Há um ano, eu encontrava Deus, Nosso Rei Zico, pela segunda vez, depois de Rio em Paris, aproveitando as Olimpíadas e sua presença na Cidade Luz. E a data, como escrevi na crônica da geral, era especial, 29 de julho de 2024, completando os 53 anos da estreia de Zico no Flamengo. Assim, hoje faz 54 anos que Zico estreou com o Manto Sagrado, com estilo, num clássico contra Vasco.
Fazia tempo que Zico era anunciado como craque, até pela família, família de craques de futebol. Em 1965, perguntado sobre quem era o melhor entre ele e Antunes, o craque e irmão de Zico, Edu, respondeu: “Eu acho que o cobra da minha família vai ser o Zico, que está jogando peladas e futebol de salão no Inharé. É também atacante, e todo mundo anda empolgado com ele. Perguntem só ao Antunes”. Daqui o roteiro foi perfeito, Zico ingressou no Flamengo, se esforçou muito, se destacou com os juvenis. Explica o próprio Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia e Roberto Assaf: “Quando vesti a 10 pela primeira vez eu já era um nome muito falado, por ser irmão do Antunes e do Edu e, é claro, por eles terem tido notoriedade no futebol. Tinha aquele negócio deles sempre falarem de mim, ser apontado por eles como o melhor da família e daí começava a cobrança, mesmo porque eu tinha uma história no amador muito boa. E eu sabia que eles falavam do fundo do coração, porque acreditavam de fato, não era por causa de parentesco. Mas havia, sem dúvida, uma expectativa grande quanto a tudo isso. Eu tinha que chegar e mostrar tudo isso no profissional também. Então comecei a fazer as preliminares dos jogos principais e meter gols sem parar, no Fluminense, no Botafogo, no Bangu, no Olaria…”.
Zico conquistou o campeonato carioca juvenil, com gol contra Botafogo, no Maracanã, de pênalti, no mesmo lugar em que Pelé tinha feito o gol mil. Pouco depois, Zico estava de novo no Maracanã, agora no preliminar da despedida de Pelé na Seleção em 1971. E onze dias depois, Zico estava lançado no time principal do Flamengo pelo técnico paraguaio Fleitas Solich. Escreve Marcus Vinícius Bucar Nunes no livro Zico, uma lição de vida: “Se a equipe titular não andava bem, os juvenis do Flamengo estavam com a corda toda. Zico era o artilheiro, disparado, da temporada e estava sendo observado pelo Feiticeiro Don Fleitas Solich, que tinha um sonho: encontrar uma fórmula mágica que pudesse trazer de volta ao Flamengo os bons tempos do tricampeonato. Mas o rolo compressor daqueles anos maravilhosos contava com Joel, Moacir, Dida e Zagalo. Aí, ficava difícil mexer na caixinha mágica dos segredos do futebol, que o transformaram no ‘Velho Feiticeiro’, como era chamado pelos torcedores do Flamengo e pela imprensa brasileira, na segunda jornada do tri. Agora, o Flamengo era outro. Estava mal, praticamente desclassificado da Taça Guanabara. Solich tinha que conviver com a realidade de sua equipe”.
Tinha um novo craque, precisava um palco, o Maracanã, e um rival, o Vasco. Fleitas Solich tinha um pouco de medo de lançar o jovem Zico, ainda franzino. “Não posso correr o risco de queimar um jogador precipitando sua escalação no time titular. Mas eu acho que não tenho outra alternativa a não ser lançar Zico porque não tenho outro” explicou Fleitas Solich para o Jornal dos Sports. Fleitas Solich deixou se convencer com a atuação de Zico no coletivo, fazendo um gol na vitória 4×3 dos reservas sobre os titulares. Agora o Jornal do Brasil, um dia antes do jogo contra Vasco: “Ontem houve treino individual pela manhã e coletivo à tarde. Um grande número de torcedores que foi ver Rogério e Zé Eduardo acabou aplaudindo com muito entusiasmo ao ex-juvenil Zico, autor de um gol e de ótimas jogadas. Zico mostrou no coletivo entre os profissionais que, dentro de pouco tempo poderá ser o titular. Marcado por Fred e Washington, não evitou às jogadas de corpo a corpo e passou sempre pelos dois, sendo que no gol que fez, pulou mais alto que os zagueiros”.
No 29 de julho de 1971, que poderia ser o 1.o de janeiro do ano 1 de um outro Flamengo, ou 26 de abril de 18 do calendário zicoano, o técnico Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Ubirajara Alcântara; Murilo, Washington, Fred, Tinteiro; Liminha, Tales, Nei Oliveira; Zico, Rodrigues Neto, Fio Maravilha. Um time bem mediano, meio ruim, com um craque completo e absoluto apesar dos 18 anos, Nosso Rei Zico. “Embora seja indiscutivelmente um craque, pode, talvez, não estourar de saída, levando a torcida a reações negativas. Por isso pedimos a todos que tenham paciência com ele” implorava o técnico Fleitas Solich, chamado de Feiticeiro e que lançou 17 anos antes, já contra Vasco, o ídolo de Zico, também até esse 29 de julho de 1971 o maior ídolo do Flamengo, Dida.
Com poucos jogadores de classe até então conhecidos, com muito frio, com dois times já eliminados, foram poucos os testemunhos privilegiados que presenciaram a estreia de Zico, tinha apenas 18.603 pagantes no Maracanã. No Clássico dos Milhões, Flamengo começou melhor o jogo. “No Flamengo, as melhores jogadas foram quase sempre de Tales, eficiente no meio de campo, e Fio e Zico, que apesar de poucos entrosados, procuraram jogar sempre de primeira” escreveu o Jornal dos Sports. Aos 30 minutos, Zico, camisa 9 nas costas, já era decisivo com o Manto Sagrado, já inscrevia seu nome na grande história do Flamengo, se eternizava no Mengão. Agora a edição do dia seguinte do Correio da Manhã: “A jogada foi muito bonita. Começou com uma tabelinha entre Nei e Zico, que fez uma boa estreia. No último toque, Zico colocou Nei frente a frente com Andrada. A defesa parou pedindo impedimento e Nei marcou como quis”. O Zico, artilheiro como ninguém na história do Flamengo, começou sua própria história como assistente, símbolo de todos os recursos e sabidos do Galinho.
No final do primeiro tempo, o zagueiro rubro-negro Washington falhou e Rodrigues aproveitou para empatar. O segundo tempo, segundo o Jornal do Brasil, “foi uma cópia do primeiro. Alguns lances individuais, falhas clamorosas dos zagueiros e falta de objetividade dos atacantes”. Salvando um gol certo, Batista se machucou e deixou Vasco com apenas 10 homens em campo. Flamengo aproveitou só no final do jogo, aos 45 minutos, “Fio foi lançado. Na corrida ganhou de Renê e Moisés e, quando Andrada deixou o gol para ir ao seu encontro, Fio chutou violentamente desempatando”. Flamengo vencia Vasco 2×1, por coincidência, talvez homenagem, o mesmo placar do que na estreia de Dida, 17 anos antes.
A estreia de Zico precisava de uma vitória, um lance decisivo, um elogio. “Zico estreou com uma boa atuação: apesar de franzino, é rápido e envolvente, toca a bola com elegância, se mexe bem e tem fome de gols” escreveu o Globo quando o Jornal dos Sports avaliou a atuação de Zico: “Jogou com a bola no chão e fez uma estreia positive. Não se intimidou com Renê e Moisés e cavou boas jogadas de gol. A tendência é subir de produção pois futebol demonstrou que tem”. Futebol Zico tinha, personalidade também, e a Nação tinha agora seu maior ídolo e representante.








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