Por uma vez, não tive nenhuma dúvida na hora de escolher a lembrança de um Santos x Flamengo. Só apareceu um, o Santos x Flamengo de 2011, um dos maiores jogos da história do Brasileirão, se não o melhor. Como o Flamengo x Vasco de 2001 sobre qual escrevi há pouco, todo mundo que assistiu ao jogo relembra onde era, de tanto alucinante era esse jogo. E quem foi na cama no 3×0 de Santos, se levantou no dia seguinte muito arrependido. E quem não assistiu ao jogo, ficou tanto alucinado que o próprio jogo ao ver o placar, até duvidando da realidade. Foi um jogo de sonho, foi uma obra de Deus, nenhum romancista poderia ter escrito um roteiro tão incrível.
Infelizmente, não assisti ao jogo desde a França, em Troyes mais precisamente. Jogo meio da semana, meio da noite, com trabalho no dia seguinte, não podia assistir. Mas já era um jogaço antes da bola rolando, entre nosso Flamengo e Santos, que tinha conquistado a Copa Libertadores um mês antes, com uma grande atuação de Neymar. Com 19 anos, Neymar era a maior promessa do Brasil, aliás já era realidade, desde talvez Ronaldinho, que brilhou igualmente aos 19 anos num GreNal contra Dunga e depois com a camisa amarelinha. E Ronaldinho vestia justamente o Manto Sagrado nesse ano de 2011 depois de conquistar tudo na Europa. Ganhou o campeonato carioca de maneira invicta, mas o início de Brasileirão, sem ser ruim, era longe do nível do craque que ele foi no Barcelona. Mas o craque é craque para sempre, e pode brilhar a qualquer momento, ainda mais quando tem um outro craque do outro lado do campo, um duelo particular nesse Santos x Flamengo, um duelo de gerações também entre Neymar e Ronaldinho.
Outro duelo desse Santos x Flamengo ficou no banco com dois dos maiores técnicos da história do futebol brasileiro, Muricy Ramalho para Santos, que tinha vencido 4 vezes o Brasileirão, o último um ano antes com Fluminense, e Vanderlei Luxemburgo e seus 5 títulos do Brasileirão, o último em 2004, justamente com Santos. Dois técnicos que gostam do jogo limpo, de um futebol ofensivo, cheio de gols. No 27 de julho de 2011, Vanderlei Luxemburgo escalou Flamengo assim: Felipe; Léo Moura, Welinton Silva, Ronaldo Angelim, Júnior César; Willians, Luiz Antônio, Renato Abreu; Ronaldinho, Thiago Neves, Deivid. Vale a pena também anunciar a escalação toda de Santos, que não ganhou a Libertadores só com o talento de Neymar, tinha também um timaço com grandes jogadores em cada linha: Rafael Cabral; Pará, Edu Dracena, Durval, Léo; Arouca, Elano, Ibson, Ganso; Neymar, Borges. Um jogaço, antes do jogo eterno.
E o Santos x Flamengo de 2011 não esperou muito tempo para se inscrever na eternidade. Com 5 minutos de jogo só, um drible de vaca de Neymar, um outro drible sobre Luiz Antônio e bola para Elano, com um passe preciso para Borges, com bom domínio e finalização também precisa. Já um golaço e Santos na frente. E com 15 minutos de jogo, novo golaço, que começou com um passe errado de Renato Abreu para Neymar, que procurou a tabelinha com seu melhor parceiro no Santos, Ganso. Neymar recebeu de volta, invadiu a grande área com a facilidade dele, e quase conseguiu a cavadinha. Felipe defendeu, mas Neymar era craque, sempre é craque, e de costas ao gol, teve a inteligência de fazer uma bicicleta em dois tempos, talvez diretamente para o gol, mas no final para Borges fazer o doblete, para fazer a alegria dos 12.968 espectadores na Vila Belmiro. E cinco minutos depois, mais alegria na Vila, com um dos gols mais perdidos da carreira de Deivid, que perdeu muitos gols feitos, sozinho no gol vazio depois de bom cruzamento de Luiz Antônio, tocou do pé esquerdo no pé direito, fora do gol. Inacreditável, tanto incrível que o próprio jogo.
E cinco minutos depois, o golaço dos golaços, a obra de arte de uma obra de arte, o gol Puskás de Neymar. Talvez nem vale a pena descrever o gol de tantas vezes a gente assistiu. Passou entre Willians e Léo Moura, “a facilidade de Neymar, levitando o jogador de Santos”, achou em pivô Borges, que devolveu a Neymar para o golaço, a obra de arte, a pintura. Um drible desmoralizante, a palavra parece ser inventada para esse drible, sobre Ronaldo Angelim, um drible de vaca com a sola, e um toque leve para tirar Felipe da jogada. Um golaço. Santos 3×0 Flamengo na Vila Belmiro. Talvez alguns flamenguistas foram dormir depois desse gol. Acontece, o que não acontece mais é esse Santos x Flamengo. Mas eles já estavam errados, o jogo já era jogaço, com golaços só.
E Flamengo reagiu em apenas 3 minutos, com o gol menos golaço do dia, mas uma jogada bem construída, Renato Abreu no meio de campo abriu na direita para Léo Moura, que achou até a linha de fundo Luiz Antônio, que cruzou. Rafael falhou, Ronaldinho não perdoou e fez seu sexto gol do Brasileirão em 11 jogos. Bons números, mas a torcida flamenguista esperava ainda mais genialidade do Ronaldinho Gaúcho. Pelo menos por uma noite em Santos, a torcida ia ter o que ela queria. E dois minutos depois, Flamengo inflamou o jogo, que virou do possível ao impossível, com mais um gol bem construído. Um chapéu de Renato Abreu, uma bola para Deivid que, com inteligência, abriu na direita para Léo Moura. O cruzamento foi ótimo, a chegada de Thiago Neves também, que descontou com uma cabeçada, Santos 3×2 Flamengo.
Nessa altura, já era jogaço, com tanta bola rolando tinha pouco tempo para os replays das jogadas, não tinha câmera lenta para um jogo tão rápido, tão cheio de jogadaças. Na esquerda, mais um pique de Neymar, muito mais veloz do que Willians, que cometeu o pênalti. E mais uma loucura no jogo, uma cavadinha de Elano, o goleiro Felipe antecipou a jogada, ficou de pé, dominou com as mãos e, outra loucura, fez 4 embaixadinhas, de pé e de joelho. Jogo já era na história, foi mais uma peripécia de uma peça teatral que ainda estava longe de seu desfecho. Claro, teve o show de Neymar e Ronnie, teve os 9 gols, muitos golaços, mas tanto essa jogada que o gol perdido de Deivid colocam ainda mais magia nesse jogo eterno. Esse jogo é a pura essência do futebol brasileiro.
Nome do fim do primeiro tempo foi Deivid, que quase empatou, mas gol foi mal anulado, e dois minutos antes do intervalo, num escanteio de Ronaldinho, Deivid desviou de cabeça, fez valer a lei do ex, empatou. O intervalo serviu só para descansar, jogadores, torcedores, comentaristas e todos os envolvidos nesse jogo, 15 minutos, não mais. Com apenas 5 minutos no segundo tempo, Léo avançou no campo do Flamengo, achou com sorte Neymar, que passou na frente de David Braz. Dessa vez, a cavadinha funcionou, mais um golaço, agora Santos 4×3 Flamengo. Uma loucura total, no estádio ou na frente da televisão, a gente não sabia como esse jogo ia acabar, o que ia acontecer ainda num jogo que era o recado de porque nós amamos o futebol.
O segundo tempo foi finalmente um pouco mais tranquilo, mas ainda teve seus momentos de gênio, de bruxo. Numa falta a 20 metros do gol santista, Ronaldinho mostrou que era craque para sempre. O Bruxo chutou bola no chão, a barreira pulou, Rafael viu a bola ir no seu gol, sem ter o tempo de fazer nada. Mais um golaço, mais um momento de pura magia, talvez um gol ainda mais mágico do que o Puskás de Neymar, porque ninguém esperava isso num jogo que já foi além de todas as esperanças. E um gol que mudou o futebol, hoje é comum ver um jogador deitado para completar a barreira e impedir essa jogada. Mas antes, Ronaldinho fez isso, um gol para aplaudir de pé.
Definitivamente um jogo eterno com esse golaço de Ronaldinho, que deixava o placar louco igual os espectadores, Santos 4×4 Flamengo. Talvez num jogo assim o empate teria sido mais justo. Mas tinha um duelo particular, Neymar, que brilhou muito no primeiro tempo, e Ronaldinho, que brilhou ainda mais no segundo tempo. Era um duelo entre os dois maiores gênios brasileiros do século XXI, um duelo entre o pai e o herdeiro. Então precisava de um vencedor, o Deus do futebol não podia deixar o duelo particular empatado. A dez minutos do final, o trio ofensivo flamenguista entrou mais uma vez em ação, Deivid para Thiago Neves para Ronaldinho na esquerda. Ronaldinho abriu o pé, fez o hat-trick, pediu a música, que deveria ser uma música homenageando a beleza do Brasil, de seu futebol tão genial, que brilhou como poucas vezes nesse 27 de julho de 2011.
No final, vitória 5×4 do Flamengo, mas alegria na Vila Belmiro, porque, apesar da derrota, ninguém poderia se arrepender de ter ido no estádio. Foi uma vitória do futebol, uma vitória do futebol brasileiro. Falou no fim do jogo o técnico do Flamengo, Vanderlei Luxemburgo: “O jogo de hoje vai entrar para a história. Teve tudo de um grande jogo de futebol. As mexidas, as alternativas, os erros, acertos, gols. A gente fica encantado. O futebol sai enriquecido. Parecia um jogo de pingue-pongue – bola pra um lado, bola pro outro, quase não parava no meio-campo”. Não era pingue-pongue, era futebol, era o futebol brasileiro na sua essência pura, na sua pura magia.
Se tiver um filho, vou deixar esse jogo para ele assistir e se apaixonar pelo futebol brasileiro. Para se apaixonar com o Flamengo, ainda tenho muitos, muitos jogos eternos.








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