A 100a crônica foi sobre o Clássico dos Milhões, um Flamengo x Vasco de 1983, com show de Zico e classificação do Mengo na semifinal do Brasileirão. Para a 200a crônica, vamos para meu clássico favorito no futebol, o Fla-Flu, vamos voltar aos primeiros amores, quando comecei a acompanhar de perto o Mengão.
Comecei a acompanhar o futebol brasileiro de clubes em 2005, já flamenguista. Eu era flamenguista antes de assistir aos jogos, eu era Flamengo antes de nascer e serei depois da morte. Em 2006, tinha apenas o site francês Sambafoot para ter notícias do futebol brasileiro. Não assistia regularmente aos melhores momentos dos jogos, muito menos os jogos completos. Dependia totalmente do Sambafoot, a cada rodada mandava os placares dos jogos e quem fez os gols, às vezes tinha um pouco mais de informações. Lembrei bem que acompanhei de longe a decisão da Copa do Brasil, sabia que Vasco era rival, me alegrei muito com o título do Flamengo, sem saber que Vasco era, e ainda é, velho freguês.
Começava a conhecer um pouco os jogadores do Flamengo. Tinha Obina, decisivo na Copa do Brasil, meu primeiro ídolo, porque sabia que era ídolo da torcida. Eu já estava apaixonado com a Nação. Também conhecia a dupla de laterais Juan – Léo Moura, uma foto dos dois foi o papel de parede de meu celular durante um bom tempo. Também tinha pintado o nome de Ney Franco no meu estojo. Também conhecia os dois Renatos, Renato Augusto, queria já conhecer o futuro craque da Seleção, e Renato Abreu, que sabia que era um canhoto poderoso e perigoso, principalmente de faltas. Mas no total, sabia muito pouco do Flamengo e de sua história.
Porém, eu já sabia de toda a importância do Fla-Flu. É o clássico brasileiro que se fala mais na Europa, o clássico com a maior mística. Eu era doido para conhecer o Fla-Flu, para vencer o Fla-Flu. Nesse momento, não importa a forma dos times, os jogadores lesionados, a tabela, o mundo. Só importa o Fla-Flu. Minha memória afetiva se mistura à memória real e não lembro bem do pré-jogo, de minha ansiedade antes do apito inicial que nem cheguei a assistir. Não lembro do campeonato carioca de 2006, também não lembro bem do Fla-Flu do primeiro turno do Brasileirão de 2006, quando Fluminense venceu 1×0. Talvez minha memória afetiva apagou a memória real, mas talvez o Fla-Flu do segundo turno do Brasileirão de 2006 foi realmente “meu primeiro Fla-Flu”.
No 4 de outubro de 2006, para mais um jogo no Maracanã, também era apaixonado pelo Maracanã, Ney Franco escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Renato Silva, Fernando, Juan; Paulinho, Renato Abreu, Renato Augusto, Sávio; Obina, Luizão. Confesso que não lembro bem de Sávio na passagem de 2006. Conhecia ele por ter jogado no Real Madrid e na minha França, com Bordeaux, mas fez apenas 10 jogos na volta ao Mengo e não lembro. Do lado do Flu, outros dois nomes importantes: Thiago Silva e Dejan Petkovic. Thiago Silva, ainda não conhecia, mas já adorava a oportunidade de conhecer os craques brasileiros, não só do Flamengo, antes da ida na Europa. Dejan Petkovic, outra confissão, não lembro o que exatamente sabia dele. Eu ainda estava nos primeiros anos de meu PhD sobre Flamengo.
Jogo começou mal no Maraca, Petkovic cruzou e Tuta, que já tinha feito o único gol do Fla-Flu do primeiro turno, cabeceou e abriu o placar para o Flu. Quando a torcida do Fluminense ainda comemorava, era a vez da torcida do Flamengo de começar a comemorar, com uma falta a 35 metros de distância do gol, não muito perigosa para a maioria dos times, mas que se torna extremamente letal para quem tem Renato Abreu no elenco. A Nação empurrava forte, Renato Abreu chutou forte, ultrapassou os 100 km/h e achou a gaveta. Golaço.
Com meia hora de jogo, Luizão, não sabia que era aquele que foi pentacampeão com a Seleção em 2002, fez grande passe para Juan, que driblou o goleiro. Só faltava empurrar nas redes, mas Roger tocou no pé e desequilibrou Juan, na continuidade do lance Obina chegou e chutou num zagueiro em cima da linha, Luizão chegou e chutou no travessão. Incrivelmente, o juiz não marcou pênalti apesar da pressão dos jogadores rubro-negros, da torcida e da falta clara. O intervalo acabou assim, 1×1 no placar, nada decidido no Fla-Flu.
No início do segundo tempo, num escanteio vindo da direita, Sávio quase fez o golaço, com um domínio de peito e chutaço alto, que finalmente morreu no travessão. Um minuto depois, o quase gol bis, outro escanteio da esquerda, outro chute de Sávio. Renato Abreu não conseguiu cortar o chute, que finalmente passou fora. Ainda 1×1 no placar, ainda nada decidido no Fla-Flu.
Um minuto depois, uma bola longa de Renato Silva para Obina, que fez a finta de chute, o drible seco, mais um drible e uma falta. A torcida comemorou duas vezes, pela falta já perigosa no tempo normal, e porque tinha Renato Abreu no time. O comentarista anunciou: “a falta vai levar perigo porque Renato bate forte”. Não Renato Silva, não Renato Augusto, de falta, só tinha um, Renato Abreu, um ídolo no Flamengo e no Francêsguista. Renato Augusto beijou a bola e a entregou para Renato Abreu. Ele já sabia, como todos nós, eu já fazia parte da Nação. Renato Abreu mudou a forma de bater, não mais com só força, mas com mais efeito, mais colocado. O resultado foi igual, bola na rede, golaço. Flamengo virou com 2 gols de falta de Renato Abreu. Parece um feito único de fazer 2 gols de falta no mesmo jogo, mas não para Renato Abreu, que já tinha alcançado a façanha semanas antes, contra São Caetano.
Com hora de jogo, Thiago Silva falhou na saída de bola, Juan tocou para Sávio, que com a classe e inteligência dele deixou para Obina livre. Meu primeiro ídolo no Flamengo abriu o pé e fez o gol com a ajuda da trave. Alegria no Maracanã, tenho muita saudade desse Maraca, mesmo sem o conhecer de perto, sinto sua alma no meu peito. Pouco depois, Tuta quase fez o doblete com mais uma cabeçada, que tocou na trave de Bruno antes de ir para fora. E na sequência, o lateral Juan recebeu já na parte do campo do adversário. No estilo dele, passou entre dois defensores, chegou na grande área, fez uma finta para se livrar de mais um zagueiro e cruzou no chão. Obina chegou, decidiu, fez o doblete, fez o tento da goleada, a alegria do Maraca. E foi assim até o fim, quando o juiz apitou o final do jogo. Vitória de virada do Fla, goleada 4×1 do Mengo.
Depois de 2 anos e meio sem vencer Fluminense, depois de 8 Fla-Flus sem vitória, Flamengo finalmente era o dono do Fla-Flu, o Rei do Rio. Tive que esperar a segunda-feira para conhecer o placar, ver quem fez gol, dois dobletes de dois ídolos meus, Renato Abreu e Obina. Não lembro bem se assisti aos gols, minha memória afetiva acha que sim. Certeza é que como foi “meu primeiro Fla-Flu”, para mim o placar considerado normal do Fla-Flu durante muito tempo foi 4×1, goleada do Mengo, chuva de gols no Maraca, alegria da Nação que faço parte.








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