O ano passado, Botafogo passou muito perto, e ao mesmo tempo muito longe, do título brasileiro. Em 1992, também passou perto, passou longe. No primeiro jogo da final, a segunda da história do Brasileirão entre clubes cariocas depois do Fluminense x Vasco de 1984, Flamengo aplicou um implacável 3×0, um jogo eterno no Francêsguista. Principal nome do jogo, o Vovô Garoto Júnior advertiu os companheiros mais jovens de não fazer o mesmo erro que os jogadores do Botafogo na ida, que consideravam o jogo como já ganhou. Quem errou foi o Renato Gaúcho, na época jogador do Botafogo, e que entre os dois jogos participou de um churrasco com o atacante rubro-negro Gaúcho, em total descontração. O presidente do Botafogo ficou vermelho, baniu Renato Gaúcho do segundo jogo e do clube.
No 19 de julho de 1992, apenas 12 dias depois de meu nascimento, o técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Wilson Gottardo, Gelson, Fabinho; Uidemar, Júnior, Zinho, Júlio César Garcia, Piá; Gaúcho. Infelizmente, antes do jogo, teve uma tragédia. No Maracanã, tinha 122.001 pagantes, quase 145 mil presentes. O velho Maracanã não aguentou e uma grade da arquibancada caiu, precipitando a queda de dezenas de pessoas e a morte de 3 torcedores do Flamengo de 16 a 25 anos. De uma certa maneira, também foi a morte do Maracanã, que foi interditado até o fim do ano de 1992 e nunca mais voltou ao mesmo. Para evitar uma catástrofe maior, o jogo foi mantido, alguns jogadores do Flamengo nem sabendo do que aconteceu.
Precisando de um milagre, Botafogo partiu ao ataque no primeiro tempo e quase fez um gol de falta, mas Gilmar defendeu a tentativa de Carlos Alberto Dias. Na zaga do Flamengo, sobrava Gelson Baresi, chamado assim em homenagem ao líbero italiano, que não se impressionou com a importância do jogo, apesar de seus 18 anos, apesar de jogar sem contrato profissional ainda, apesar de o jogo ser apenas seu quinto jogo com o Manto Sagrado. No ataque, Zinho infernizava com seus dribles a defesa do Botafogo, obrigada a cometer falta, na direita do campo. Júnior cobrou, Gaúcho desviou de cabeça, Piá chutou, Renê salvou em cima da linha. Ainda 0x0 no Maracanã.
Zinho, no dia do aniversário da mãe, continuou a provocar a defesa alvinegra com dribles e forçou a expulsão de Renê. Minutos antes do intervalo, teve uma falta em favor do Flamengo, bem no centro do gol, com 20-25 metros de distância. Era o momento para Júnior brilhar mais uma vez. Relembra Júnior no seu livro Minha paixão pelo futebol: “O jogo começou muito nervoso como eu previa. A marcação, acirrada nos dois lados do campo. Lá pelos 43 minutos do primeiro tempo, eu tinha invertido minha posição com o Uidemar, meu companheiro de meio-campo, para que ele pudesse ter mais liberdade, já que eu estava muito marcado. Foi então que o adversário cometeu a bobagem de fazer uma falta perto da área inimiga – para nós -, sofrida pelo Gaúcho do lado direito da defesa do goleiro Ricardo Cruz, do Botafogo. Senti que era o momento de deixar a minha marca no Maracanã. Era uma falta perfeita para quem chuta com o pé direito, exatamente como eu gostava e tinha treinado na véspera muito com o Zinho. Eu cheguei para bater e o Zinho, que tinha tido um ótimo aproveitamento, pediu a vez: ‘Deixa comigo, maestro, que eu vou marcar o gol’. Esperei o Ricardo fazer a barreira e respondi ao Zinho: ‘Está mais para o pé direito, se eu acertar o gol dificilmente ele vai pegar, está muito perto’. A trajetória que a bola iria tomar comigo batendo iria fugir do goleiro, e o Zinho como canhoto ia de encontro a ele. Ele me olhou não muito convencido e se posicionou como se fosse bater, porém, no último segundo, disse: ‘Vai você’. Acho que até o Ricardo Cruz achou que ele iria bater mesmo”.
Também não estou muito convencido com o argumento de Júnior, mas estou convencido que ele é um craque, que o momento era dele, com a experiência de seus 38 anos, metade jogando futebol como profissional. “O tempo é uma convenção que não existe nem para o craque nem para a mulher bonita” escreveu uma vez Nelson Rodrigues. O Vovô Garoto cobrou, gavetou, golaçou. “O gol de falta que inaugurou o marcador aos 42 minutos do primeiro tempo teve o toque do gênio na maciez marota da curva, descrevendo no ar a trajetória oblíqua e dissimulante como os celebrados olhos de Capitu” escreveu Villas-Bôas Corrêa para o Jornal do Brasil. Além do gol, a comemoração também é icônica. Júnior mexeu os braços, pulou, gritou, sorriu. “Guardo até hoje na cabeça minha vibração após o gol de falta” explicou Júnior, como é o caso de todo mundo que assistiu ao gol, no Maracanã, na televisão, no replay. Com esse gol, Júnior chegava ao seu nono gol no campeonato e virava o maior artilheiro do Flamengo no Brasileirão, ultrapassando os 8 gols de Gaúcho. Ainda Júnior: “Até hoje, quando revejo este gol, me vem a certeza de que foi sem dúvida o mais importante da minha vida como profissional do Flamengo. A hora da bola dentro da rede e a do eco da torcida, num dos maiores e mais belos estádios de futebol do mundo, ficarão para sempre impressos em meu coração”.
No início do segundo tempo, um lance na esquerda, com passe de corte de Zinho para Piá que cruzou, Júlio César se jogou no chão para fazer o segundo gol do dia. Nos 10 minutos finais, Botafogo fez 2 gols e chegou ao empate. Nada para impedir a alegria da torcida do Flamengo, com gritos de “é campeão”, com gritos para Júnior, mais uma vez o herói da Nação. De novo Júnior, agora no livro Os dez mais do Flamengo, de Roberto Sander: “Tenho um carinho muito grande por este título. Eu era o único remanescente da época de ouro vivida pelo clube de 78 até 83. Eu era, na verdade, um irmão mais velho daquela garotada. Procurava orientá-los sobre como enfrentar as dificuldades da profissão. Para mim, que terminei, inclusive, como artilheiro do time, foi indescritível. Ainda mais porque ninguém acreditava na gente, pois tinham equipes que haviam feito campanhas melhores. Só que foi criada uma alquimia muito forte com a torcida. Na fase final, tivemos uma média de 50 mil torcedores. Essa conquista foi um prêmio pelo sacrifício que fiz. Naqueles jogos decisivos, consegui jogar acima da média. Tive um plano de trabalho, feito pelos preparados físicos Marcelo Pontes e Helvécio Pessoa, que fez com que eu terminasse os jogos querendo mais. Esse foi o ponto determinante para que superássemos nossos adversários”.
Bom lembrar que Júnior por pouco não renunciou a jogar o Brasileirão, como ele explica para Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos eternos do Flamengo: “Foi uma escolha difícil, mas acertada. Todo mundo dizia que seria melhor eu parar depois do título carioca de 1991. Mas resolvi acreditar e conquistei este. Valeu ou não valeu?”. Valeu Maestro, valeu mil vezes, valeu o penta, valeu as lembranças eternas da Nação. E eu na França, um bebê de 12 dias, já flamenguista na alma, já conhecia a maior alegria do mundo, ser campeão com o Flamengo.








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