Jogos eternos #110: Atlético Mineiro 2×3 Flamengo 1987

O jogo de hoje é um dos mais importantes do ano para Flamengo. Ainda não é uma final, mas é um jogo decisivo, como foi a semifinal da Copa União em 1987. Como já falei na crônica sobre o time histórico de 1987, a Copa União foi o Brasileirão deste ano, e o Módulo Amarelo foi a segunda divisão, no máximo um torneio paralelo organizado por uma entidade decadente, a CBF.

Vamos então diretamente para a semifinal da Copa União entre o Atlético Mineiro e Flamengo. O Atlético Mineiro precisava de uma vitória no Maracanã para se classificar diretamente na final. Sob pressão, Flamengo jogou mal. Mas com o apoio de 118.162 torcedores e gol de Bebeto, Flamengo ganhou e forçou um jogo de volta no Mineirão. No 2 de dezembro de 1987, com a suspensão de Jorginho, Carlinhos escalou Flamengo assim: Zé Carlos; Leandro Silva, Leandro, Edinho, Leonardo; Andrade, Aílton, Zinho, Zico; Renato Gaúcho, Bebeto. Um timaço.

Apesar do nível do time do Flamengo, o favorito ainda era o Atlético Mineiro, o único a derrotar Flamengo nos 11 últimos jogos. E Flamengo nunca tinha vencido o Atlético Mineiro no Mineirão num jogo oficial. Escreve Paschoal Ambrósio Filho no seu livro 6x Mengão: “Mesmo pode do simplesmente empatar no Mineirão, fora a torcida rubro-negra, ninguém acreditava que o time da Gávea seria finalista. O Atlético seguia como franco favorito. O técnico Carlinhos decidiu colocar o time jogando pra frente, marcando pressão, como se estivesse em casa. Isso acabou desnorteando a equipe dirigida por Telê Santana, que esperava um Flamengo fechado na defesa, buscando explorar a velocidade nos contragolpes”. E para ficar ainda mais clássico, tinha um duelo no jogo, não entre dois mestres, Carlinhos e Telê Santana, mas entre Telê Santana e um jogador polêmico, Renato Gaúcho. Um ano antes, Telê Santana deixou de fora da Copa do Mundo Renato Gaúcho, que voava no futebol brasileiro, por causa de uma escapada noturna. Agora, era a hora do reencontro.

Jogo começou tenso e primeiro lance de perigo foi para o Atlético Mineiro, com chute de Marquinho, que passou só um pouco em cima do travessão. Renato teve outra oportunidade para o Galo, mas Andrade defendeu bem. “O time deles jogou no desespero de sua torcida. Entrou em campo para resolver a partida em dez minutos. Bastava prestar atenção na fisionomia de alguns jogadores para sentir que não aguentariam a pressão emocional” explica Zico no livro 1987, a história definitiva, de Pablo Duarte Cardoso. Na metade do segundo tempo, Nosso Rei Zico abriu na direita para Bebeto, que cruzou e achou de novo Zico. Claro, Zico é principalmente elogiado pela técnica, habilidade, objetividade, inteligência de jogo e muitas outras coisas, mas o jogo aéreo não vem regularmente quando se fala das qualidades de Deus, olha a ironia. Porém, Zico voou no céu e fez um toque de cabeça, que foi como Zico foi, além da perfeição. Flamengo 1×0 Atlético Mineiro.

Dez minutos depois, como todas as jogadas, lance começou nos pés de Zico. A defesa atleticana falhou, mas Renato Gaúcho foi perfeito no pique, Zico foi perfeito no lançamento. No limite do impedimento, Renato Gaúcho saiu na direita e cruzou. Batista falhou, Bebeto chutou de pivô, Flamengo 2×0 Atlético Mineiro. No minuto seguinte, loucura da época, um torcedor invadiu o campo para agredir o jogador flamenguista Leandro Silva, Renato Gaúcho deu um chute no torcedor, outros torcedores foram no gramado, policia interveio, jogo foi paralisado por cinco minutos. Jogo recomeçou e, outra loucura da época, Paulo Roberto deu uma entrada mais criminosa que o torcedor do Galo, com as duas pernas no tornozelo de Zico, que escapou de pouco de reviver o pesadelo de 1985. Paulo Roberto foi justamente expulso, Flamengo tinha um homem a mais e dois gols a mais, estava perto da final. Mas era jogo decisivo da Copa União, era jogo emocionante, era jogo eterno.

No mesmo lance, Bebeto e Renato Gaúcho tiveram duas oportunidades claras de gol, mas o placar ficou no 2×0 para Fla. Num outro cruzamento da direita, Renato Gaúcho achou Bebeto, mas João Leite saiu bem. Zico fez um drible sensacional e deixou em boa posição Aílton, que chutou fraco. Flamengo estava muito próximo de fazer o terceiro gol, sem fazer o gol. E nessas condições, quem não faz, acaba levar. Renato, não o Gaúcho mas o atacante do Atlético Mineiro, provocou um pênalti, Chiquinho chutou com força, e a geral do Mineirão voltou a acreditar. Quatro minutos depois, de novo Chiquinho, numa falta curta para Sérgio Araújo, que driblou dois, chutou colocado, empatou. Loucura no Mineirão, o Galo estava a um gol de ver a final, e na sequencia, Zé Carlos salvou Flamengo com uma defesa com o pé. E pior para o Flamengo, com muitas dores no joelho, Zico tive que ceder seu lugar e desabafou na saída de campo: “Fica perdendo gol demais, agora tá sofrendo. Podia ter definido o jogo. Não definiu, agora é sufoco”. Confirmou depois Renato Gaúcho para TV Globo: “O Mineirão estava lotado e o Atlético ainda não tinha perdido nenhuma partida; a não ser a primeira da semifinal pra gente, no Maracanã. Nós começamos bem e fizemos 2 a 0. Durante a partida eu já tinha xingado o Bebeto, o Zico tinha xingado o Bebeto, porque ele havia perdido duas ou três oportunidades para matar o jogo e isso fez com que o Atlético reagisse e empatasse em 2 a 2. O Zico foi substituído por Henágio e saiu bravo e preocupado, mesmo sabendo que o empate era nosso. Numa dividida entre o Aílton e um jogador deles, a bola caiu no meu pé, no círculo do meio de campo, e eu arranquei. Pensei: é agora ou nunca”. É agora ou nunca.

Ainda longe do gol atleticano, Renato arrancou, ganhou na corrida de Batista, escapou do desesperado carrinho, driblou o goleiro e empurrou nas redes. Um golaço, um dos gols mais importantes da história do Flamengo. “Este é um gol, para mim, que está entre os três gols mais importantes da minha carreira” opinou Renato Gaúcho. Para Nosso Rei Zico, “O Renato jogou demais aquela partida. Ele foi vaiado pela primeira vez pela torcida contra o Santa Cruz e não tinha atuado bem no jogo contra o Atlético, no Maracanã. Ele entrou super motivado. Não acho que tenha sido por causa do Telê Santana especificamente. O que eu sei e que ele arrebentou o jogo. Pra nossa sorte, ele estava do nosso lado”. Depois do jogo, Renato Gaúcho falou sobre Telê Santana: “Não me preocupei com ele. Um ano antes ele matou meu sonho, eu estava voando. Em 1985, fui considerado o melhor jogador das eliminatórias. Faltando seis meses, ele me cortou da Copa do mundo. A reposta que tinha que dar a esse senhor, dei em campo”.

Tinha mais importante que uma Copa do mundo com a Seleção, tinha um Brasileirão com Flamengo, e Renato Gaúcho fez um dos gols mais marcantes de toda a história do clube. No seu livro 1987, a história definitiva, Pablo Duarte Cardoso escreve: “Desafia-se o torcedor do Sport a referir, um, um só momento assim de sua campanha de 1987”. Não tem mesmo, se tem poucos gols assim na história do Flamengo, imagina então na história do Sport. Flamengo venceu o Atlético Mineiro com grande atuação de Zico e Renato Gaúcho, depois derrotou o Inter na final com gols de Bebeto e foi campeão. Um time histórico, um time campeão brasileiro. Para fechar, a palavra para o grande jornalista palmeirense Mauro Beting, no livro Flamengo 1987, no campo e na moral, de Gustavo Roman: “Foi o melhor jogo do campeonato e um dos melhores que eu já vi. Não só pela partida em si, mas por tudo que envolvia o confronto. Uma rivalidade que marcava, Renato versus Telê Santana, o ressurgimento de Zico. Quem assistiu, não irá jamais esquecer. Ali, pintou o campeão brasileiro de 1987. O fato é que o Renato jogou demais naquela noite, no Mineirão. Talvez tenha sido a melhor partida dele, depois da atuação em Tóquio, pelo Grêmio, na decisão da Copa Intercontinental, em 1983”.

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  1. Avatar de Jogos eternos #143: Flamengo 5×1 São Paulo 2021 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] fã do jogador, que inclusive brilhou muito com o Manto Sagrado no ano histórico de 1987 e um jogo eterno contra o Galo, e também gostei do trabalho dele como técnico no Grêmio. Estava de um otimismo que só foi […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”