Jogos eternos #68: Flamengo 3×1 Vasco 2001

Há alguns dias, no 27 de maio, foi o 22o aniversario do Fla x Vasco de 2001, gol de Pet. Conheço algumas datas do Flamengo de coração e de cabeça. 3 de março, dia do nascimento de Zico, claro, e das maiores conquistas, o Mundial de 1981, no 13 de dezembro, as Libertadores de 1981 e 2019, ambos no 23 de novembro, a despedida de Zico, 2 de dezembro de 1989, dia do aniversario do meu pai, o primeiro Fla-Flu, 7 de julho de 1912, dia de meu aniversário. E ainda outras datas, como o 27 de maio de 2001, gol de Pet. Porque é um jogo eterno. Também um minuto eterno, 43 do segundo tempo, quando, para cada jogo do Flamengo, tudo pode acontecer. Tudo isso graças ao Petkovic.

Começo essa crônica com a palavra de Rodrigo Mandarini, jornalista por Meia Hora, no livro 2001, isso aqui é Flamengo, de Claudio Portella e Roberto Assaf: “O dia 27 de maio de 2001 mudou a minha vida. E não há nessa afirmação qualquer exagero. Desde aquele minuto 43, quando o Pet comprovou a existência de Deus naquela falta, minha vida é outra. Se antes eu não acreditava em santos, Pet me fez virar devoto de São Judas Tadeu. Se eu antes não havia presenciado um milagre, naquela bola ele se fez diante de mim. Não sei como não morri naquela hora. Sei que cheguei com uma faixa do Vasco campeão que arranquei do desconhecido que estava na minha frente nas antigas cadeiras azuis, onde presenciei sozinho aquele momento. Não há dúvida de que aquele foi o momento mais feliz da minha vida. E olha que eu tenho dois filhos, Arthur (homenagem ao Zico) e Theo (que não consegui que fosse Dejan, mas significa Deus, então tá valendo de tamanho milagre), pelos quais sou enlouquecido. Mas nem quando eles nasceram fiquei tão alucinado. Se me perguntarem se quero ser dez vezes campeão do mundo contra o Barcelona, mas esquecer aquele 27 de maio, eu juro que não troco. Não troco nada por aquela alegria, que espero que nenhum Alzheimer me tire. Pode fazer eu esquecer até de mim, mas não daquela tarde. Naquele 27 de maio, então no primeiro período de Faculdade de Comunicação, escrevi um texto e mandei para o site do Flamengo. As minhas linhas emocionadas foram publicadas e muito elogiadas nos comentários. Decidi trabalhar no jornalismo esportivo com uma missão: entrevistar o Pet e falar daquele dia com ele. Consegui poucos anos depois. Já conversei com ele tantas vezes desde então que me honra muito que o meu ídolo seja uma pessoa que me conhece e me trate tão bem. Sempre me sinto um garoto diante da primeira namorada quando estou diante do Gringo. O coração acelera, a boca fica seca, os olhos brilham, o sorriso não sai da boca”.

Todo mundo sabe o que aconteceu no minuto 43 do 27 de maio de 2001. Sobre o jogo, quase tudo já foi escrito. Momentos difíceis no Flamengo, apesar dos craques em campo. Momentos de muros pichados na Gávea, de salários atrasados, de brigas de ego entre jogadores. Flamengo perdeu o jogo de ida da final do campeonato carioca contra o arquirrival Vasco e Petkovic quase não jogou o jogo de volta, como explica Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos do Flamengo: “Na sexta-feira, insatisfeito com mais um vencimento não honrado na data correta, o sérvio brigou com dirigentes e abandonou a concentração antes do jantar. Só de madrugada voltou ao hotel, tendo sido levado praticamente à força por um amigo, que lhe explicara o significado daquele improvável Tri. O craque, que a princípio não queria jogar, mudou de ideia. Conscientizou-se de que poderia entrar para a história do principal clube do país”. Mais do que o amigo, foi intervenção de Deus. Esse jogo, esse gol, só podem ser coisas de Deus.

Apesar da derrota no jogo de ida, Flamengo acreditava, porque tinha um técnico de muita fé, Zagallo, acostumado a vencer, inclusive o tricampeonato carioca 1953-1955 com o Manto Sagrado. Um técnico de experiência, de história, que sabia que o título era possível. Um técnico de superstição também, que fez do número 13 seu número de predileção, de sorte. E “Dejan Petkovic” tem 13 letras. Ao lado de Pet, no eterno 27 de maio de 2001, Zagallo escolheu várias pratas da casa, que podiam entender o poder de uma decisão contra Vasco, escalando Flamengo assim: Júlio César; Alessandro, Fernando, Juan, Cássio; Leandro Ávila, Rocha, Beto, Petkovic; Edílson, Reinaldo. Um time histórico para um jogo eterno. Do outro lado, o timaço do Vasco, de Pedrinho, Juninho Paulista, Euller e Viola, campeão brasileiro alguns meses antes. Mas Flamengo é Flamengo, sempre Flamengo.

Com 20 minutos de jogo, Beto, camisa do Che Guevara por baixo do Manto Sagrado, driblou um, achou Cássio, que achou o pênalti. Sem briga entre Edílson e Petkovic, Edílson pegou a bola, pegou larga distância e chutou forte, chutou no gol. Com esse gol, Edílson chegava ao 15o gol no campeonato, acabando com o reino de Romário, lesionado para esse jogo, e que vinha de cinco artilharias consecutivas. Por causa do critério de desempate, Flamengo ainda estava atrás no placar agregado e numa falta de sorte, Viola recuperou a bola e deixou Juninho Paulista livre para empatar o jogo, para deixar Vasco ainda mais perto do título.

Mas Flamengo é Flamengo, Zagallo é fé, e nos vestiários, o técnico veterano conseguiu incentivar o time, fazer todo mundo acreditar no título. E no início do segundo, um primeiro brilho de Pet, um drible com pedaladinha sobre Paulo Miranda, e um doce na cabeça de Edílson, para o 16o do campeonato, para o gol da fé. Agora, vamos já no final do jogo, no minuto 43. Uma falta de Fabiano Eller sobre Edílson, a 25 metros do gol vascaíno. Uma falta perfeita, para um craque, brasileiro ou não, um craque como Zico foi, como Petkovic era. Um segundo antes da falta, a cara de ansiedade de Alessandro no banco representa todos os flamenguistas nesse exato momento. No banco, Zagallo e a fé: “Santo Antônio estava no meu bolso, ele anda sempre comigo. Na hora da falta, quando vi que o Pet ia bater, segurei com força meu terço e apelei: ‘Me ajude por favor’. É preciso ter fé sempre”. Cito também o goleiro Júlio César, que falou: “Creio que 35 milhões de pessoas bateram aquela falta junto com o Pet”. E não foi falta de sorte, foi falta de Deus.

Dejan Petkovic, com 35 milhões de flamenguistas e Deus ao seu lado, chutou, achou um ângulo perfeito, o ângulo de Helton, curto de alguns centímetros e eternizado ao mesmo tempo do que Pet. Petkovic saiu correndo igual louco, colapsou no chão para uma comemoração também eterna. É provavelmente o gol do Flamengo que mais assisti na minha vida, e também um dos gols mais icônicos da história do Flamengo, junto com o gol de Gabigol no Milagre de Lima. Nem o gol de Zico contra Cobreloa ou o gol de Nunes contra Liverpool têm essa coisa. O gol de Pet foi o gol do Tri, um gol contra Vasco numa final sim, mas ainda tem uma coisa a mais, talvez porque seja de falta, seja no final do jogo, seja do Pet, não sei porque exatamente, e talvez é isso, porque esse gol tem uma coisa inexplicável, indescritível, mas com uma certeza: “gol de Pet”, todo mundo sabe de qual jogo é.

Quando falo com alguns flamenguistas apaixonados, gosto de perguntar qual foi a maior emoção deles no Maracanã. E já encontrei alguns dos 60.038 sortudos presentes no Maraca nesse dia, com para mim a mesma mistura de emoções, um sentimento de inveja e de alegria para o irmão flamenguista. Se podia escolher ir num jogo passado do Flamengo, ficaria na dúvida entre alguns jogos, talvez o gol de Rondinelli contra Vasco em 1978, talvez o Tri e o 3×0 contra Santos em 1983, mas mais provavelmente o Hexa contra Grêmio em 2009 ou o gol de Pet. Talvez com uma dúvida, escolher o gol de Pet seria arriscar demais uma parada cardíaca.

No final, Flamengo tricampeão em cima do Vasco, Vasco tri-vice, Fla tetra-tri, um título do campeonato carioca mas que valia a Copa do Mundo, até para quem já conquistou o título supremo do futebol, e 4 vezes, como o técnico Zagallo, que falou depois do jogo: “Ficou claro que o preto e vermelho é quem manda no Maracanã. Era minha última oportunidade de conquistar um novo Tri. Este tricampeonato, na minha vida, valeu como se eu tivesse ganho outra Copa do Mundo”. Flamengo é eterno, como esse gol do Gringo, ídolo do Flamengo e que falou de um desejo que sem saber realizaria só dez anos depois: “Já disse que quero encerrar minha carreira no Flamengo, mas isso não depende só de mim. O que sei é que faço parte agora da história do Flamengo, e isso ninguém vai nunca poder apagar”. Ninguém vai apagar, ninguém pode apagar, e todo mundo vai relembrar o gol de Pet, para quem viveu, no Maracanã ou na televisão, ou quem não viveu, mas que sabe do patrimônio do Flamengo.

Para fechar a crônica, um trecho do livro de João Luiz Silva, Flamengo, uma história divina, que evidentemente fala sobre o gol de Pet: “E chegou o tão esperado dia: 27/05/2001. A princípio, um dia como outro qualquer. Mas que, a despeito do que dizem e pensam os historiadores do Universo, tem antes e depois desse dia. A torcida vascaína, então campeã brasileira e da Mercosul, chegava extremamente confiante ao Maior do mundo. A torcida rubro-negra, apesar da necessidade da vitória, e que ainda não fosse pela diferença mínima, cresce nas adversidades e também chegava confiante. Pelo Vasco, Romário, contundido, não ia jogar. Um problema a menos para o rubro-negro. Mesmo assim, a maioria das opiniões de crítica e público era de que a vitória, ou pelo menos o título, seria cruz-maltina. Também nos céus a torcida se preparava para assistir ao jogo. Primeiro chegou Deus, em segundo, aliás, como sempre acontecia, chegou São Januário. Depois, chegaram os outros. A tensão era grande. E o Vasco, com todo o favoritismo, realmente começou melhor […] Até que acontece o lance que mudou a história do Universo. 43 minutos do segundo tempo. Falta para o Flamengo. A torcida cruz-maltina já comemora o título não acreditando que a falta, que realmente era um pouco longe, pudesse resultar em alguma coisa. No céu São Judas Tadeu vê o técnico Zagallo segurar a sua medalhinha e fazer uma prece. Sem pensar que o técnico não podia ouvi-lo São Judas comenta: – Desculpe Zagallo, mas ao contrário do que você imagina, eu não posso fazer nada. – Nem você, nem ninguém – sorri São Januário, feliz da vida. Será que ninguém mesmo ? Deus assiste ao jogo muito quieto, diferente da Sua maneira habitual. No entanto, tal atitude é confundida com calma ou até com apatia, mas ninguém desconfia do que está para acontecer. A torcida do Flamengo estica os braços e balança as mãos buscando transmitir energia positiva para Petkovic. O comentarista Washington Rodrigues, o Apolinho, informa que São Judas acaba de chegar ao Maracanã. No céu, São Judas, nervoso, ri de brincadeira. O Maracanã aguarda ansioso. O paraíso também. Pet corre para a bola, bate com muita categoria buscando tirar o goleiro Helton da jogada e fazer com que a bola entre no ângulo superior esquerdo da meta vascaína. Mas para infelicidade rubro-negra a bola segue o caminho da linha de fundo. Por pouco, muito pouco, mas mesmo assim para fora. E exatamente neste instante, tudo muda. Deus não vai perder a oportunidade de mais um tri. Sentado onde está, sem nenhum esforço aparente, Ele sopra de leve. Muito de leve. Mas o suficiente para a bola sofrer um desvio milimétrico e morrer no fundo da rede. Fla 3×1. Fla tricampeão. Vasco tri-vice. Êxtase no céu e na terra. A galera rubro-negra comemora enlouquecida no Maracanã, no Rio, no Brasil, no planeta. E além dele. Também no céu onde a maioria rubro-negra pula e grita animadamente até o apito final”.

15 respostas para “Jogos eternos #68: Flamengo 3×1 Vasco 2001”.

  1. Avatar de Times históricos #19: Flamengo 2009 – Francesguista

    […] 10, Petkovic escolheu a camisa 43, como o minuto que o eternizou no Flamengo, na hora de conquistar o Tri contra Vasco. Estava feliz com a escolha dele, porém sem o sonho de ver ele como destaque do Brasileirão. […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #74: Santos 4×5 Flamengo 2011 – Francesguista

    […] x Flamengo de 2011, um dos maiores jogos da história do Brasileirão, se não o melhor. Como o Flamengo x Vasco de 2001 sobre qual escrevi há pouco, todo mundo que assistiu ao jogo relembra onde era, de tanto […]

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  3. Avatar de Ídolos #24: Juan – Francesguista

    […] para conquistar o bicampeonato. O bi para Juan veio no campeonato carioca em 2001, quando Flamengo derrotou Vasco com o gol eterno de Petkovic. Fla também conquistou nesse ano a Copa dos Campeões, com mais um gol de Juan na final contra […]

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  4. Avatar de Jogos eternos #94: Flamengo 5×3 São Paulo 2001 – Francesguista

    […] mês depois do jogo eterno contra Vasco, Flamengo estreou na Copa dos Campeões com vitória 4×2 sobre Bahia, campeão da Copa […]

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  5. Avatar de Jogos eternos #98: Corinthians 1×2 Flamengo 2001 – Francesguista

    […] ídolo Petkovic brilhou muito em 2001, com gol de falta contra Vasco e título carioca, com outro gol de falta e outro título, o da Copa dos campeões contra São Paulo depois de um […]

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  6. Avatar de Jogos eternos #99: Cruzeiro 0x1 Flamengo 2001 – Francesguista

    […] Mais uma vez eu vou de um jogo de 2001, algumas semanas depois do jogo de ida da final da Copa dos Campeões contra São Paulo e do jogo contra Corinthians no Brasileirão. Nos dois jogos, o ídolo Petkovic brilhou, como brilhou no jogo eterno contra o Vasco nesse mesmo ano de 2001, gol de Pet, tri do Flamengo. […]

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  7. Avatar de Ídolos #28: Zagallo – Francesguista

    […] no 27 de maio de 2001, claro um jogo eterno no Francêsguista, com estátua de Santo Antônio no bolso de Zagallo, com bola na gaveta de Pet, Flamengo foi […]

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  8. Avatar de Jogos eternos #116: Flamengo 2×3 São Paulo 2001 – Francesguista

    […] Edílson, Reinaldo. Flamengo se classificou para a Copa dos Campeões como campeão carioca, com o gol eterno de Pet contra Vasco, também um jogo eterno no Francêsguista. Já o São Paulo se classificou graças a vitória no Torneio Rio – São Paulo e a grande […]

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  9. Avatar de Jogos eternos #121: Flamengo 3×1 Vasco 1976 – Francesguista

    […] do jogo de 1991 com Júnior brilhando, de 1996 com Sávio e Romário brilhando e claro, o gol do Tri de Petkovic em 2001. Também deixei uma homenagem ao Roberto Dinamite com um 2×2 na Taça Guanabara de 1975, com […]

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  10. Avatar de Ídolos #30: Gamarra – Francesguista

    […] carioca, Gamarra se machucou no jogo de ida da final e não disputou o jogo de volta, quando Petkovic se eternizou no minuto 43. Mesmo assim, Gamarra conquistou o campeonato carioca, depois de já ter no currículo o campeonato […]

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  11. Avatar de Jogos eternos #144: Palmeiras 0x2 Flamengo 2009 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] quando fez um golaço de falta na final da Copa dos Campeões, fazendo o gol bis do gol contra o tri-vice Vasco. Petkovic é muito ídolo do Flamengo e não tem jeito, o jogo eterno de hoje é todo […]

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  12. Avatar de Jogos eternos #152: Vélez Sarsfield 2×3 Flamengo 1995 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] Washington Rodrigues morreu, partiu com sua grande paixão em campo. Em 2001, segundos antes do gol do Tri de Petkovic, Apolinho profetou: “E acaba de chegar São Judas […]

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  13. Avatar de Jogos eternos #159: Flamengo 6×1 Vasco 2024 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] um momento eternizado tantas vezes no Clássico dos Milhões, Valido em 1944, Rondinelli em 1978, Petkovic em 2001, jogada começou mais uma vez nos pés de Arrascaeta. Para Luiz Araújo, de calcanhar para Wesley, […]

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  14. Avatar de Ídolos #44: Valido – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] Para a crônica #44, o nome de Valido é duplamente obvio. Fez 44 gols com o Manto Sagrado entre 1937 e 1944. Ídolo das massas, foi realmente em 1944 que se eternizou no Flamengo, com um gol que faz parte da Santa Trinidade dos gols decisivos contra Vasco, Valido em 1944, Rondinelli em 1978, Petkovic em 2001. […]

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  15. Avatar de Jogos eternos #272: Flamengo 1×1 Corintians 2011 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] com o mesmo lance na cabeça. Era quase quase do mesmo lugar que Pet se eternizou no Flamengo, no 27 de maio de 2001. Dez anos depois, Flamengo tinha alguns cobradores de falta de alta categoria: Renato Abreu, […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”