Ídolos #18: Renato Abreu

Ídolos #18: Renato Abreu

Eu comecei a acompanhar o futebol brasileiro e Flamengo em 2005 e apesar da situação difícil do Flamengo, o time estava muito bem servido de ídolos. Claro, o maior para mim era Obina, mas ainda tinha Zinho, Ibson e foi o ano da chegada de dois outros ídolos, Léo Moura e Renato Abreu.

Carlos Renato de Abreu nasceu no 9 de junho de 1978 em São Paulo e começou sua carreira em clubes de Santa Catarina, a começar pelo Marcílio Dias, onde foi expulso no seu primeiro jogo profissional. Jogou no Joinville, ainda no Santa Catarina, e depois voltou no futebol paulista, em União Barbarense e em seguida Guarani, onde, para seu primeiro jogo com o time, fez dois gols contra… Flamengo, no Maracanã, num 3×3 na Copa do Brasil de 2000.

Em 2001, Renato chegou no Corinthians, onde conquistou vários títulos, fez gol olímpico contra Palmeiras e, sem ser ídolo, chegou ao Flamengo em 2005. “Quando cheguei ao Flamengo, meu objetivo era vestir a camisa com o maior orgulho e carinho. Lembro que na primeira entrevista disse que eu não podia prometer títulos, mas que prometia vontade de vencer o tempo todo, brigar pela vitória, e isso não ia faltar nunca”, falou Renato Abreu em 2013 para GloboEsporte. Por causa da presença do jovem Renato Augusto no elenco, Renato virou Renato Abreu. E ainda mais, virou ídolo. Camisa 11, Renato Abreu fez seu primeiro gol com o Manto Sagrado num clássico contra Botafogo no campeonato carioca. O segundo, contra Friburguense, veio de pé direito, o terceiro, contra Coritiba, veio de uma falta de longe, de um chutaço de pé esquerdo. As faltas foram a principal caraterística do Renato Abreu. Por isso, e para sempre, é ídolo do Flamengo.

Impressionante o número de grandes batedores de falta no Brasil. Didi, Pelé, Pepe, Rivelino, Nelinho, Marcelinho, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Ronaldinho Gaúcho e claro, obvio, Zico. Mas, tem uma coisa evidente, no Brasil, e no mundo inteiro também, o grande batedor de faltas teve a tendência de sumir nos últimos anos. Então Renato Abreu é um dos últimos sobreviventes, faz parte de uma espécie em vias de extinção. Uma falta para o Flamengo na época do Renato Abreu tinha muito mais emoção do que hoje, por causa do Renato Abreu. E qualquer falta, Renato Abreu podia fazer gol de falta de 16 até 40 metros de distância.

Mas Renato Abreu não foi só faltas. Podia recuperar a bola nos pés do adversário, tinha boa técnica, podia fazer passes na frente e claro, podia chutar de longe. Não foi só faltas, foi também chutaços de longe, só golaços. Era o coração do time e ele foi uma das únicas satisfações do Flamengo em 2005, sendo artilheiro do time, mesmo jogando no meio de campo. E em 2006, de novo ele foi artilheiro do time, com a marca impressionante de 19 gols. E mais, ele fez contra São Caetano um doblete com dois golaços de falta. E ainda mais, contra Fluminense, quando Flamengo estava num jejum de dois anos e meio sem vitória no Fla-Flu, Renato Abreu fez, de novo, dois golaços de falta e Flamengo goleou. E mais importante, Renato Abreu foi artilheiro do Flamengo na Copa do Brasil, fazendo na semifinal o gol da virada contra Ipatinga, vencendo a final conta Vasco. Agora, Renato Abreu não era mais só coração do time, só artilheiro, era também, par a eternidade do Clássico dos Milhões e para os 35 milhões de flamenguistas, campeão nacional com o Flamengo.

Comecei a acompanhar o futebol brasileiro em 2005 mas realmente comecei a assistir aos melhores momentos de todos os jogos do Flamengo em 2007. Então, o campeonato carioca 2007 foi minha primeira competição mais ou menos ao vivo, e adorei, do início até o fim. Quase todos os jogadores do time viraram meus ídolos., ao menos durante um momento. Bruno, Léo Moura, Ronaldo Angelim, Juan, Claiton, Renato Augusto. E Renato Abreu. A final contra Botafogo foi surreal, um Maracanã lotado, cheio, pronto para se inflamar. E Renato inflamou o Maraca, com um gol de pênalti e uma comemoração do Urubu-Rei que o inscrivia ainda mais na galera dos ídolos rubro-negros, uma comemoração que o eternizava no Flamengo. Vale a pena ler as lembranças de Renato Abreu sobre o Urubu-Rei: “Sempre gostei das comemorações do Viola. Sempre. Acho que era uma coisa que ele representava bem a alegria do torcedor em campo. Saímos comemorando quando marcamos o gol, mas não sabemos a dimensão daquilo para o torcedor lá em cima. Eu era muito torcedor de arquibancada. Ia sempre para os estádios torcer pelo Santos com meu pai e vibrávamos muito, de todas as formas. Nas peladas, a gente imitava o Viola. Quando cheguei no Flamengo, vi que o carioca, o Maracanã tinha muito isso. A geral, onde ficava todo mundo correndo, tinha muita gente fantasiada. Era anjinho, Popeye… Na véspera da final de 2007, contra o Botafogo, estava falando com minha esposa no telefone e pensei: ‘Poxa, queria fazer algo de diferente’. Tinha umas máscaras em casa para brincar com minha filha. Comprei de cachorro, ratinho, elefante, tigre, e tinha uma de galinha. Eu falei com ela: ‘Amor, pega aquela máscara de galinha, pinta de preto e faz uma de urubu para mim. Você é inteligente’. Ela cortou a crista da galinha, costurou, fechou e pintou. Como era de borracha, não tinha problema de colocar no calção. Ninguém estava sabendo. Fui para o estádio já com a máscara na cueca. Na hora de me trocar, botei a toalha, disfarcei, ajeitei e fui para o jogo pensando: ‘Vamos ganhar e vou fazer gol para ser campeão e comemorar com a máscara’. O Botafogo fez 1 a 0, fez 2 a 0 e pensei: ‘Já era’. Até que tabelei com o Souza pelo meio, driblei o goleiro e sofri o pênalti. Peguei a bola para bater o pênalti e pensei: ‘Não quero nem saber, vou comemorar como pensei’. Fiz o gol e botei a máscara. Renato Augusto ficou olhando assustado, o Souza… E vi que a galera levantou, incendiou o jogo, empatamos e fomos campeões nos pênaltis. Aí virou marca registrada. Lembro que subi na trave, comemorei o título, começaram a chamar de urubu, eu batia asa”.

Quatro dias depois da final, Renato Abreu brilhou muito no jogo de volta das oitavas de final da Libertadores, depois de perder 3×0 no jogo de ida contra Defensor. Como capitão, liderou o time e fez mais um doblete, um chutaço de falta na gaveta para começar, e depois mais um golaço de fora da área, agora um chutaço com bola rolando, na gaveta de novo. Infelizmente, não foi suficiente e Flamengo foi eliminado apesar da vitória 2×0. Foi uma mistura de decepção e de orgulho, orgulho do Maracanã e do time, que lutou muito para a classificação que não veio. Renato ainda jogou alguns jogos do Brasileirão de 2007, fez mais um doblete, contra Sport, de pênalti e de gol olímpico, o Rei das bolas paradas, de qualquer jeito, principalmente de faltas, o Urubu-Rei, Renato Abreu.

Infelizmente, Renato Abreu saiu do Flamengo nos meados do ano de 2007 para Al-Nasr, nos Emirados Árabes Unidos. Não relembro com certeza, mas acho que fiquei muito chateado com a saída dele, ainda mais para o Oriente Médio. Ainda descobria o futebol brasileiro e achava que todo mundo amava o Flamengo igual eu, que os dirigentes e jogadores estavam aqui para o Flamengo, apenas o Flamengo. A realidade é bem longe disso, e hoje entendo a escolha dele, mas não fui o único a ficar chateado, como fala o próprio Renato Abreu no GloboEsporte sobre a despedida dele da Gávea: “Chorei muito. Despedida é muito triste. Ainda mais quando se cria um laço de amizade forte no clube. E não só com jogadores, mas todas as partes. Roupeiro, massagista, dirigente, torcedor… Deixei uma marca importante. Fiquei feliz porque todos também sentiram. Quando somos queridos, acabamos retribuindo de alguma forma. Além de deixar o país, o clube, deixei vários amigos. Lembro que uns três jogos antes de sair para os Emirados eu tive uma proposta do Bordeaux, mas ninguém sabia. Um repórter até comentou e eu respondi que não sabia de nada. No jogo seguinte, contra o Grêmio, o time estava muito mal e a torcida, não sei se estavam revoltados porque eu ia deixar o Flamengo, pegava no meu pé. Eu pegava na bola e me vaiavam”.

E finalmente, Renato Abreu voltou na Gávea, em 2010, com a ajuda de Zico, na época diretor de futebol do Flamengo. A segunda passagem, como acontece muitas vezes, foi menos convincente, mas o Urubu-Rei, proibido de fazer essa comemoração, o futebol virando cada vez menos engraçado, ainda fez alguns bons jogos e foi um líder do time, até podia orientar a maior estrela da época, Ronaldinho. De novo Renato Abreu, sobre um gol do Bruxo contra o Galo: “Lembro que ali ele fez um gol e a torcida pegava muito no pé dele há alguns jogos. Não tinha aquele laço de amizade tão forte com o Ronaldinho, mas é um cara totalmente do bem, superamigo, gente boa. No vestiário, falávamos que ele que faria a diferença. Nesse jogo, ele fez o gol e ia fazer algum gesto. Na hora, eu abracei, peguei pela cabeça e falei: ‘Não faz nada porque você é grande’. Por ser mais velho no Flamengo, acho que ele escutou. O carinho dele pelo clube também era grande. É algo momentâneo. Muitos jogadores fizeram isso, esse tipo de comemoração. São coisas de segundos. O torcedor está revoltado lá em cima e nós, às vezes, nos revoltamos também pela derrota e pela luta em campo. Na maioria das vezes, tentamos acertar”.

Renato Abreu ganhou mais um campeonato carioca, o de 2011, de forma invicta, ainda fez alguns bons jogos, até estreou com a Seleção brasileira com 33 anos num jogo contra a Argentina. Teve depois algumas lesões, teve até cirurgia no coração, mas Renato Abreu voltou e ainda marcou gols com o Manto Sagrado. Na despedida de Petkovic, Renato Abreu fez gol de falta, olha o tamanho da personalidade de Renato Abreu e da homenagem ao Pet. Renato Abreu ainda fez um doblete contra Fluminense e mais um doblete de falta contra Campinense, na Copa do Brasil de 2013. Mas Renato Abreu não viu a final dessa campanha vitoriosa, porque saiu antes. Na verdade, foi mandado embora pelo Flamengo. Entre um jogador e o Flamengo, eu sempre vou do lado de meu clube. Às vezes, eu acho que sou muito fã de um jogador do Flamengo, mas quando ele sai do clube, eu não ligo, fico frio, tanto faz, acabou, obrigado e que vem o próximo. Flamengo sempre é o mais importante. Mas acho que no caso de Renato Abreu, a diretoria errou e o tratou de uma forma deselegante. Algumas semanas antes de ter seu contrato rescindido pela diretoria, Renato Abreu falava isso para GloboEsporte: “Não me vejo em outro clube porque criei uma identificação muito grande, muito forte. Não sei nem como falar. Tenho um dia a dia no clube, olho as categorias de base, os funcionários, procuro falar uma coisa ou outra. Nunca me vi fora do Flamengo. Claro que não sabemos do futuro, mas não penso em sair do Flamengo. Só se me tirarem. O laço é forte. Minhas filhas eu nem preciso fazer força para falar que torcem. Quero viver aqui muitos e muitos anos ainda. Não sei quanto tempo ainda vou jogar. Talvez dois, três anos…”

Infelizmente, o futebol é assim, às vezes cruel. Depois, Renato Abreu, que encerrou a carreira alguns meses depois no time da infância, Santos, entrou em justiça contra o Flamengo, faz também parte do futebol profissional. O presidente da época, Eduardo Bandeira de Mello, falou na época: “O afastamento dele foi uma decisão do departamento de futebol, foi uma decisão técnica. Em que se entendeu que não seria mais interessante contar com ele no elenco. Tenho o maior respeito pelo Renato Abreu. Eu considero que, talvez, ele seja o melhor cobrador de faltas do Brasil. Ele tem uma história no Flamengo que deve ser respeitada. Eu tenho certeza que ele não está sendo desrespeitado pela diretoria do Flamengo”. No final, as duas partes acertaram as contas em 2015. Ficam desse jeito os títulos, duas vezes a Copa do Brasil e duas vezes o campeonato carioca, fica o Urubu-Rei, ficam os números: 271 jogos e 73 gols, o último, de calcanhar contra o Athletico Paranaense. Eu conheço o número de 73 gols de coração e cabeça porque durante muito tempo, Renato Abreu foi o maior artilheiro do Flamengo do século XXI. Por isso e por muitas outras coisas, Renato Abreu é um dos maiores ídolos da história do Flamengo.

8 respostas para “Ídolos #18: Renato Abreu”.

  1. Avatar de Jogos eternos #91: Paysandu 1×4 Flamengo 2005 – Francesguista

    […] início do segundo tempo, num longo lançamento, Renato Abreu, outro ídolo que chegou nesse ano de 2005, fez um domínio de craque, um drible curto para abrir o ângulo no […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #98: Corinthians 1×2 Flamengo 2001 – Francesguista

    […] Do outro lado, o Corinthians, bicampeão brasileiro em 1998 e 1999 e campeão mundial 2000, também não estava bem no campeonato, com apenas 6 vitórias em 17 jogos. Um duelo de gigantes, mas com dois times em dificuldade. No 14 de outubro de 2001, o eterno Zagallo escalou Flamengo assim: Júlio César; Alessandro, Gilmar, Leonardo Valença, Cássio; Jorginho, Carlinhos, Vampeta, Beto, Petkovic; Reinaldo. Para o Corinthians, três pentacampeões do mundo, Dida, Ricardinho e Luizão além de Vanderlei Luxemburgo no banco e um ídolo flamenguista no meio de campo, Renato Abreu. […]

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  3. Avatar de Jogos eternos #151: Flamengo 2×0 Emelec 2018 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] de Flamengo. “Já teve Zico, já teve Pet, já teve Júnior”, adiciono Marcelinho Carioca e Renato Abreu, todos ídolos na história do Flamengo e no Francêsguista. Em 2018, para a bola parada, Éverton […]

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  4. Avatar de Times históricos #27: Flamengo 2007 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] Juninho Paulista, Renato Abreu, Renato Augusto; Obina. Flamengo ganhou 2×0, com gols de Renato Abreu e Obina, que já eternizei na categoria dos ídolos no blog. Renato Abreu fez um gol de pênalti […]

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  5. Avatar de Ídolos #34: Kléberson – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] do Brasileirão. Ainda fez um gol, num amistoso contra a Seleção do Piauí, com assistência de Renato Abreu, outro ídolo que brilhou muito na década de 2000, não tanto na década de […]

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  6. Avatar de Jogos eternos #200: Flamengo 4×1 Fluminense 2006 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] perigo porque Renato bate forte”. Não Renato Silva, não Renato Augusto, de falta, só tinha um, Renato Abreu, um ídolo no Flamengo e no Francêsguista. Renato Augusto beijou a bola e a entregou para Renato Abreu. Ele já sabia, como todos nós, eu […]

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  7. Avatar de Jogos eternos #252: Flamengo 4×1 Madureira 2007 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] No final do jogo, Claiton, adorava o jogo dele, a raça dele, conseguiu o pênalti. Na cobrança, Renato Abreu, outro jogador que me fascinava, exaltava meu rubro-negrismo. Renato Abreu partiu na velocidade, chutou forte no canto, o goleiro […]

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  8. Avatar de Ídolos #43: Ronaldo Angelim – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] se arrependeu da escolha. No seu primeiro jogo, já fez gol de cabeça num cruzamento de outro ídolo do Flamengo, Renato Abreu. No quinto jogo, no seu Nordeste amado, fez mais um gol, de novo, ainda, sempre, vindo de um […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”