Ídolos #25: Rubens

Ídolos #25: Rubens

Hoje a crônica é sobre um dos maiores ídolos do Flamengo, a prova de que Flamengo não nasceu nos anos 1980, muito menos em 2019, nasceu como remo em 1895, como futebol em 1911 e sempre teve grandes ídolos, sempre foi uma Nação. No início dos anos 1950, o maior ídolo era certamente Rubens, o Doutor Rúbis.

Rubens Josué da Costa nasceu em São Paulo no 24 de novembro de 1928. Aos 14 anos, foi jogar no Ypiranga em São Paulo, terra de ídolos brasileiros como o artilheiro Friedenreich e o goleiro Barbosa, também terra do grito de Ipiranga de Pedro I, que marca a independência do Brasil. Escreve Roberto Sander no livro Os dez mais do Flamengo: “Rubens era um negro de pelé bem escura, dentes alvíssimos, tórax de estivador e pernas que pareciam duas toras de tão musculosas. Em 1943, aos 14 anos, chegou ao Ypiranga e logo, igual a D. Pedro, foi botando pra quebrar. O chute era um foguete: tinha potência e direção. O drible, impossível de ser contido, tinha malícia e picardia. E, para completar, tinha um passe que, de tão perfeito, parecia medido previamente por uma fita métrica. Com tudo isso, o sucesso era uma questão de tempo e, consequentemente, também a partida do velho e histórico Ipiranga”.

Com a seleção paulista, Rubens se revelou no campeonato brasileiro de seleções de 1950 e já chamou o interesse do Flamengo. Mas quem levou o jogador foi a Portuguesa de São Paulo, que tinha um timaço na época com Djalma Santos, Brandãozinho, Pinga e Julinho Botelho, todos convocados para a Copa do Mundo de 1954. A Portuguesa escreveu a história do futebol brasileiro com uma excursão na Europa em 1951, onde levou a Fita Azul oferecida pela Gazeta Esportiva por ter ficado invicto nos 12 jogos entre Turquia, Espanha e Suécia. Mas Rubens se desentendeu com o técnico Osvaldo Brandão e finalmente chegou no Flamengo em setembro de 1951.

O Flamengo não tinha conquistado o campeonato carioca desde 1944 e perdeu em 1950 o maior ídolo dos anos 1940, Zizinho, vendido num vacilação do presidente Dario de Melo Pinto, substituído logo depois pelo grande Gilberto Cardoso. Flamengo era órfão de seu maior ídolo, até a chegada de Rubens. Muitos torcedores rubro-negros assistiram ao primeiro treino do Rubens, como escreveu Roberto Sander: “O porte de atleta na juventude dos seus 22 anos, aliado a uma refina que se fazia botar assim que uma bola chegava a seus pés, fez com que os rubro-negros pressentissem que finalmente o luto pela perda de Zizinho chegaria ao fim”. Flamengo vinha de uma derrota 2×0, justamente contra o Bangu de Zizinho, e ia enfrentar Vasco com um jejum talvez até mais incomodante que a falta do título carioca desde 1944, este conquistado com uma vitória 1×0 contra Vasco, gol de Válido: esse jogo foi justamente a última vitória do Flamengo sobre Vasco no campeonato carioca! Depois, foram 10 derrotas, 2 empates e nenhuma vitória. Alguma coisa precisava mudar.

E a escalação mudou, com Rubens já titularizado pelo Flávio Costa. E Rubens, com apenas 90 minutos com o Manto Sagrado, já virou ídolo da Nação. Foi o melhor em campo na vitória 2×1 para a alegria da maioria dos 120.485 presentes. No livro Grandes Jogos do Flamengo, da Fundação ao Hexa, escreveram Roberto Assaf e Roger Garcia: “Um tabu de pouco mais de sete anos estava finalmente encerado. A torcida rubro-negra deixou o Maracanã em êxtase, elegendo um novo herói, Rubens Josué da Costa, já chamado de ‘Doutor Rúbis’”. Também relembra o grande jornalista Luiz Mendes, que assistiu ao jogo: “O Rubens vinha da Portuguesa de Desportos cercado de muitas expectativas. E chegou realmente como uma grande esperança para o Flamengo. Ele jogava realmente um ótimo futebol. Eu era narrador da Rádio Globo, no Rio, e lembro que o Rubens fez uma partida espetacular […] Aliás, como acontece com frequência com o Flamengo, no dia seguinte ele começou a virar ídolo da massa. Pudera. Além de habilidoso, vez por outra marcava gols e ainda batia faltas com precisão. Nesse jogo, por exemplo, me recordo bem, mandou uma cobrança na trave. A torcida logo passou a chamá-lo de Doutor Rúbis. Doutor porque se dizia que era um sujeito diplomado em futebol. E Rúbis porque era mais fácil para o povão falar assim”.

O Doutor Rúbis também caiu no gosto de seus companheiros, como o também ídolo Evaristo de Macedo: “Ele era um jogador incrível, um doutor mesmo em matéria de futebol. Suas qualidades eram inúmeras. Protegia a bola como ninguém, driblava fácil, lançava bem e tinha um chute de uma precisão fora do comum. Na posição deles na época, talvez nem o Didi fosse melhor, pois Rubens chegava mais na área para concluir. Era também um grande artilheiro. Acho que ele era até mais dinâmico que o Didi. Mas eram dois fenômenos”. E o grande Didi, um dos maiores nomes do futebol brasileiro, também gostava de Rubens: “Em Rubens, o que saltava aos olhos de imediato era a malícia. E a sua enorme habilidade. Primeiro, estudava a posição do goleiro. E aí tirava-o do lance, sempre chutando colocado. Lá no ângulo. Certa vez, presenciei o doutor Rubens fazer um gol inacreditável. A falta foi à altura da intermediária. Mas ele chutou calculadamente, por cima da barreira, com a bola descaindo por detrás do grande Barbosa. Incrível!”. E a admiração era recíproca, fala Rubens sobre Didi: “Fazer o que ele fazia, nunca conheci outro igual. Sei que ele gostava do meu jogo, admirava o meu jeito de cobrar faltas. Mas depois que descobriu a folha-seca, ninguém superou o Didi. Aquele vaivém que o chute fazia enlouquecia qualquer goleiro. Ou ele se arriscava, indo numa incerta; ou ficava parado, sem ação. O bom é que sempre fomos grandes amigos. A rivalidade era só na hora do jogo”.

Em 1953, Flamengo começou bem o ano com o Torneio quadrangular da Argentina, também chamado de Troféu Juan Domingo Perón. Depois de dois empates contra San Lorenzo e Boca Juniors na Bombonera, Flamengo levou o título no Monumental com um 3×0 contra Botafogo, com 2 gols de Rubens, herói da partida. Ainda na Argentina, Flamengo mudou sua história contratando o técnico paraguaio Fleitas Solich, que levou ao mesmo tempo o primeiro campeonato sul-americano da história do Paraguai. Flamengo começou perfeitamente o campeonato carioca com 5 vitórias em 5 jogos, a última um 5×0 contra Bangu de Zizinho, com 2 gols de Rubens. “Não coube a Rubens a armação das jogadas pela vanguarda. Esse trabalho foi feito por Dequinha, que, visivelmente avançado, fazia o pivot de todo o jogo. Rubens, entrosando-se com o centro médio, jogava entre a linha média e a intermediária adversária, devendo ser citado como o jogador mais espetacular e positivo” escreveu o Jornal dos Sports. No jogo de volta contra Bangu, Rubens fez de novo 2 gols na goleada 7×2. Fez outro grande jogo contra São Cristóvão, com agora 3 gols, e não foi só isso, como escreveu o Jornal dos Sports: “Três tentos, só ele, e ainda mais: aparecendo em todos os lugares do ataque e da defesa. Comandando ações e dirigindo ações fulminantes, não permitindo que os companheiros parassem satisfeitos com o placar”.

Rubens ainda fez o gol da vitória no Fla-Flu, para conquistar o segundo turno do campeonato carioca, um gol descrito de novo pelo Jornal dos Sports: “A intensa luta entre os dois grandes rivais do football da cidade, Fla e Flu, ganhava maior intensidade quando Rubens, recebendo o couro, manobrou rápido e, quando parecia que iria passar, ludibriou a todos desferindo uma ‘bomba’ que, passando por Pinheiro, Édson e Bigode e sob as vistas de Joel, foi aninhar-se nas redes, enquanto Veludo esticava-se na vã tentativa de praticar a defesa”. Ainda faltava o título do campeonato carioca, com uma última fase entre 6 times. E Flamengo foi mais uma vez perfeito, 5 jogos, 5 vitórias, inclusive o jogo do título contra Vasco, com mais uma goleada, agora sem gol de Rubens. Mas Dr. Rúbis fez o último gol do campeonato, o único do jogo contra Botafogo, uma perfeita falta no segundo tempo. Depois de 9 anos, Flamengo era enfim o campeonato da cidade, e Rubens o ídolo da Nação.

No campeonato carioca de 1953, Rubens fez 17 gols em 24 jogos, um pouco menos do que seus companheiros Índio com 18 gols e Benítez, artilheiro do campeonato com 22 gols. Flamengo tinha um dos melhores ataques de sua história, ainda tinha Joel e Esquerdinha nas alas, e chegou no final do ano Evaristo, que rapidamente gostou do Dr. Rúbis: “Principalmente na campanha de 1953, ele estava jogando o fino, tudo que sabia. Era realmente um autêntico ídolo. A torcida o adorava. Tinha a cara do povão. Era um homem simples, sem grande cultura, mas possuía muita vivacidade e sempre fazia observações pertinentes. Ele era um jogador muito inteligente. Sua visão de jogo era impressionante e, numa fração de segundo, resolvia uma jogada e decidia a parada”. Logicamente, Rubens foi chamado na Seleção no começo do ano de 1954, mas num dia de folga, voltou na concentração bêbado. O autoritário Zezé Moreira convocou Rubens para a Copa do Mundo, mas o ídolo do Flamengo não jogou sequer um minuto na Suiça. Rubens também não caiu nas graças do também autoritário Fleitas Solich, que odiava o cigarro e o álcool. O Dr. Rúbis gostava de fumar, de beber, não gostava de treinar, principalmente os treinos físicos. “O negócio é que chegava na hora do jogo e o doutor arrebentava. Mas aos poucos isso foi desgastando a relação dele com o Solich, que andava com o prestígio nas alturas na Gávea” explica Evaristo de Macedo. No seu livro Os dez mais do Flamengo, Roberto Sander escreve: “ Rubens ainda foi decisivo na campanha de 1954. Se na hora dos polichinelos e flexões ele se movimentava em câmera lenta, nos jogos acontecia o contrário. Era incisivo e seguia atormentando os adversários com seus gols de falta, seus passes de primeira e as penetrações em zigue-zague que lembravam, mas, paradoxalmente, faziam a torcida esquecer Zizinho”. Rubens ainda foi eternizado na Samba rubro-negro de Roberto Silva, com essa letra: “Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá / vai haver mais um baile, no Maracanã / o Mais Querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / eu já rezei pra São Jorge, por Mengão ser campeão”.

Com outros jogadores mais novos e aplicados nos treinos, com agora problema crônico no joelho e ainda a birra de Fleitas Solich, Rubens jogou pouco no campeonato carioca 1955, que ofereceu ao Flamengo mais um tricampeonato. Rubens disputou apenas 6 jogos no campeonato carioca de 1955 e nenhum na edição do ano seguinte. Participou da excursão do Flamengo na Europa em 1956 e mostrou que ainda era capaz de gols: dobletes contra Osters e Bodens na Suécia, um tento na goleada 12×1 contra Brann da Noruega, seu último gol com o Manto Sagrado. Fez apenas um jogo em 1957, uma vitória 4×1 sobre Botafogo no Torneio Rio – São Paulo. Foi definitivamente esquecido pelo Fleitas Solich e foi em 1958 o primeiro jogador a trocar Flamengo pelo Vasco, Leônidas, Fausto, Domingos, os ídolos do Flamengo no ano histórico de 1936, e Jair Rosa Pinto já tinham defendido o Flamengo depois de jogar pelo Vasco. Rubens recuperou seu bom futebol, com 8 gols no campeonato carioca de 1958, conquistado pelo Vasco. Mesmo assim, Dr. Rúbis é ídolo do Flamengo, com 84 gols em 173 jogos, e talvez ainda mais impressionante, conseguiu fazer a Nação rubro-negra esquecer um pouco de Zizinho.

Como de costume, fecho essa crônica com trecho de um jornalista, talvez o maior de todos quando se fala sobre a história do futebol brasileiro, Mário Filho: “‘Dr’. Rubens gostava de dar drible largos. Parecia que prendia a bola com um barbante ou um elástico amarrado à chuteira. Porque a bola, que ele atirava para a direita ou para a esquerda, voltava sempre, e logo, aos pés dele. Era um preto atarracado. Lembrava um mongol pelos olhos apertados, amendoados mesmo, pelo bigode ralo caindo-lhe, frouxo, pelos cantos da boca, o tronco largo e grande, as pernas curtas […] Rubens não andava como qualquer mortal. Levava um pé à frente, devagar, deixava-o pousar na calçada e, depois, trazia o outro, gingando o corpo, como se dançasse. Não era um samba, embora o corpo de Rubens balançasse num compasso de samba. O trinco meio girava, levando para trás um braço encolhido. Era um gingar de malandro. De bamba de terreiro”.

5 respostas para “Ídolos #25: Rubens”.

  1. Avatar de Ídolos #26: Adílio – Francesguista

    […] de Roberto Silva que tinha “Rubens, Dequinha e Pavão”, de qual já falei na crônica sobre o Doutor Rúbis, virou, já em 1979, “o Mais Querido tem Zico, Adílio e […]

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  2. Avatar de Ídolos #28: Zagallo – Francesguista

    […] 1954, Zagallo virou titular num ataque que tinha mais craques do que vagas: Rubens, Joel, Índio, Evaristo, Benítez, Dida e o próprio Zagallo, que fez 3 gols durante o campeonato […]

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  3. Avatar de Times históricos #25: Flamengo 1955 – Francesguista

    […] Ainda venceu Botafogo, antes de conhecer a primeira derrota no campeonato, no Fla-Flu. O grande ídolo Rubens jogou um pouco menos, entre lesões e conflito com Fleitas Solich. Duca e Paulinho passaram a jogar […]

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  4. Avatar de Ídolos #31: Dida – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] anos depois, estava muito franzino. E sem confiança, quase desmaiou quando soube que ia jogar com Rubens, o Doutor Rúbis, outro ídolo no Francêsguista. Continua Roberto Sander: “Quando soube que ia treinar com o grande Doutor Rubens, craque do […]

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  5. Avatar de Jogos eternos #254: Flamengo 5×1 Bangu 1955 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] deu show em campo, deu goleada do Mengo. Contra Bangu, o quarteto ofensivo, apoiado por um Rubens já em conflito com Fleitas Solich, deixou sua marca, com um gol para cada atacante: Benítez, […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”