também chegadas de Dirceu do Botafogo e Miguel Ferreira do Vasco, Fluminense era ainda mais Máquina. Era craque a cada linha, até no banco de técnico tinha craque, Didi. Do outro lado, Flamengo tinha Zico.

Zico festejou seu 23o aniversario quatro dias antes do Fla-Flu, e já era craque consagrado. Melhor jogador do Brasileirão 1974, artilheiro do carioca 1975, estreante da Seleção em 1976 com gol no Centenário, dois dias depois, um golaço de falta no Monumental. Zico era craque, era até par Nelson Rodrigues “o melhor jogador do mundo”. O grande dramaturgo Nelson Rodrigues era justamente o grande nome do pré-jogo, virou nome da Taça, para festejar o Dia do Cronista Esportiva. Era dia de festa no Rio, também dia de reestreia do Maracanã depois de dois meses de obras.

Antes do Fla-Flu, um amistoso mas a Taça Nelson Rodrigues, Flamengo começou o ano 1976 com outros amistosos, às vezes contra times fracos, às vezes contra os melhores times brasileiros, mas uma coisa não mudava, Flamengo não perdia. Até contra o Internacional campeão brasileiro 1975, Flamengo conseguiu o empate no Beira-Rio, gol de Zico. Foram 10 vitórias e 4 empates do Flamengo de 1976 antes do Fla-Flu. Mas a Máquina era tricolor e o Flu era o favorito do Fla-Flu. Mas Fla tinha Zico, outra máquina.

Outro detalhe, com a troca de jogadores, chegou no Flamengo o grande lateral-direito e saudoso Toninho Baiano. Assim, o jovem Júnior trocou a direita para a esquerda, melhorou o pé esquerdo, virou ídolo. No 7 de março de 1976, Carlos Froner escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano (Vanderlei Luxemburgo), Rondinelli, Jaime, Júnior; Merica, Geraldo, Zico; Paulinho (Caio), Luisinho Lemos (Tadeu), Luís Paulo. Fluminense, estava sem Rivelino, doente, mas com Carlos Alberto Torres, Edinho, Gil, Doval e Paulo César Caju. Era o favorito, mas toda máquina pode ser destruída.

Mesmo apenas um amistoso, o Fla-Flu do 7 de março de 1976 convenceu 87.529 pagantes a ir no Maracanã. Porque era show de bola, era show de craques, com o maior deles, Zico. E foi Zico que brilhou em primeiro, aproveitando da falha do antigo goleiro flamenguista Renato para abrir o placar. Foi o único gol do primeiro tempo. Mas Zico tinha ainda mais coisas para o segundo tempo. O gol de empate do Fluminense, de pênalti de Carlos Alberto Torres, não mudou nada, esse jogo, essa Taça Nelson Rodrigues, eram para ser show de Zico.

No meio do segundo tempo, começou o verdadeiro show de Zico, com um gol de falta, de qual a perfeição só pode ser comparada com a perfeição do próprio Zico. Uma falta de 25 metros, perfeitamente no meio, uma curva linda, uma bola perfeitamente na gaveta, uma explosão da geral, perfeitamente feliz. Jorge Ben, que já tinha imortalizado o gol de Fio Maravilha contra Benfica em 1972, imortalizava agora, dentro do Maraca, o sentimento de todo rubro-negro: “É falta na entrada da área, advinha quem vai bater, é o camisa 10 da Gávea”.

Cinco minutos depois, num chute firme, mais um gol de Zico. O terceiro dele no jogo, mas não o último. Nos últimos minutos do jogo, mais um golaço, um toque de calcanhar perfeito do craque e também saudoso Geraldo para o quarto gol de Zico, que assim se juntava ao Pirillo pelo Fla e ao Simões pelo Flu com jogador a fazer 4 gols num Fla-Flu. E até hoje, Zico é o único jogador a fazer 4 gols num Fla-Flu no Maracanã. Também uma palavra para Geraldo, que faleceria no mesmo ano de 1976 com uma operação considerada sem perigo das amígdalas. O Flamengo de 1978-1983 só não foi perfeito porque tinha a falta de Geraldo, não tão craque que Zico claro, mas craque como poucos.

Zico se tornava o grande nome do pós-jogo, o herói do Fla-Flu, o herói dos flamenguistas e o herói das capas de jornais, destaque para o Jornal dos Sports e seu “Que Zicovardia, pô!”. Mas gosto ainda mais da manchete da Manchete e de um simples “Zico 4 Flu 1”, porque existe uma foto de Zico lendo tranquilamente o artigo no café da manhã do dia seguinte. Mas como a atuação do Zico permitiu ao Flamengo de conquistar brilhantemente a Taça Nelson Rodrigues, fecho essa crônica com duas citações de Nelson Rodrigues, escritor de gênio e eternamente tricolor de coração, mas que nunca deu atenção aos idiotas da objetividade. A primeira, dois dias depois do Fla-Flu, sobre Zico: “Tenho dito e repetido que Zico é o maior jogador do mundo. Há os que negam, cegos pelo óbvio ululante. Mas, se a evidência quer dizer alguma coisa, não cabe dúvida, nem sofisma”. A segunda, sobre nosso eterno Flamengo: “Por onde vai, o Rubro-Negro arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com seu nome gravado no coração, a ponta de canivete. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”.

4 respostas para “Jogos eternos #67: Flamengo 4×1 Fluminense 1976”.

  1. Avatar de Ídolos #19: Zico – Francesguista

    […] gol de falta. Uma estrela amarelinha começava a brilhar. Duas semanas depois, fez 4 gols num jogo eterno contra Fluminense. “Zicovardia” manchetou o Jornal dos Sports. Nelson Rodrigues, jornalista tricolor mas longe de […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #81: Flamengo 3×2 Fluminense 2011 – Francesguista

    […] do Flamengo e 138 empates. Na verdade, um pouco menos, já que escrevi muito sobre o Fla-Flu: 1963, 1976, 1985, 1986, 1989, 1991, 1993 e 2017. Ainda assim, ficavam muitas, muitas […]

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  3. Avatar de Ídolos #22: Geraldo – Francesguista

    […] mais do Geraldo do que de mim” explica Zico. Geraldo ainda jogou muito com o Flamengo, como no eterno Fla-Flu de 1976, quando Zico fez 4 gols. E como Zico, Geraldo perdeu o pênalti na disputa contra Vasco na final da Taça Guanabara de […]

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  4. Avatar de Jogos eternos #209: Flamengo 3×2 Fluminense 2013 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] um jogo que eternizei muitas vezes aqui, por exemplo o 5×2 de 1972, o 5×3 de 2010, o 4×1 de 1976, o 2×0 de 2009, o 3×2 de 1993, o 3×2 de 2000, o 3×2 de 2011, muitas vezes […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”