Sem jogo hoje, eu vou para a lembrança do dia de um jogo do campeonato carioca contra um adversário que não joga mais na elite, mas um adversário de tradição, o America. Durante muitos anos, o clube alvirrubro era a quinta força do futebol carioca e fechou justamente no quinto lugar o campeonato carioca 1978, conquistado pelo Flamengo, que iniciou assim sua Era de ouro.
Apenas algumas semanas depois, Flamengo voltou no campeonato carioca que, pela primeira vez, incluía times do interior do Rio de Janeiro. Flamengo estreou, sem Zico, com vitória sobre Volta Redonda, três dias antes do jogo contra America. No 11 de fevereiro de 1979, o saudoso Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Manguito, Rondinelli, Júnior; Leandro, Adílio, Zico; Reinaldo, Júlio César Uri Geller, Cláudio Adão. Um time ainda em transformação, com o jovem Leandro escalado no meio de campo.
E o jogo contra o America foi histórico antes mesmo do apito inicial. Foi o jogo da inauguração do placar eletrônico do Maracanã, que se tornara tão mítico nos anos seguintes. E o primeiro artilheiro do placar eletrônico foi Reinaldo Gueldini, contratado pelo Flamengo em 1979, vindo justamente do America. Com 28 minutos de jogo, a defesa do America saiu mal a bola, que voltou nos pés de Júlio César Uri Geller. No seu estilo particular, Júlio César deu um drible encantador, se livrou de um outro adversário com mais um drible e cruzou. A bola desfilou na grande área alvirrubra e chegou até os pés de Reinaldo. No domínio de Reinaldo, a bola se elevou, Reinaldo deixou a cair antes de chutar cruzado para ter o primeiro “GOL” no placar, tudo lindo, tudo eletrônico.
Com 28 minutos de jogo, agora no segundo tempo, num escanteio, de novo uma bola mal afastada pela defesa do America. E o craque Adílio apareceu. Sem tocar a bola, mas com a finta necessária, ganhou a bola, e com dois toques leves, perfeitos, ganhou a dividida. Voltou contra o mesmo zagueiro, e o eliminou mais uma vez, com apenas um drible curto. E agora mais uma vez, a jogada cerebral do autêntico craque. Adílio fez uma pequena finta de passe, quase imperceptível, mas que fixou o zagueiro, deixando tempo para Adílio de fazer mais um drible seco do pé esquerdo e de chutar forte na gaveta, indefensável para o goleiro País. Um golaço, um gol de placa, para o novo placar. “Só o gol vale o ingresso” falou o grande narrador Luciano do Valle. Mas para os 45.021 presentes no Maracanã, tinha ainda mais, muito mais.
Zico ainda não tinha aparecido muito no jogo, mas ele tinha gosto de vingança na boca e nas pernas. Um ano antes, Nosso Rei bateu uma falta e o goleiro americano País defendeu. Defender uma falta de Zico era como defender um pênalti. O País, saindo como vencedor, exibiu a bola como um troféu para a torcida flamenguista, irritando uma Nação inteira e o próprio Zico, que foi para o País falar: “Te cuida que, no ano que vem, eu desconto”. E em 1979, um ano histórico para Flamengo e Zico, Deus descontou.
Faltando dez minutos para o jogo acabar, Zico lançou Luisinho, um defensor do America chegou e fez uma falta desnecessária, uma “falta a caráter para Zico” segundo Luciano do Valle. “Dali é pênalti” acrescentou o comentarista Raul Quadros. E foi mesmo, o goleiro País ficou no meio do gol e apenas olhou para a bola, que chegou cirurgicamente na gaveta. Mais um golaço no Maracanã, mas o gosto de vingança de Zico ainda não era completamente adocicado. Apenas um minuto depois, de novo passe de Zico, levemente desviado pelo Adílio, até Luisinho, que cravou outra falta, quase no mesmo lugar do que a primeira falta, quase de novo um pênalti para o talento de Zico. “Outra vez uma falta no mesmo lugar, é tudo igual, parece um videoteipe, só falta a saber se a conclusão do lance será idêntica” antecipou Luciano do Valle.
E foi, ou quase. A bola de Zico, de novo cirúrgica, foi um pouco em baixo da gaveta, quase a meia altura. Mas o desfecho foi o mesmo, bola nas redes, mais um gol no placar, mais um golaço no Maraca. E o País abatido, nunca mais provocou Zico. Nosso Rei não foi o inaugurador do placar eletrônico, mas foi o primeiro a fazer 2 gols no mesmo jogo, e quais golaços. Fazer um gol de falta já é uma façanha, ainda mais hoje, fazer 2 gols de falta no mesmo jogo é para poucos, mas 2 gols em 2 minutos, apenas para Deus, Nosso Rei, Zico.
Deixo na crônica a sequência impressionante dos gols de Zico, mas vale a pena procurar também os dois primeiros golaços da história do placar eletrônico, principalmente o de Adílio, uma obra de arte, um pouco apagada pela genialidade de Zico.








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