Jogos eternos #72: Flamengo 4×0 Burnley 1957

Hoje, a Seleção brasileira joga na Espanha, em Barcelona. É a oportunidade para falar de um jogo do Flamengo em Barcelona, e não qualquer jogo, porque foi um jogo durante a inauguração em 1957 do Camp Nou, ainda hoje o maior estádio da Europa, com uma capacidade para quase 100.000 pessoas.

Flamengo não participou do jogo da inauguração, que foi entre Barcelona e Légia Varsovia, com uma vitória 4×2 de Barcelona e um gol de Evaristo, antigo ídolo do Flamengo. E foi justamente por causa das boas relações entre Barcelona e Flamengo, Evaristo tinha saído do Flamengo alguns meses antes para o Barcelona, que o clube rubro-negro foi convidado para um jogo amistoso, um dia depois da inauguração do Camp Nou. O Brasil ainda não era campeão do mundo, mas seu futebol já era muito respeitado, com um futebol alegre e ofensivo, cheio de malabarismo e de técnica. E Flamengo também era muito respeitado, por ter ganhado o tricampeonato carioca entre 1953 e 1955. Um gigante, tanto que Barcelona pagou Flamengo 8 mil dólares para vir na Espanha.

O adversário do Flamengo era um grande time, Burnley, um dos 12 fundadores da Liga Inglesa em 1888. Os ingleses, por ser os inventores das regras do futebol, eram os mais respeitados no futebol. E Burnley ganhou a Copa da Inglaterra em 1914 e o campeonato inglês em 1921. Escreve o Barcelona no seu site oficial em inglês: “Burnley, com uma impressionante time jovem, liderada pelo provavelmente maior jogador a vestir a camisa vinho tinto de todos os tempos, o norte-irlandês Jimmy McIlroy, estava disputando a supremacia da Inglaterra com Manchester United na época”. Aluns meses antes, já na Espanha, Burnley tinha goleado o campeão espanhol de 1956, o Athletic Club, com um 5×1 e três gols de McIlroy.

Por sua vez, Flamengo estava de reformulação no time. O técnico tricampeão carioca 1953-1955, o paraguaio Fleitas Solich, ainda estava lá, mas além da saída de Evaristo, Flamengo perdeu outros dois atacantes, Paulinho no Palmeiras e Índio no Corinthians. Mas Fleitas Solich não era chamado de Feiticeiro à toa, promoveu no time vários jovens, como Joubert e Milton na defesa e Moacir e Henrique no ataque. Dida, já ídolo do Flamengo com 3 gols na decisão do campeonato carioca 1955 contra o America, ganhava a plena titularidade. Para ir na Espanha, Flamengo conseguiu antecipar um jogo do campeonato carioca, vencido 4×1 contra o Bangu de Zizinho, e embarcou no Galeão com um voo de Air France, sem o capitão Dequinha, lesionado e substituído pelo jovem Milton, e sem o ídolo Joel, doente da gripe asiática e substituído pelo também jovem Luís Carlos. O Mengo embarcou também com os locutores Rui Porto e Jorge de Souza, que iam retransmitir o jogo para o Brasil.

Os jogadores do Flamengo desfilaram no Camp Nou com a bandeira do Brasil e um dia depois da vitória do Barcelona para a inauguração do estádio, Flamengo entrou em campo no Camp Nou, na época realmente novo. O feiticeiro Fleitas Solich optou por um 4-2-4 ainda pouco visto no futebol, mas que ia marcar a Seleção brasileira campeã do mundo um ano depois. Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Ari; Joubert, Pavão, Jadir, Jordan; Milton, Moacir; Luís Carlos, Zagallo, Dida, Henrique. No lado de Burnley, a maior estrela era Jimmy McIllroy, também líder da Irlanda da Norte, que tinha realizado uma sensação, eliminando a Itália e o Portugal no início do ano para se classificar para a Copa do Mundo 1958.

O jogo, apitado pelo espanhol Gómez Contreras, começou equilibrado, mas Flamengo pouco a pouco mostrou a força e a magia do futebol brasileiro. Na metade do primeiro tempo, num escanteio curto, Luís Carlos abriu para Zagallo, que cruzou perfeitamente na cabeça de Dida para fazer o primeiro gol do Flamengo. Três minutos depois, o contrário. Moacir, que era tão bom que quase tirou Didi do time titular da Seleção de 1958, driblou um jogador e deixou para Dida, que avançou um pouco e abriu na esquerda para o chute poderoso e cruzado de Zagallo, que estufou as redes. No intervalo, Flamengo 2×0 e o ídolo Dida aplaudido a cada jogada.

No segundo tempo, Burnley tentou reagir, mas numa jogada boba, Winton não percebeu que seu goleiro estava avançado e fez o gol contra tentando dar um passe em recuo. Flamengo fez um quarto gol, de Luís Carlos após jogada de Moacir, mas o juiz o anulou por uma suposta mão de Luís Carlos. O quarto gol do Flamengo finalmente chegou a 15 minutos do final do jogo, um golaço de Henrique, que driblou vários defensores, goleiro incluído, antes de decretar o placar final: Flamengo 4×0 Burnley. Infelizmente, não tem registro desse gol, apenas da imprensa espanhola e do Mundo Deportivo, que escreveu no dia seguinte: “O time do Flamengo se move com facilidade pelo campo, e com um sentido tático que nos impressiona […] A vitória brasileira foi mais uma prova de que os ingleses já não são mais os donos do belo jogo”. Parece exagero, mas talvez o Brasil começou a ganhar sua primeira Copa do Mundo ali, no Camp Nou, com essa atuação magistral do Flamengo sobre os poderosos mas derrotados ingleses.

Flamengo voltaria duas vezes ao Camp Nou com mais dois jogos eternos, uma vitória 2×0 em 1962, com dois gols do ídolo Dida, e uma derrota 4×5 em 1968 na final da terceira edição do troféu Joan Gamper. Flamengo em Barcelona é sempre um show à parte.

3 respostas para “Jogos eternos #72: Flamengo 4×0 Burnley 1957”.

  1. Avatar de Ídolos #28: Zagallo – Francesguista

    […] 3×3 no Maracanã. Zagallo não brilhou só no Rio de Janeiro, também fez gol na Europa, na vitória 4×0 contra Burnley no Nou Camp, um jogo eternizado no Francêsguista. No Torneio Rio – São Paulo 1958, Flamengo goleou Botafogo 4×0 e Zagallo jogou muito. […]

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  2. Avatar de Ídolos #31: Dida – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] 6×4 e 5×3 e na derrota 4×6. Outros tempos do futebol. Em outro jogo internacional, na inauguração do Camp Nou contra Burnley, também jogo eterno no Francêsguista, Dida abriu o placar de cabeça para uma vitória 4×0 do Flamengo. No final do ano, fez em um […]

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  3. Avatar de Times históricos #28: Flamengo 1968 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] Depois de alguns amistosos no Brasil, muitas vezes sem a presença de Silva Batuta por causa de dores musculares, Flamengo estreou na Taça Guanabara com vitória 2×1 sobre o America, gols de Silva e Luís Carlos. Numa época ainda sem Brasileirão, a Taça Guanabara era uma competição à parte do campeonato carioca e tinha muito prestígio, ainda mais para um clube que não vencia o campeonato carioca desde 1965. O que também tinha prestígio era as excursões no exterior, ainda mais depois da Copa do Mundo 1958 conquistado pelo Brasil na Suécia. Dez anos depois, Flamengo foi na Europa e voltou na Espanha, onde jogava quase todos os anos desde 1957, quando participou da inauguração do Camp Nou contra Burnley, um jogo eterno no Francêsguista. […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”