Flamengo joga hoje contra Bahia, na Copa do Brasil, na Fonte Nova. Já escrevi durante a semana sobre um jogo na Fonte Nova, primeiro gol de Zico com o Manto Sagrado, em 1971, mas vou repetir a dose, com um jogo mais recente. O jogo de hoje marca mais um reencontro entre Flamengo e Éverton Ribeiro, que já recebeu linda e justa homenagem da torcida rubro-negra em junho. Mas escrevi pouco sobre o Miteiro, então vou escolher um jogo em Salvador, onde brilhou com o Manto Sagrado.
Éverton Ribeiro ficou às vezes um pouco atrás do trio Arrascaeta – Bruno Henrique – Gabigol. Foi menos decisivo, mas tão importante. Éverton Ribeiro é um facilitador das coisas, não é por acaso que Bahia faz uma grande temporada esse ano. Além disso, o futebol de Éverton Ribeiro tem uma beleza plástica para mim até superior à de Arrascaeta. Já falei que adoro acompanhar o futebol brasileiro para ver as jovens promessas em acensão na carreira, que depois vão brilhar na Europa, e também para continuar a ver os antigos craques, de volta ao Brasil depois do sucesso na Europa. Mas também me sinto privilegiado aos demais europeus para ver jogadores diferentes, com ainda alma do futebol brasileiro, mesmo alguns sendo gringos.
Nas minhas peladas, gosto de jogar como camisa 10, fazer meus passes e meus dribles, jogar de sola, de bico, de trivela, de três dedos. Fazer o chapéu, a matada de peito, a caneta, roleta, corta-luz. É meu estilo de futebol e adoro ver o futebol de Raphael Veiga e Ganso hoje, de Darío Conca e Jorge Valdivia uma década atrás. E para nós flamenguistas, outros dois gringos, Arrascaeta hoje, Petkovic uma década atrás. São jogadores quase, ou às vezes absolutamente, não conhecidos na Europa, assim me sinto privilegiado para o futebol desses jogadores, de os conhecer, de ver e rever as magias que fizeram em campo. Éverton Ribeiro faz parte desse tipo de jogadores, sem carreira na Europa, mas um jogador que faz a diferença com um toque, um domínio, um chute, um passe, um drible. É o jogador que vale a pena de acordar no meio da noite, pesadelo dos brasileiros que moram na Europa, para assistir ao futebol dele. É o jogador que vale a pena de pagar o ingresso para ir ao estádio. Já quando foi bicampeão brasileiro com o Cruzeiro, eu adorava Éverton Ribeiro, e passei a adorar ainda mais quando assinou com o Flamengo, em 2017.
E Éverton Ribeiro ganhou tudo com o Flamengo, conquistou todos com seu futebol de classe, de inteligência, de técnica, mesmo sem ser muito decisivo. Em 2020, antes do jogo contra Bahia, passou 13 jogos consecutivos sem nenhum gol ou assistência. O Flamengo começou o Brasileirão 2020 de forma bem mediana: 2 vitórias, 2 empates, 2 derrotas. No 2 de setembro de 2020, o técnico espanhol Domènec Torrent, que chegou no clube um mês antes com a tarefa difícil, talvez impossível, de substituir Jorge Jesus, escalou Flamengo assim: Gabriel Batista; Isla, Rodrigo Caio, Léo Pereira, Renê; Willian Arão, Thiago Maia, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Pedro Rocha, Pedro.
E no Pituaçu, Flamengo começou muito bem, no primeiro minuto do jogo, o próprio Éverton Ribeiro teve grande oportunidade do gol, mas chutou para fora. Na saída da bola, Fortaleza saiu muito mal, a Globo ainda mostrava o replay do chute de Éverton Ribeiro quando Pedro pressionou nos pés do goleiro e se jogou nos pés dele para tocar a bola e abrir o placar. Pela primeira vez, Pedro era titular num jogo do Brasileirão com a camisa do Flamengo e não decepcionava a torcida, fazendo gol com apenas 2 minutos de jogo. E com 15 minutos, Arrascaeta achou Pedro, na meia-lua. Pedro fez o domínio absolutamente perfeito, se distanciando um pouco do zagueiro para abrir espaço. Pedro chutou, bola tocou na trave esquerda, tocou na trave direita e finalmente entrou no gol. Golaço, o goleiro apenas olhou, Pedro já fazia o doblete.
Bahia reagiu e fez o gol com mais um bate-bate, o chute de Rodriguinho tocou no travessão, quicou no chão e finalmente entrou no gol. E a chuva impressionante na Bahia se transformou em chuva de gols no Pituaçu. Cinco minutos depois do gol do Rodriguinho, um golaço coletivo para Flamengo. Jogada começou nos pés do Éverton Ribeiro, para Pedro, em um toque de calcanhar para Isla, em um toque para Éverton Ribeiro. E o Miteiro mágico mostrou mais uma vez que era um jogador diferente, de improvisação e de imprevisibilidade . Em um toque de três dedos, completou a tabelinha alta na grande área para Isla que cruzou, de novo em um toque, para a cabeçada vitoriosa de Arrasca. Um autêntico golaço, 5 passes, 5 toques e marca de gênio de Éverton Ribeiro. Ainda no primeiro tempo, o goleiro flamenguista Gabriel Batista falhou duas vezes e Élber aproveitou para fazer o gol. O intervalo serviu para secar um pouco as roupas e respirar depois de 45 minutos de futebol de alta qualidade.
E segundo tempo voltou com chuva, voltou com gol, voltou com golaço. Se no primeiro tempo o golaço foi coletivo, no segundo tempo, o golaço, com apenas 3 minutos de bola rolando, foi individual. E de novo, teve a inspiração genial de Éverton Ribeiro, que recebeu a bola na direita. Cercado por Zeca e Daniel, Éverton Ribeiro mostrou seu repertório infinito de futebol. Toque de bico, drible curto, finta sem tocar a bola, toque de calcanhar, pedalada, o Miteiro eliminou os dois sem os deixar tempo de reagir, nem de entender o que aconteceu. Juninho chegou bem na bola e chutou para fora, impedindo Éverton Ribeiro de brilhar mais. Por segundos apenas. Na lateral de Isla, Éverton Ribeiro foi cercado de novo por Zeca e Daniel. E passou de novo com a mesma facilidade. No domínio de joelho, domínio reservado apenas aos craques, Éverton Ribeiro levantou a bola, girou e passou em cima do adversário. Com apenas um toque, Éverton Ribeiro eliminou dois jogadores. Deixou a bola cair uma vez no chão e chutou curvado, encobrindo o goleiro. Um golaço, mais um para Éverton Ribeiro, que no final da temporada, recebeu o prêmio do gol mais bonito do Brasileirão 2020. E mais impressionante é que não foi por esse gol, mas por um gol marcado apenas três dias depois, o de cavadinha contra Fortaleza. Esse gol contra Bahia também merecia o prêmio, pode assistir mil vezes, como pode assistir mil vezes aos dribles no mesmo lance, vai se maravilhar mil vezes.
E mais, Éverton Ribeiro dedicou o gol contra Bahia ao filho recém-nascido, Antônio nasceu apenas uma semana antes do jogo. Claro, a Nação rubro-negra, já apaixonada pelo primeiro filho de Éverton Ribeiro e Marília, o Baby Guto, ainda não sabia quantas alegrias ia trazer o Totói, torcedor símbolo do Flamengo, para alguns a reencarnação de uns dos 6 remadores. Conquistou todos com seu amor natural pelo Flamengo e suas provocações aos rivais. Confesso que estava em favor da renovação do Éverton Ribeiro no Flamengo para, além do futebol dele, ter mais um ano Totói na torcida. Ainda jovem, eu tinha medo de ele perder esse amor pelo Flamengo. Mas sua alma é colorida de rubro-negro, mesmo longe de Rio, ainda tem esse amor pelo clube, mostrou isso já na presentação de Éverton Ribeiro no Bahia quando cantou o hino do Flamengo, mostrou depois, com comemoração à la Gabigol, provocação ao Botafogo com o chororô, volta ao Maraca para “ver o papai e o Flamengo”. Totói ainda é nosso, ainda é Flamengo. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
Voltando ao jogo contra Bahia, Flamengo só precisou esperar cinco minutos depois da obra de arte de Éverton Ribeiro para fazer o quinto gol do dia, com Arrascaeta no início e na conclusão, o craque uruguaio tabelou na grande área com Pedro Rocha e finalizou sem chance para o goleiro Anderson. No finalzinho do jogo, Daniel deixou a derrota baiana um pouco menos severa, com outro belo gol, um chute na gaveta de Gabriel Batista. O placar final 5×3, o jogo foi tão bom que fez esquecer que se jogava sem público. O jogo de volta, no Maracanã no final do ano, também foi um jogaço, um jogo eterno no Francêsguista, com vitória 4×3 do Flamengo. E no final do campeonato, Flamengo foi campeão, Éverton Ribeiro se juntou a uma lista que tem Júnior, Andrade e Diego, para citar apenas rubro-negros, dos jogadores que conquistaram 4 vezes o Brasileirão. Éverton Ribeiro brilhou durantes anos no futebol brasileiro, durante 394 jogos com o Manto Sagrado, e continua a brilhar, agora longe do Flamengo. Mas como o filho Totói é para a eternidade flamenguista, Éverton Ribeiro é para sempre ídolo do Flamengo.








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