Times históricos #33: Flamengo 1943

Flamengo conquistou o bicampeonato carioca 2025 e já caminha para o Tri, quem sabe mais. O início do campeonato foi difícil com apenas 1 ponto em 3 jogos, mas a partir do momento em que o time principal foi escalado, Flamengo foi um Rolo compressor: 9 vitórias, 2 empates, nenhuma derrota, 22 gols pro, apenas 2 gols contra. Vamos então para um outro Rolo compressor, um outro time bicampeão carioca, o Flamengo de 1943.

O Flamengo de 1943 começou sua temporada em São Paulo, já com uma goleada, 7×4 contra a Portuguesa. Como campeão carioca, disputou contra Palmeiras o Torneio de campeões SP-RJ, ainda no Pacaembu, e levou um duro 0x3, colocando um fim a uma série de 23 jogos invictos. De volta no Rio de Janeiro, Flamengo disputou uma nova competição da federação carioca, o Torneio Relâmpago, um torneio de uma semana entre as 5 principais forças do futebol de Rio de Janeiro. E Flamengo já ganhou um título em 1943, goleando Botafogo com hat-trick de Vicente e confirmando o título com sucesso contra o America, gols de Vevé e Nilo. Mesmo a goleada 1×5 tomada no Fla-Flu não impediu Flamengo de trazer a taça na Gávea. No Torneio Início, competição de um dia e jogos de 10 minutos, Flamengo estreou com empate contra Vasco e foi eliminado pelo critério de escanteios. Foi o último jogo de um ídolo do Flamengo, o argentino Valido, que com apenas 29 anos, pendurou as chuteiras para cuidar de sua empresa de gráfica.

Em seguida, veio a segunda edição do Torneio municipal, a primeira foi em 1938. Com os mesmos 10 times do campeonato carioca, Flamengo estreou com vitória 3×1 sobre Madureira, gols de Pirillo, Vevé, Nilo, mas, sem alguns titulares, perdeu 3 jogos consecutivos e a taça ficou nas mãos do São Cristóvão. No último jogo, Flamengo venceu Bangu 5×1, com 4 gols do argentino Alarcon, que ficou pouco tempo no clube carioca, fazendo apenas 10 jogos e 5 gols. O mais importante para Flamengo era o campeonato carioca, chegava a hora de buscar o bicampeonato. Fla estreou de novo contra Madureira, de novo com vitória. Em seguida, venceu 4×1 tanto o Botafogo que o Canto do Rio, e na quarta rodada, saiu derrotado contra o America. O jogo marcou a despedida de um outro ídolo argentino do Flamengo, Carlos Volante, que deu seu nome a sua posição em campo até hoje no Brasil.

Se em 1942 e 1944, o campeonato rubro-negro ficou ameaçado, até ilusório, perdido, em 1943 Flamengo foi um Rolo compressor. No jogo seguinte a derrota contra America, Flamengo venceu o Fla-Flu com um gol de Perácio, que voltava da Europa, participando da Segunda guerra mundial na Força Expedicionária Brasileira. A atuação de Perácio no setor ofensivo obrigou os adversários a recuar mais um jogador, dando assim início ao sistema 4-2-4 no Brasil. Porém, a alma do time era o outro artilheiro do Fla-Flu, o inesquecível Zizinho. No seu livro Anos 40, viagem à década sem copa, Roberto Sander escreve: “Perto de completar 21 anos, Zizinho já era o grande destaque desse time. O mestre Ziza, como seria chamado nos anos seguintes, foi talvez o melhor jogador do futebol brasileiro na década de 1940. Compará-lo ao Pelé pode até ser exagero, mas a referência, por si só, mostra a importância do craque que, futuramente, seria o ídolo do próprio Rei”.

Flamengo continuou a vencer, Botafogo, que já tinha tomado um 4×1 na ida, tomou um 4×2 na volta com 3 gols de Vevé. Bonsucesso foi outro time duplamente goleado, duas vezes 5×1. E se o Fla-Flu da ida marcou a volta de Perácio, o Fla-Flu da volta marcou a estreia de um futuro ídolo, outro gringo que substituiu Volante, agora um paraguaio, Modesto Bria, buscado pelo compositor rubro-negro roxo e feroz, Ary Barroso. Contam Arturo Vaz, Paschoal Ambrósio Filho e Celso Júnior no livro 100 anos de bola, raça e paixão: “Contra a vontade dos dirigentes do Cerro Porteño, o jovem centromédio paraguaio Modesto Bria, de 21 anos, havia sido indicado ao técnico Flávio Costa pelo influente repórter Geraldo Romualdo da Silva. Ary Barroso, encantado com os relatos do jornalista sobre o craque, esqueceu seu pânico de voar e foi até Assunção, de avião, para buscá-lo. O amor que o compositor tinha pelo Flamengo o fazia superar seus medos. Sem consultar os dirigentes do Cerro Porteño, literalmente, raptou o jovem atleta. Bria chegou ao Brasil e imediatamente conquistou a posição de titular, formando a linha média ao lado de Biguá e Jaime. Tinha uma boa técnica, corria o jogo todo, marcava e apoiava com a mesma facilidade e encarnou a raça rubro-negra. Seu jogo era incansável e contagiava tanto que logo virou ídolo da torcida. Até hoje, é o estrangeiro que mais vestiu o Manto Sagrado, defendendo o Flamengo em 368 partidas”. Roberto Sander escreve a mesma coisa, com outras palavras: “Bria chegou ao Brasil quando faltavam cinco rodadas para o fim do campeonato. Chegou e conquistou imediatamente a condição de titular. Encarnou como poucos o espírito rubro-negro. Além da boa técnica, era um jogador raçudo. Sua garra contagiava. Tinha um senhor pulmão. Com a rapidez de um raio virou ídolo da torcida. Ao lado de Biguá e Jaime de Almeida, ele formou uma linha média que aliava habilidade e disposição. Marcava e apoiava com a mesma facilidade”.

Bria formou a “inesquecível linha” ao lado de Biguá e Jaime de Almeida, também chamada de “bife, arroz e feijão” pela importância e consistência. Agora a palavra para Edilberto Coutinho no seu livro Nação Rubro Negra: “Biguá, Bria e Jaime. Um índio, um branco e um preto. Uma só raça. Rubro-Negra. Um trio imortal da história do Flamengo e do futebol brasileiro. O torcedor do Mengo não faz por menos: essa formação de três é a mais memorável que a história registra desde a Roma de antes de Cristo, com o triunvirato de Crasso, César e Pompeu”. Flamengo empatou contra São Cristóvão num jogo em que uma parte da tribuna do estádio da rua Figueira de Melo caiu, fazendo mais de 200 feridos. O jogo foi paralisado e remarcado 3 dias depois, no São Januário, o São Cristóvão chegando ao empate.

Na reta final do campeonato, ainda lutando pela taça, Flamengo enfrentou Vasco, outro candidato ao título ao lado de Fluminense. Era o Expresso da Vitória em ascensão, com Ademir, Chico, Isaías e Lelê, Vasco vinha de cinco vitórias consecutivas com 24 gols marcados! O campo era o General Severiano, casa do Botafogo, mas quem mandava era o Flamengo. Pirillo levava o perigo na defesa vascaína e quando Vasco atacava, Domingos sobrava com suas domingadas. No final do primeiro tempo, quase atrasado de tanta dominação, Flamengo finalmente abriu o placar graças a um gol de Vevé. O segundo tempo foi avassalador, com 2 gols de Perácio nos 3 primeiros minutos. A torcida vascaína deixava o estádio e não viu Pirillo também fazer 2 gols em 2 minutos. Vasco finalmente fez um gol com Chico, mas logo depois, Zizinho fez o sexto do Mengo. No finalzinho do jogo, Lelé fez outro gol vascaíno. “Os ataques do Vasco no fim do match não representaram uma reação. O Flamengo se deixou atacar, desinteressando-se, por assim dizer, da partida” escreveu Mário Filho no Jornal dos Sports. Durante 81 anos, o 6×2 foi a maior goleada do Flamengo no Clássico dos Milhões.

Na última rodada, Flamengo precisava apenas de um empate contra Bangu para ser campeão e fez mais, muito mais. Foi uma festa completa, do início até o fim, da abertura do placar aos 2 minutos do primeiro tempo com Perácio até o último gol aos 44 minutos do segundo tempo com Pirillo. Flamengo ganhou 5×0 com 3 gols de Perácio e 2 gols de Pirillo, os dois artilheiros do Flamengo no campeonato. Porém, de novo, o maior jogador era Zizinho, como julga o zagueiro Newton Canegal: “Zizinho foi a alma da equipe, a grande estrela, o jogador em tempo de explosão. Para se ter uma ideia de sua forma, de seu talento, é bastante citar que ele despontou assim num conjunto de astros notáveis, pois ali estavam Domingos, Jaime, Perácio, Pirillo”.

A festa na Gávea era completa e se espelhava pela cidade inteira, como escreveu Mário Filho: “A banda de música atacou o hino do Flamengo, das arquibancadas de cimento, desciam aspirais de serpentina. O vento ajudava a espalhar confete por todos os cantos. A Gávea perdera a fisionomia de um campo de football, virara salão de festa. Carnaval em pleno mês de outubro. Na porta do Flamengo parei para ver a multidão ainda em delírio. Algumas pretas baianas, das boas, sambavam desafiando os pára-choques dos autos-lotação, fazendo tudo quanto era automóvel parar. E aquilo ia continuar pela noite à fora. Três bondes formariam o trem da alegria, que iria passar pela Praia do Flamengo, iluminada a gás neon: Flamengo bicampeão”.

Flamengo fechou o ano de 1943 como tinha começado, uma derrota 0x3 no Pacaembu no Torneio de campeões SP-RJ, agora contra o São Paulo de um certo Leônidas. Porém, o time de 1943 talvez foi o melhor do primeiro campeonato do Flamengo, como julga Modesto Bria: “Talvez um time até maior que o de 1944. Porque no de 1943 ainda se chegou a escalar o Flamengo com Domingos da Guia”. Eta um time inesquecível, Domingos na defesa, a linha Biguá, Bria e Jaime no meio, Perácio e Pirillo no ataque, e claro Zizinho para fazer a junção entre a defesa e o ataque, para fazer vencer o Flamengo, brilhar o Manto Sagrado. O Flamengo era o bicampeão, até o bicampeão de terra e mar, já que conquistou de novo o campeonato carioca de remo. No remo, não sabia ainda, ia passar um jejum de 20 anos para reconquistar o campeonato em 1963, mais uma vez campeão de terra e mar. Porque no futebol, já sabia, o Flamengo é o maior campeão, o Flamengo é imortal.

2 respostas para “Times históricos #33: Flamengo 1943”.

  1. Avatar de Jogos eternos #269: Flamengo 6×2 Vasco 1943 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] 1943, um ano histórico no Francêsguista, Flamengo também tinha uma longa série invicta contra Vasco. Não perdia contra o cruzmaltino […]

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  2. Avatar de Ídolos #44: Valido – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] da aposentadoria de Valido, Flamengo conquistou o bicampeonato carioca em 1943, outro ano histórico no Francêsguista, mas perdeu o zagueiro Domingos para o futebol paulista e o atacante Perácio por causa da guerra. […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”