O início do ano de 2024 do Flamengo começa de maneira muito difícil, alguns dias depois do falecimento de Denir, Mário Jorge Lobo Zagallo morreu aos 92 anos e se juntou no céu aos outros ídolos da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, em 1958. Porque Zagallo não é só um ídolo do Flamengo, é um dos maiores brasileiros de todos os tempos, uma referência do futebol no mundo, ainda hoje, é provavelmente por muito tempo, talvez a eternidade, o único a ter quatro Copas do Mundo.
Mário Jorge Lobo Zagallo nasceu no 9 de agosto de 1931 em Maceió, Alagoas, terra também de Marta, e chegou antes de seu primeiro aniversário no Rio de Janeiro. Ingressou a base do Flamengo e fez seu serviço militar, assistindo como soldado no campo a maior tragédia da Seleção, o Maracanaço em 1950. Um ano depois, foi lançado no time principal do Flamengo pelo Flávio Costa numa goleada 6×0 contra Goytacaz num amistoso. Seu primeiro jogo no campeonato carioca só chegou no início de 1953, quando o técnico era Jayme de Almeida. Um mês depois, fazia seu primeiro gol com o Manto Sagrado, contra Boca Juniors no Maracanã. Fez apenas um jogo do campeonato carioca de 1953, suficiente para ser campeão no comando de Fleitas Solich. Já no início da carreira, Zagallo conhecia grandes treinadores e o que ele parecia só saber fazer: ser vitorioso, ser campeão.
Em 1954, Zagallo virou titular num ataque que tinha mais craques do que vagas: Rubens, Joel, Índio, Evaristo, Benítez, Dida e o próprio Zagallo, que fez 3 gols durante o campeonato carioca. Mas Zagallo era muito mais que os gols, ao lado de Telê no Fluminense, foi um dos primeiros pontos recuados, ajudando na marcação no meio de campo, ajudando os companheiros do ataque a ter mais liberdade. Zagallo foi um soldado do futebol, disciplinado e vitorioso. Conquistou o bicampeonato carioca em 1954, o tricampeonato em 1955, o segundo tri da história do Flamengo. Em 1956, o tetra não veio, mas Zagallo fez neste ano seu único doblete com o Manto Sagrado, numa vitória 6×2 contra Monte Alegre.
Em 1957, Zagallo fez gol nas goleadas 7×0 e 8×0 contra Canto do Rio e Madureira, fez gol contra o Santos de Pelé e contra o Botafogo de Garrincha. O primeiro foi goleado 4×0, com gol de Zagallo no primeiro minuto de jogo, o segundo conseguiu o empate 3×3 no Maracanã. Zagallo não brilhou só no Rio de Janeiro, também fez gol na Europa, na vitória 4×0 contra Burnley no Nou Camp, um jogo eternizado no Francêsguista. No Torneio Rio – São Paulo 1958, Flamengo goleou Botafogo 4×0 e Zagallo jogou muito. Algumas semanas depois, Zagallo estreava na Seleção Brasil, com 26 anos, pouco antes da Copa do Mundo, e estreou muito bem, com 2 gols contra o Paraguai. Tinha na sua posição jogadores mais craques, mais gênios, com Pepe e Canhoteiro. Mas Zagallo era diferente. Explica o próprio Zagallo no livro As melhores seleções brasileiras de todos os tempos, de Milton Leite: “Eu era um jogador de 100 metros, fazendo aquele vai e vem, ajudando na marcação e na armação, já era assim no Flamengo. Pepe e Canhoteiro eram as duas forças para irem à Copa, mas eu acabei conquistando o lugar por jogar de outro jeito”. E Zagallo foi na Copa, virou titular, fez gol na final, e o Brasil foi campeão, mudou sua história.
E Zagallo, único flamenguista a ser campeão do mundo como titular, o Brasil tinha Dida, Joel e Moacir na reserva, mudou de clube. Zagallo era um jogador diferente, também um homem diferente. Aceitou no Flamengo um salário menor para ser dono de seu passe no fim do contrato, o passe impedia vários jogadores de mudar de clube, mesmo em fim de contrato. Não para Zagallo, que tinha propostas de Palmeiras e da Portuguesa. Mas, esperto, esperou a Copa, se valorizou ainda mais, e teve propostas ainda maiores. E, contra a vontade dos dirigentes rubro-negros, mas conforme ao desejo da mulher que queria ficar no Rio de Janeiro, Zagallo assinou com o Botafogo de Didi, Garrincha, Nílton Santos e muitos outros, onde conquistou mais dois campeonatos cariocas, em 1961 e 1962. No Flamengo foram 218 jogos e 26 gols, o último, como o primeiro, contra um time argentino, num 3×3 contra o Racing na Bombonera.
Zagallo não era mais do Flamengo, mas ainda era ídolo, do Flamengo, e do Brasil, conquistando em 1962 uma segunda Copa do Mundo, de novo como titular. Talvez sem Zagallo, o Brasil não teria brilhado tanto, Zagallo sendo o equilíbrio do time. “O Zagallo era o único atacante que ajudava o meio-campo” explicou o primeiro capitão campeão do mundo, Bellini. Depois, Formiguinha como era chamado por causa da atividade na defesa, teve algumas lesões e aposentou-se no Botafogo aos 34 anos. Mesmo discreto, Zagallo era um líder dentro do campo, tinha que ser fora, virou treinador, ficou o homem vitorioso que ele sempre foi. De novo com Botafogo, conquistou o bicampeonato carioca 1967-1968 e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa 1968, que depois virou um Brasileirão. E mais, Zagallo virou técnico da Seleção, confirmou Pelé como titular, Tostão também, parece obvio hoje mas não era na época, e recuou Piazza na zaga. E de novo, foi campeão. Antes dos 40 anos, Zagallo se tornou o primeiro homem da história do futebol a ser campeão do mundo como jogador e como técnico.
Zagallo repetiu a dupla de sucesso do Tri com o então preparador físico Carlos Alberto Parreira, conquistando com Fluminense o campeonato carioca 1971 que parecia muito perdido. E Zagallo voltou no Flamengo, agora como técnico, em 1972. E Zagallo de novo ganhou o campeonato carioca, já o quarto como treinador depois de ter conquistado cinco como jogador. Porém, Zagallo deixava no banco um jovem promissor que tinha estreado um ano antes no time principal, um certo Zico. Com Zagallo, Zico disputou apenas 8 dos 74 jogos do Flamengo em 1972. Relembra Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia: “Eu poderia ter saído por causa do Zagallo. E só permaneci em atividade mesmo porque o Antoninho apareceu na Gávea pedindo para eu jogar no juvenil. O Zagallo de fato raras vezes me solicitou, e quando o fez, me botava 15, 20 minutos, fora da minha posição, na ponta-direita, no meio-campo, na ponta-esquerda”.
Em 1973, Zico jogou muito mais jogos, mas quase sempre como reserva. Zagallo saiu do Flamengo no final do ano, Zico virou titular absoluto e campeão carioca em 1974. E o técnico Joubert, que tinha jogado com Zagallo no Flamengo nos anos 1950, dedicou o título ao próprio Zagallo: “Foi ele quem me incentivou, quem acreditou no meu trabalho e que me indicou para substituí-lo”. Com a Seleção, Zagallo ficou na quarta colocação na Copa do Mundo de 1974, um resultado ruim para ele, e passou por vários clubes entre Rio de Janeiro, onde dirigiu os quatro gigantes, e o futebol árabe. Em 1994, voltou a fazer a dupla de sucesso com Carlos Alberto Parreira, agora na função de coordenador técnico da Seleção. Era a quarta Copa do Mundo de Zagallo, um recorde até hoje, talvez para sempre. Em 1998, Zagallo voltou na final da Copa, mas foi derrotado pelo meu país, a França. Como já falei várias vezes nesse blog, descobri o futebol com 6 anos durante a Copa do Mundo de 1998 e me apaixonei diretamente pelo Brasil. Zagallo, na época um senhor de 67 anos, foi então o técnico do primeiro time de meu coração. E claro, na época, estava longe de saber o quanto ele era um monumento do futebol.
Zagallo foi, ainda é, um monumento do futebol. Não é exagero considerar ele ao lado de Pelé o personagem mais importante do futebol brasileiro. Vale a pena deixar um trecho do livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos de André Kfouri e Paulo Vinicius Coelho: “Não há brasileiro mas intimamente ligado à Seleção. Hoje em dia, quando alguém diz que determinada camisa ‘é minha segunda pele’, é quase impossível acreditar. Mas imagine Zagallo falando dessa forma sobre a camisa de Seleção Brasileira de futebol e diga se não soa absolutamente autêntico”. E depois de todos os sucessos com Botafogo e a Seleção, Zagallo voltou no Flamengo no final de 2000. Na final do campeonato carioca 2001, Flamengo perdeu o jogo de ida com falta do jovem Juan nos dois gols vascaínos. Mas Zagallo manteve sua confiança no Juan, falando para ele que ia chegar até a Seleção, e em todos os outros jogadores. Escreve Marcos Eduardo Neves no seu livro 20 jogos eternos do Flamengo: “O time confiava no que dizia Zagallo. Sem vaidade, aos 69 anos de idade, o comandante vibrava feito menino, conclamando cada um a dar o melhor de si. Como, por sinal, houvera feito em abril de 1956, quando conquistou o Tri dentro de campo para o clube. Em referência ao brasileiro campeão mundial de boxe, Zagallo pedia onze ‘Popós’ em campo. Com sete pratas da casa entre os titulares – o goleiro, os quatro zagueiros, o meia Rocha e o atacante Reinaldo –, personalidade e identificação não iriam faltar”.
E no 27 de maio de 2001, claro um jogo eterno no Francêsguista, com estátua de Santo Antônio no bolso de Zagallo, com bola na gaveta de Pet, Flamengo foi campeão, Vasco vice, Flamengo tricampeão. No final do ano, Zagallo chegou aos 281 jogos como técnico do Flamengo. Ainda é hoje o quarto com mais jogos na história do clube atrás de Flávio Costa, que lançou Zagallo como profissional, Fleitas Solich, técnico no tricampeonato 1953-1955 com Zagallo no time, e Carlinhos, que estreou no time principal em 1958, ano da saída de Zagallo do clube. Mas de todos os 281 jogos, o mais marcante é sim o jogo do título contra Vasco, maior alegria de toda uma geração de rubro-negros. Falou um exaltado, quase alucinado Zagallo no final do jogo: “Era minha última oportunidade de conquistar um novo Tri. Este tricampeonato, na minha vida, valeu como se eu tivesse ganho outra Copa do Mundo”. Assim foi a prova final de um dos maiores ídolos do futebol mundial em geral e do Flamengo em particular.








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