Para a crônica #22 do 26 de agosto, uma trista lembrança de um ídolo, Geraldo, que morreu no 26 de agosto de 1976, com apenas 22 anos. O Flamengo de 1978-1983 é um dos maiores times da história, e não é possível de reescrever a história, mas acho que com Geraldo no meio de campo, o time teria sido ainda mais especial, ainda mais histórico, com ainda mais jogos eternos. Geraldo sempre foi um gênio, um ídolo do futebol e do Flamengo.
Geraldo Cleofas Dias Alves nasceu craque, no 16 de abril de 1954, em Barão de Cocais, no Minas Gerais. Nasceu numa família de futebolistas, dos 9 filhos, 5 jogaram futebol, como Lincoln, que jogou no América Mineiro, e Washington, zagueiro do Flamengo no início dos anos 1970 antes de ir no Portugal. Mas o maior craque da família era Geraldo. Um ano mais jovem que Zico, começou na base do Flamengo e se tornou o melhor amigo de Zico. Frequentava a casa de Zico e era até chamado de “filho marrom” pelo pai de Zico. E era craque, como fala Zico no livro Zico, paixão e glória de um ídolo, de Lúcia Rito: “O Geraldo tinha um domínio incrível sobre a bola. Ele jogava sempre com a cabeça em pé, não olhava para baixo, e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava muito espantado ao ver aquela telepatia dele com a bola. Só anos depois encontrei outro jogador que fazia o mesmo, o Leandro”.
Geraldo foi lançado no profissional em 1973 pelo técnico Joubert. Era o início dos anos 1970, cabelo black power e irreverência, dentro e fora do campo. No time, tinha também Paulo César Caju e Afonsinho, sempre craques de bola, às vezes problemáticos. Para uma matéria de UOL, Afonsinho compara Geraldo a “um Beckenbauer brasileiro, um Beckenbauer tropical” quando Paulo César acha que “Geraldo tinha o estilo de Didi”. Jogava de cabeça erguida, e driblava, driblava muito, driblava levemente, quase inocentemente, o que lhe deu um dos apelidos mais sensacionais do futebol brasileiro, Geraldo Assoviador. “O apelido ‘assobiador’ não é mentira. Ele jogava assobiando, era mania que ele tinha de ficar assobiando, parece que era um tique nervoso que dava nele. E ele jogava bola com a maior naturalidade” explica para UOL Dão, um amigo de infância.
Com Zico, e outros jovens lançados pelo Joubert, como Jayme, Rondinelli e Júnior – que aceitou jogar na lateral sabendo que o meio de campo estava sem espaço por causa de Geraldo – o Assoviador fez parte do time histórico de 1974 e levou o campeonato carioca nesse ano. Zico foi artilheiro, com passes de Geraldo. Vale a pena citar um longo trecho de Zico no livro Zico conta sua história: “O time estava se reformulando, com a entrada do pessoal que havia conquistado o campeonato dos juvenis. E foi aí que o Geraldo foi promovido à equipe titular. O Geraldo foi meu grande companheiro de tabelinhas. Um sabia o que o outro ia fazer e já lançava a bola apostando na capacidade do outro. Era incrível o domínio que ele tinha sobre a bola. Jogava sempre de cabeça em pé, não olhava para baixo – e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava espantado: ‘Como é que você faz isso, cara?’ Há jogadores que, com o tempo e a experiência, conseguem ter essa telepatia com a bola. Mas o Geraldo fazia isso com vinte anos! Mais tarde, vi o Leandro jogar do mesmo jeito, no Flamengo. Tinha um feitiço lá entre eles e a bola, juro que tinha. Lá em casa, adoravam o Geraldo. O velho Antunes o chamava de “meu filho marrom”. E o Geraldo fora meu amigão, companheiro de farras de solteiro […] Geraldo tinha fama de rebelde, de não gostar de treinar, de não cuidar da forma física. Mas era a rebeldia dele que surpreendia todo mundo em campo – principalmente os adversários. Era o que criava a jogada inesperada, aquela que saía do certinho e colocava a gente de cara pro gol, o passe de curva que encontrava o pé da gente no meio de uma moita de zagueiros, o lançamento a distância – como se fosse um milagre, com endereço do destinatário muito bem explicado. O Geraldo era um gênio”.
Em 1975, Geraldo já era jogador da Seleção, convocado para a Copa América pelo Osvaldo Brandão, que até tentou levar o jogador no seu clube, Palmeiras. Mas Geraldo era imperdível para o Flamengo. Geraldo jogou dois jogos na Copa América, o último contra o Peru, que selou a eliminação do Brasil depois de um sorteio muito duvidoso. Ainda jogou algumas partidas com a Seleção em 1976, conquistando no seu sétimo e último jogo com a Seleção a Taça do Atlântico no Maracanã, ainda sob o comando de Osvaldo Brandão. “Osvaldo Brandão adorava o futebol do Geraldo. Ele gostava mais do Geraldo do que de mim” explica Zico. Geraldo ainda jogou muito com o Flamengo, como no eterno Fla-Flu de 1976, quando Zico fez 4 gols. E como Zico, Geraldo perdeu o pênalti na disputa contra Vasco na final da Taça Guanabara de 1976, depois de fazer um gol no tempo normal. Flamengo perdeu a Taça na frente de 133.444 espectadores, mas talvez a geração de ouro do Flamengo começou nesse dia. Infelizmente, sem Geraldo.
Dois meses depois do jogo contra Vasco, chegou o triste dia de 22 de agosto de 1976. Geraldo tinha uma operação para extrair as amídalas, uma cirurgia sem risco, mas Geraldo tinha medo, até não apareceu na clínica um ano antes, quando Zico e Júnior fizeram a mesma operação. O time do Flamengo estava numa excursão no Nordeste e soube depois o que aconteceu, o que era impossível a acreditar: Geraldo morreu as 10h30 da manhã de um choque anafilático causado pela anestesia. Ele tinha apenas 22 anos.
Foi um choque para todo mundo, a família claro – a irmã aprendeu a notícia no rádio – a família depois culpou o médico, mas ele foi absolvido pelo Conselho Regional de Medicina. Foi um choque claro para o Flamengo, para o presidente Hélio Maurício, que falou uma vez: “Eu só vi dois jogadores que jogam de cabeça erguida no Brasil. O Didi e o Geraldo”. Foi um choque para os companheiros do time, os irmãos de longa data, como Jayme, ainda emocionado 45 anos depois ao lembrar o amigo, como Zico que falou no livro Zico conta sua história: “O Geraldo, meu melhor amigo na época… Não conseguia acreditar na notícia, até chegar de volta ao Rio, até ver o corpo dele sendo velado no Flamengo”. Foi um choque para os rivais no campo, mas amigos fora, como Carlos Alberto Pintinho, ídolo do Fluminense, e que explicou para UOL: “Eu não acredito muito em destino, sei lá. Mas depois da morte do Gera, a única decisão que tomei foi ir embora do Brasil. Ele partiu e eu também, porque eu não aguentava ficar”. Foi duro para todo mundo, foi duro para a torcida do Flamengo, que apesar de todos os sucessos em campo, vivia tragédias fora, com a morte de Cláudio Coutinho em 1980 e a de Figueiredo em 1984.
Algumas semanas depois, teve um jogo em homenagem ao Geraldo para ajudar a família com a renda, entre Flamengo e a Seleção brasileira. Pelé, que não tinha jogado com a Seleção desde sua aposentadoria em 1971, voltou dos Estados Unidos para participar ao jogo, que teve a presença de quase todos os campeões do mundo de 1970. E a participação do Pelé não foi apenas como jogador, mas como homem também. Relembra Lincoln, o irmão de Geraldo, para UOL: “O Pelé me disse: ‘Quando estiver faltando 20 minutos pra terminar, se o alto-falante do Maracanã não tiver anunciado a renda, você vai subir até a tribuna de honra e vai cobrar. Se não derem a renda para o público, eu paro o jogo e vou notificar para a imprensa o motivo’. Mas a renda não saía de jeito nenhum e o Pelé me fez um sinal. Eu estava na entrada do vestiário e ele fez gestos com os dedos para eu subir. Na Tribuna estava o Almirante Heleno Nunes, presidente da CBD, e o presidente do Flamengo, Hélio Maurício. Quando cobrei, disseram que eu estava desconfiado. E eu respondi: ‘Não sou eu que estou desconfiando, não. É aquele negão lá embaixo. Ele falou que se não der a renda, ele para com o jogo’, Aí anunciaram: 2 milhões 382 mil cruzeiros”. O jogo não é eterno ainda nesse blog, mas Flamengo ganhou 2×0, na frente de 142.404 pessoas, ajudando, além da família, a superar a dor da perda do ídolo.
Infelizmente, tem poucas imagens de Geraldo em campo, mas suficientemente para ver que ele era craque. Fica essas imagens raras, fica os números, 13 gols em 168 jogos entre 1973 e 1976 com o Manto Sagrado, e fica as dúvidas, principalmente qual teria sido a carreira de Geraldo, com Flamengo e com a Seleção brasileira? O Flamengo ganhou tudo, foi pura magia, mas talvez faltou as tabelinhas entre Geraldo e Zico, quais eram comparadas a apenas uma outra dupla, Pelé – Coutinho. E para a Seleção, Geraldo era nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, quando o Brasil foi campeão moral, mas não campeão em campo. Geraldo foi uma das maiores perdas do futebol brasileiro, só vem para mim um outro nome, também um jogador que driblava muito, voava em campo, também polêmico fora do campo, que morreu com apenas 23 anos, defendendo as cores do Vasco, Dener. Mesmo sem ter acompanhado essa época ao vivo, sinto muita falta desses dois craques. Não é possível saber quais lances mágicos eles ainda fariam, só tem uma certeza: Geraldo era craque e ídolo do Flamengo.








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