Jogos eternos #172: Flamengo 5×2 Fluminense 1972

Ainda sem jogo do Flamengo esse meio de semana, fica para nós o passado, os jogos eternos. E para a crônica #172, volto ao ano de 1972, com o clássico mais charmoso no futebol, o Fla-Flu, que começou 40 minutos antes do nada, se eternizou com as escritas de Mário Filho e as jogadas de tantos futebolistas, alguns dentro dos maiores da história, outros quase esquecidos.

Em 1972, Zico já tinha estreado no time principal, um ano antes, mas com a chegada de Zagallo no banco, voltou no time dos juvenis e fez apenas 8 jogos com o time principal durante o ano de 1972. Fala o próprio Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Quando o Zagallo chegou, em 1972, eu fazia parte do plantel e ele me disse: ‘Eu não vou contar com você, se você quiser ficar treinando, você fica, se quiser voltar para os juvenis, volta’. Eu disse-lhe que tinha contrato com o Flamengo e que ia ficar, desde que não me mandassem embora. Mudava de roupa, às vezes nem treinava, não participava de nada. Eu poderia ter saído por causa do Zagallo. E só permaneci em atividade mesmo porque o Antoninho apareceu na Gávea pedindo para eu jogar no juvenil. O Zagallo de fato raras vezes me solicitou, e quando o fez, me botava 15, 20 minutos, fora da minha posição, na ponta-direita, no meio-campo, na ponta-esquerda”.

Tricampeão do mundo em 12 anos, o futebol brasileiro era o maior do mundo, e com o quase fim da Era Pelé em São Paulo, o futebol carioca parecia estar na frente. Botafogo, que perdeu um ano antes o campeonato carioca de forma dramática, ainda era o favorito, com os tricampeões do mundo Jairzinho e Brito e a volta de Roberto Miranda depois de uma passagem sem brilho no Flamengo. O último campeão, Fluminense, também tinha seus campeões do mundo, Félix e Marco Antônio, além de um meio de campo com Didi (não o Príncipe Etíope mas outro grande jogador) e Denílson, e no ataque o herói do título de 1971, Mickey. O Vasco conseguiu a contratação de Tostão e até os pequenos podiam contratar gigantes, no Olaria chegou Garrincha.

Mesmo sem Zico, Flamengo tinha um grande time. Em 1972, um ano histórico no Francêsguista, Flamengo contratou o grande craque do botafogo, Paulo César Lima Caju, e teve a volta do craque argentino Doval. O gringo chegou no Flamengo em 1969 e sofreu com as escolhas táticas do técnico Yustrich. Depois de dois anos sem muito destaque, voltou na Argentina onde foi emprestado ao Hurrácan, treinado pelo César Luis Menotti. Jogou bem e voltou no Flamengo em 1972, agora com Zagallo no banco. Flamengo começou a temporada de 1972 com um jogo eterno contra Benfica e conquistou o Torneio Internacional de Rio de Janeiro, Paulo César Lima fazendo o gol do título contra Vasco. Começou aqui o trio Paulo César Lima – Doval – Caio. Até o Fla-Flu decisivo, Flamengo fez 30 gols, sendo 12 de Doval, 9 de Caio e 6 de Paulo César Lima. Ou seja, sobrou apenas 3 gols para os outros jogadores!

Flamengo disputou a Taça Guanabara, instaurada em 1965. Mas pela primeira vez em 1972, a Taça Guanabara era o primeiro turno do campeonato carioca, e não mais uma competição à parte. Com seu trio de ouro, Flamengo conquistou 8 vitórias e fez apenas 2 empates, contra Olaria na estreia e depois contra Botafogo. Flamengo chegou na última rodada ainda invicto, contra Fluminense, também invicto, também com 8 vitórias e 2 empates. O Fla-Flu valia título. O técnico Zagallo, com ainda todo o brilho do tricampeonato com a Seleção e do campeonato carioca 1971 com Fluminense, falou que nunca perdeu uma decisão. O goleiro tricolor Félix respondeu que nunca perdia contra Flamengo. O Fla-Flu era eterno antes do apito inicial.

No 23 de abril de 1972, Zagallo escalou Flamengo assim: Renato; Aloísio, Fred, Tinho, Rodrigues Neto; Liminha, Zé Mario; Rogério, Caio, Doval, Paulo César Caju. Flamengo tinha a ausência do zagueiro paraguaio Francisco Reyes quando Fluminense era desfalcado de Lula. O Fla-Flu lotou o Maracanã, com 137.002 torcedores, que cantaram a última marchinha da Mangueira, Carnaval dos Carnavais. O ditador Médici, presente da tribuna de honra, aplaudiu de pé. Já antes do jogo, o Maracanã vibrava, com sua geral, suas bandeiras e seus foguetes, seus cantos. Era dia de Fla-Flu, era dia de futebol.

Fluminense teve o primeiro lance de perigo e Flamengo teve o primeiro gol. Aos 11 minutos, o volante Liminha chutou cruzado e abriu o placar. Festa no Maraca, festa no Rio. Oito minutos depois, num escanteio, Caio matou a bola de peito, matou as redes tricolores de pé esquerdo. Um golaço e uma comemoração icônica, Caio fez 3 cambalhotas antes de abraçar a geral, de se eternizar no Fla-Flu, de ganhar o apelido que quase virou nome, Caio Cambalhota. E dez minutos depois, o grande Paulo César Caju, no seu estilo driblador e espetacular, venceu dois adversários, chutou mas o goleiro Félix defendeu. Caio Cambalhota, já era o nome, chegou, voleiou, golaçou mais uma vez. E cambalhotou de novo, na doce e barulhenta explosão de felicidade da geral. No intervalo, Fla 3×0 Flu, o troféu quase nas mãos rubro-negras.

No segundo tempo, Doval fez o quarto gol do Flamengo e começava a se eternizar como ídolo e craque do futebol carioca, depois brilhou também com a camisa da vítima do dia. Com gols de Jair, não o craque do Botafogo, presente neste dia no Maracanã como simples espectador e admirador do futebol carioca, e de Mickey, Fluminense voltou ao 4×2, voltou a ameaçar o título que já pertencia ao Flamengo. E Caio apareceu mais uma vez. Caio nasceu numa família de 3 jogadores de futebol, é irmão de Luisinho Lemos e César Maluco, começou no Botafogo e se eternizou no Flamengo com um jogo só, o Fla-Flu da Taça Guanabara. No finalzinho do jogo, Caio chegou na grande área, fez o terceiro dele e não teve outro jeito, fez 3 cambalhotas na frente da geral, definitivamente e imensamente feliz.

O Flamengo era o campeão e o escritor tricolor Nelson Rodrigues devia se render ao talento de Caio: “Esse rapaz veio ao mundo para marcar os 3 gols de ontem, um dos quais uma obra-prima de concepção e execução. O gol, para Caio, não é apenas um esforço, não é apenas uma habilidade, não é apenas um apetite. É uma tara. Eis tudo: Caio tem a luminosíssima tara do gol”. Flamengo vencia 5×2 com 3 gols do agora eterno Caio Cambalhota e também grande jogo dos craques Doval e Paulo César Lima Caju. Flamengo era o campeão, Fluminense o derrotado, e para acalmar a torcida tricolor, o vice-presidente do clube anunciou a chegada iminente do craque Gérson. O Canhotinha de Ouro chegou no Fluminense sim, mas no final do campeonato carioca, deu mais uma vez Flamengo no Fla-Flu, mais uma vez Flamengo campeão, com gol do artilheiro e ídolo Doval e outro de Caio Cambalhota, esta vez sem cambalhota, mas sempre com a felicidade da geral.

Assim, fecho essa crônica com depoimento do jornalista argentino Manolo Epelbaum ao Roger Garcia: “ Na vida de Doval nunca foi nada exagerado. Dessa partida, lembro que, coincidentemente, se encontrava no Rio o jornalista argentino Pedro Uzquiza, ao qual convidei para assistir a esse Fla-Flu, que se equivalia a um River Plate x Boca Juniors, mas com uma moldura de 150 000 espectadores […] Lembro que Liminha, um volante com pouca chegada ao gol, abriu a contagem e que depois Caio, que em seguida receberia o apelido de ‘Cambalhota’ de forma definitiva, marcou em três oportunidades, e Doval também marcou o seu. Pedro Uzquiza, o colega do Clarín, não saía de si ao finalizar a partida e seu entusiasmo, a par do meu, foi vertido nas páginas, tentando dar uma imagem real da emoção que somente um Fla-Flu com Flamengo vitorioso pode oferecer”.

2 respostas para “Jogos eternos #172: Flamengo 5×2 Fluminense 1972”.

  1. Avatar de Times históricos #28: Flamengo 1968 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] contra Boca Juniors e venceu 2×1 Rosário Central com doblete de César Maluco, irmão de Caio Cambalhota, herói do Fla-Flu de 1972 que eternizei no blog pouco tempo atrás. Flamengo voltou ao Brasil para um amistoso que marcou a reestreia de Silva. Na […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #209: Flamengo 3×2 Fluminense 2013 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] meu clássico favorito no futebol carioca, um jogo que eternizei muitas vezes aqui, por exemplo o 5×2 de 1972, o 5×3 de 2010, o 4×1 de 1976, o 2×0 de 2009, o 3×2 de 1993, o 3×2 de […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”