Sem jogo esse fim de semana, eu já vou antecipar a próxima temporada. Santos conquistou a Série B e vai voltar no ano que vem a disputar um dos maiores clássicos do futebol brasileiro, com dois times conhecidos pelo jogo ofensivo. A partir dos anos 1950, teve vários jogos eternos, num palco ainda recente mais já mítico, o Maracanã, num gramado bem antigo, bem clássico, a Vila Belmiro. Ainda antes da chegada de Pelé, teve várias goleadas, 4×0 para Flamengo na Vila em 1953, 4×0 para Santos ainda na Vila em 1954, 5×1 para Flamengo no Maraca em 1955. Cada ano, uma goleada. E o jogo se eternizou ainda mais na Era Pelé. O melhor time do Brasil, do mundo, contra o time com a maior torcida no Brasil, no mundo. Com outras goleadas, 4×0 para Flamengo no Maraca em 1957, 7×1 para Santos no Maraca em 1959, Flamengo devolveu um mês depois com um 5×1 no Pacaembu. Um clássico cheio de gols, cheio de craques, cheio de emoção.
Em 1963, no Torneio Rio – São Paulo, ainda era uma época sem o Brasileirão, Santos venceu Flamengo 3×0, gols de Coutinho, Dorval e Pelé, e conquistou no Maracanã o torneio. Um ano depois, Santos voltou ao Maracanã para enfrentar Flamengo, de novo com a esperança de vencer o torneio. Precisava apenas de um empate para ser campeão no Maracanã. No 1o de maio de 1964, um mês depois do golpe que instaurou a ditadura militar, o técnico Flávio Costa escalou Flamengo assim: Marcial; Joubert, Paulo Lumumba, Ananias, Paulo Henrique; Carlinhos, Nelsinho; Espanhol, Aírton, Paulo Alves, Rodrigues. Como era feriado pelo Dia do Trabalhador, como tinha Pelé no outro time, Zito, Coutinho e Pepe também, o Maracanã lotou, com 132.550 presentes. Mesmo jogo sendo uma sexta-feira, mesmo sem chance de ser campeão, até com chances de ver o rival conquistar o troféu, a Nação foi ao Maraca para ver sua maior paixão, para ver o Flamengo.
E o Santos avassalador abriu o placar com apenas um minuto de jogo. O Rei foi na conclusão de um cruzamento de Pepe para vencer o goleiro Marcial e já colocar Santos na frente, perto do título. Pepe para Pelé, um lance visto tantas vezes, em tantos palcos do Brasil e do mundo. O zagueiro rubro-negro Paulo Lumumba vivia um pesadelo tão forte, levando vários chapéus e dribles de Pelé, que foi substituído com apenas 23 minutos de jogo. Entrou Ditão sob aplausos tímidos e esperança temida da torcida. O Pelé era imparável. Menos para Ditão. Escreveu Edilberto Coutinho no livro Nação Rubro-Negra: “Aí acontece o que se considerava até então impossível: Ditão tem Pelé amarrado a seus pés. E o mais bonito: não usou de violência. Apenas foi ‘madeira de dar em doido’, na expressão de um torcedor, uma sombra que não abandonava o Camisa 10 do Santos e da Seleção brasileira. Há momentos em que Ditão e Pelé se chocam. Pelé então tentava usar algumas peças do seu conhecido repertório de manhas e mumunhas para iludir juízes incautos: jogava-se continuamente ao chão, tentando cavar faltas. Ditão, sempre saindo inteiro de todas as jogadas, convincente, fazia cara de bom-moço, como se dissesse: ‘Eu, bater no Rei?’ O juiz Anacleto Pietrobom resiste em dar as faltas que Pelé pedia, desesperado por não ter espaço para o seu jogo saçaricante, ou saciricante (de endiabrado Saci; infernizante)”.
Flamengo resistiu ao poder ofensivo do Santos e Paulo Alves empatou no final do primeiro tempo com um golaço na gaveta de Gilmar. E o juiz finalmente se curvou ao Rei. Ainda Edilberto Coutinho: “No finalzinho do primeiro tempo, Pietrobom se rende às reinações do Crioulo: dá o pênalti que não houve. Foi assim: dentro da área do Flamengo, Pelé tenta passar a bola entre as pernas de Ditão, que escorrega, atingindo não intencionalmente seu atacante. Pelé, craque e artista, tomba como se um raio o tivesse fulminado. Pietrobom apita o que não existiu. Discussão. Palavrão. Juiz ladrão! Pepe bate rasteiro, e assim marca o segundo gol do Santos. Todos tinham a impressão de que a fatura estaria liquidada: Santos 2 x Flamengo 1”. No intervalo, Santos estava na frente, Santos era o campeão pela segunda vez consecutiva, pela segunda vez no Maraca, cheio de flamenguistas.
Mas o Flamengo não desiste, ainda mais com todo o apoio da Nação. No meio do segundo tempo, Espanhol, chamado assim porque nasceu na Espanha, driblou Geraldino na direita e cruzou. Paulo Alves falhou na jogada, Gilmar também. Carlos Alberto, que tinha entrado no lugar de Rodrigues, chegou, cabeceou, empatou. Delírio no Maracanã, medo no time santista, ainda campeão, mas a um gol de deixar escapar o título. Com as entradas em campo de Ditão e Carlos Alberto, Flávio Costa, no 673o jogo dele como técnico do Flamengo, mostrava mais uma vez que era um gênio, para sua penúltima temporada no clube, 30 anos depois de sentar pela primeira vez no banco do Flamengo.
Flamengo continuou no ataque, a Nação apoiou, com a esperança da virada. Ainda Edilberto Coutinho: “Aos 37 minutos, é o delírio total: a jogada começa com um centro de Espanhol, da direita. Aírton amortece no peito e gira de pé direito. É um chute tão forte e perfeito que o goleirão – o bicampeão mundial Gilmar – nem se moveu, só tendo espírito para acompanhar a bola se aninhando no seu ângulo direito. A torcida lança o seu grito de Flamengo, Flamengo numa ovação prolongada, entusiástica como os visitantes de Santos nunca viram […] Os jogadores do Flamengo fazem uma pirâmide humana, quase afogando Aírton, que está estendido no gramado, esgotado de emoção e de dor, pois se contundiu no lance. Nos minutos finais, o Santos ataca em massa, com avançadas perigosas e sucessivas. Mas a defesa do Rubro-Negro é uma muralha humana; capaz, assim, de garantir mais um triunfo histórico do Mengo”.
Flamengo conquistava uma vitória marcante, de virada, sobre o melhor time do mundo, com Maracanã cheio. Impedia o título de Santos, que finalmente chegou meses depois, já no ano de 1965, dividido com outro time inesquecível, o Botafogo de Garrincha. Inesquecível também, a vitória do Flamengo de Aírton Beleza sobre o Santos do Rei Pelé no Maracanã. Dois dias depois do jogo, José Castelo escreveu para o Jornal do Sports: “Foi uma vitória que refletiu a superioridade técnica do Flamengo em campo, sobretudo no segundo tempo quando o Santos, como que encantado ou sob o efeito da magia rubro-negra – tocada pelo sentimento de uma multidão de mais de 130 mil pessoas dando força e estímulo aos seus ídolos, à camisa que tem o fascínio da preferência, o poder de criar e ganhar a afeição, despertar o amor – sentiu-se atado de pés e mãos, sem poder controlar a disposição e a bravura do adversário, que o levou de roldão”.
Mas para fechar essa crônica, nada melhor que o jornalista tricolor Nelson Rodrigues, que exaltou tantas vezes o futebol brasileiro, a magia carioca, a mística rubro-negra, nas linhas do Globo: “De fato, nunca o Flamengo foi tão parecido consigo mesmo, tão profunda e eternamente Flamengo. Não se pode imaginar uma vitória mais rubro-negra […] Ora, a história dos clássicos e das peladas ensina que o grande futebol há de ter, por trás das botinadas, o sol da paixão. O Rubro-Negro foi crescendo em campo. E o Santos, que se preparara para uma vitória fácil, foi sendo triturado […] O terceiro gol foi um desenho prodigioso. A bola veio de Marcial e não saiu de pés cariocas. Até que Espanhol recebe e passa para Aírton. Este ajeita com o peito e enfia uma bomba deslumbrante. Não me venham dizer que Gilmar falhou. O tiro de Aírton levava a implacável predestinação do gol. Amigos, qualquer brasileiro, vivo ou morto, tem – de vez em quando – o seu momento rubro-negro. Foi assim anteontem, ao entrar a pitomba de Aírton. Quando a bola estourou nas redes, o estádio, a cidade e todo o Brasil sentiram-se rubro-negros da cabeça aos sapatos”.








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