Jogos eternos #217: Flamengo 0x0 Atlético Mineiro 1981

Hoje é dia de decisão, também de desfazer mentiras, com um dos jogos mais polêmicos da história do futebol brasileiro. Talvez o mais polêmico, o mais comentado, o mais lembrado, e ao mesmo tempo, o menos conhecido. Tem gente que acha que foi uma final de Copa Libertadores, o que não era o caso, tem gente que acha que foi o maior roubo, o que também não foi. Vamos para hoje escrever sobre o jogo contra o Atlético Mineiro no Serra Dourada, apitado pelo famoso José Roberto Wright, que também não era flamenguista.

Flamengo e o Atlético Mineiro foram os dois melhores times brasileiros do início da década de 1980 e se encontraram na final do Brasileirão de 1980. Um jogo já polêmico, com 3 expulsões do lado do Atlético Mineiro. Era um time técnico, mas que também sabia usar de jogo duro, violento, às vezes desleal. Flamengo e o Atlético Mineiro se reencontraram na Copa Libertadores de 1981, o primeiro jogo um 2×2 no Mineirão, jogo apitado sem problemas pelo José Roberto Wright, o segundo, outro 2×2, agora no Maracanã. Os dois times acabaram a fase de grupos com 8 pontos, melhor saldo de gols para Flamengo, mas não era critério definitivo na época. Assim, um jogo extra foi marcado, com vantagem do empate para o Flamengo.

O local escolhido foi o Serra Dourada de Goiânia, por causa do gramado grande e de boa qualidade, apesar do desenho inusitado com quadrados e círculos. Era a escolha favorita do Flamengo e o folclórico presidente do Atlético Mineiro, Elias Kalil, não se irritou: “Não precisamos de favor de ninguém. Temos um grande time e condições de vencer o Flamengo em qualquer lugar, seja no Serra Dourada, ou até mesmo no Estádio Mário Filho”. A escolha do juiz também não gerou maior polêmica. José Roberto Wright nasceu no Rio de Janeiro mas apitava na federação gaúcha, era o melhor juiz do país e já tinha apitado (e bem) o jogo de ida entre o Atlético Mineiro e o Flamengo.

Para o jogo de desempate, Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Figueiredo, Mozer, Júnior; Vítor, Adílio, Zico; Tita, Baroninho, Nunes. O bom de um jogo de 37 minutos só é que é mais fácil para assistir ao jogo na integra. E o Atlético Mineiro não veio para jogar um jogo de futebol. No início, faltas dos dois lados e primeiro cartão amarelo justo para Toninho Cerezo. “Se eu não controlasse logo o jogo, iria perder o comando, ia ser uma…” explicou depois o personagem principal do jogo, José Roberto Wright. Aos 21 minutos, Leandro escapou de um carrinho por trás e foi parado pelo Palhinha, que levou cartão amarelo, este sim severo.

Os dois times acumulavam as faltas, Mozer fez falta dura no Vaguinho, que foi se vingar nos pés de Júnior e levou outro cartão amarelo, este bem justo. Dificilmente tinha 30 segundos sem o jogo parado por causa de uma falta e Mozer foi outro a levar cartão amarelo, por um empurro no Palhinha. Com tantas faltas, o José Roberto Wright parou o jogo. Explica o próprio Wright: “Chamei os dois capitães e falei mesmo. O primeiro que der uma porrada sai. E foi o que aconteceu”. O jogo mudou. Na parte do campo do Flamengo, Zico fez um drible, e Reinaldo deu o carrinho, mais de um atacante de que um defensor, mais desajeitado que violento, mas que também podia ser perigoso. Wright aplicou sua regra e expulsou Reinaldo. Confirma Zico, no livro Zico 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Havia muita rivalidade entre os dois times. O Wright parou a partida em determinado momento, reuniu o pessoal, e avisou: ‘O primeiro que fizer uma falta por trás eu vou expulsar’. Passaram-se cinco minutos, eu pego uma bola, o Reinaldo vem por trás e me dá uma tesoura. Então o Wright pôs ele para fora”.

Acho a expulsão severa, mas também justificada, considerando o contexto do jogo. Wright não podia perder o controle do jogo e ir atrás de sua ordem. “O Reinaldo não era indisciplinado. Mas deu aquela entrada por trás e foi expulso com justiça” estima o José Roberto Wright. Porém, Wright acabou perdendo o controle do jogo ao mesmo tempo que os jogadores do Atlético. Numa falta para o próprio Atlético Mineiro, Éder tocou no juiz. É leve, mas parece intencional, já que Éder tocou duas vezes no juiz, que o logicamente expulsou. E o Palhinha chegou, xingando o juiz. A história continua com Zico: “Aí o Palhinha tinha essa mania de falar para o juiz: ‘Você é filho da puta, não tem coragem para me expulsar, não é homem para isso’. Ninguém de fora do campo estava ouvindo isso, pô! O Wright olhou para ele e disse: ‘Ok, você também pode ir embora’, logo chegou o Éder, o Chicão, o Osmar, foi uma sequência. Eles queriam apitar o jogo”. Essa parte que esqueçam os atleticanos quando falam sobre “o maior roubo da história”. A expulsão foi justa, merecidíssima. O que devia fazer o juiz? Fingir que não ouviu, deixar Palhinha o xingar?

De novo, o José Roberto Wright, no livro 1981: Como um craque idolatrado, um time fantástico e uma torcida inigualável fizeram o Flamengo ganhar tantos títulos e conquistar o mundo em um só ano, de André Rocha e Mauro Beting: “Eu não aturava a indisciplina, a violência. Lutei sempre para o atleta jogar bola. Sempre fui rigoroso. Num jogo em Cochabamba, Wilstermann x Olímpia, foi a mesma coisa. Expulsei cinco do time da casa, uma cagada monumental… Mas é por isso que fui eleito em 2011 o maior árbitro da história do futebol brasileiro, e, ao lado do uruguaio Jorge Larrionda, um dos melhores da América latina”. Depois, o Atlético Mineiro não queria mais jogo e forçou a interrupção do jogo, esperando sei lá o quê. Um diretor do clube também perdeu a linha e fez uma declaração bem infeliz: “O Atlético vai se recuperar da manobra baixa que o Wright praticou aqui para a grandeza do futebol carioca! Eu pediria ao presidente Figueiredo que ele pratique no futebol brasileiro o que, felizmente, para a salvação nacional, foi praticado na revolução de 1964! Infelizmente, o futebol brasileiro não foi atingido por essa revolução salvadora!”. O Atlético Mineiro conseguiu as duas mais expulsões desejadas e sem número suficiente de jogadores, voltou para os vestiários, sob vaias do Serra Dourada, que merecia outro espetáculo.

Vale a pena citar o Rica Perrone, que assistiu ao jogo para Coluna do Fla: “O jogo estava muito bom, os dois times jogavam lealmente e o arbitro apitava corretamente até o lance do Reinaldo. Não há como alguns dizem uma sequência de roubos até conseguir tirar o Galo da Libertadores. Há um erro e o resto do que houve é apenas consequência deste erro. Ele não deveria ter expulsado o Reinaldo. O que vem a seguir são expulsões “justas” por comportamento, mas naturais em virtude do erro do arbitro. Ou seja, um roteiro bastante previsível até. Só que ao invés do arbitro ver que errou e fingir que não está ouvindo, ele bancou a expulsão e deu vermelho pra quem o xingava. Há UM erro no jogo. O restante é consequência disso […] Em resumo, não é o maior assalto da história porque há um erro de arbitragem apenas. Mas é sem dúvida a pior condução de um jogo que já vi”.

E nem sei se a expulsão de Reinaldo foi erro. O juiz avisou a regra, se não aplicava, jogo ia ficar ainda mais violento, e o primeiro expulso poderia reclamar com lógica da não-expulsão de Reinaldo. O Atlético Mineiro era um time muito bom, mas se recusou a jogar, já desde o início do jogo. Explica Júnior: “Foi uma completa perda de equilíbrio por parte dos atleticanos. O presidente do Atlético já tinha insinuado várias coisas. É lógico que o Atlético era um timaço. Mas a gente não precisava de ajuda para vencer”. O Atlético não respeitou os adversários, não respeitou o juiz e não respeitou o futebol. Poucos vão mudar de opinião, até porque existe uma preguiça para achar os fatos, porque o clubismo impede a procura da verdade, porque é mais fácil chorar. Não sei se a expulsão de Reinaldo foi um erro, mas tenho certeza que não foi todo o roubo que falaram, tenho certeza que o melhor time passou, tenho certeza que o Flamengo merecia a classificação e fez história.

Uma resposta para “Jogos eternos #217: Flamengo 0x0 Atlético Mineiro 1981”.

  1. Avatar de Jogos eternos #218: Flamengo 3×2 Atlético Mineiro 1980 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] o Atlético não se conformou e Chicão agrediu Tita. Foi logicamente expulso. Como acontecerá um ano depois, Palhinha xingou o juiz e também foi logicamente expulso. Escrevem André Rocha e Mauro Beting: […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”