Jogos eternos #101: Grêmio 0x1 Flamengo 1982

Em agora mais de 100 crônicas na categoria dos jogos eternos, ainda teve poucos títulos brasileiros, na verdade apenas o jogo de ida contra Botafogo em 1992 e o jogo do hexa, com o gol do Angelim no escanteio que Pet cobrou, já contra Grêmio. E teve outros jogos eternos contra Grêmio no francêsguista, em 1995 com show de Sávio, em 1999 com show de Romário e claro, o Cincum de 2019.

Para hoje, vamos então de um título brasileiro, de um ano histórico já eternizado nesse blog, 1982. O Flamengo vinha do melhor ano de sua história, com 3 títulos importantíssimos entre o 23 de novembro e o 13 de dezembro de 1981. Flamengo continuou a brilhar no início de 1982 e se classificou para a final do Brasileirão depois de eliminar Sport, Santos e Guarani no mata-mata. O adversário agora era o Grêmio, que conquistou um ano antes seu primeiro Brasileirão. Talvez era o maior jogo possível para a final, com dois timaços. E ainda era a época de um futebol com identidade regional forte, e o futebol gaúcho era muito duro, difícil de manobrar. Vale a pena citar o grande João Saldanha, que escreveu sobre os dois times antes da final: “Todos conhecem o time do Flamengo com seus grandes cobras, homens acostumados a jogar em qualquer situação. Um Zico, Júnior, Leandro, Adílio, Andrade, Raul, Marinho, Lico e mais outros que nem sentem onde estão. Se o gramado for bom, jogam igual aqui ou ali. Em Porto Alegre ou em Sevilha. Creio não estar dizendo novidade. O time do Flamengo é bem conhecido. Mas acho que anda cometendo um erro fundamental e isto inclui alguns colegas gaúchos. Se o time do Flamengo é um time de ‘artistas’, resolveram dar ao Grêmio a tônica de time de futebol-força […] Vejam bem, homem por homem, que o time do Grêmio é muito bom de bola e não o que pretendem afirmar, um time de ‘briga’, de ‘raça pura’ ou que corre mais. Nada disso. É o time de cobras. O Leão custou uma nota. Se não é o melhor goleiro do Brasil, é um dos melhores. O Paulo Roberto, jogador novo e de primeira qualidade, chuta bem e sabe jogar bola. Tanto como um Edvaldo ou Perivaldo. Depois vem o De León. Gostaria que fosse brasileiro”.

No jogo de ida, com 138.107 presentes no Maracanã, Tonho abriu o placar no final do jogo para Grêmio, mas Zico salvou o empate no finalzinho, talvez salvou o título. No Olímpico, com 74.238 presentes, segundo maior público da história do estádio, mais um empate, agora 0x0. O resultado forçava um terceiro jogo, de novo no Olímpico. Anunciava mais uma batalha num lugar hostil, agora com 62.256 presentes, um público um pouco menor por causa dos preços altos dos ingressos. Um dia antes do jogo, Zico anunciou um 1×0 para o Flamengo, com gol de Nunes. Nunes confirmou, apontando para os jornalistas: “Será ali que vou marcar meu gol. Quem não estiver lá não vai fotografar nada”.

No 25 de abril de 1982, Paulo César Carpegiani, ídolo do Internacional e técnico rubro-negro, escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Figueiredo, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Lico, Nunes. E Carpegiani adaptou seu sistema em relação ao jogo anterior, com Lico na ala direita e Zico mais atrás. “O Grêmio caiu nesta armadilha. O Batista, mais separado dos zagueiros, não sabia se colocava no Zico ou se marcava o Tita. O gol nasceu dessa indecisão” explica Carpegiani no livro 20 jogos eternos do Flamengo, de Marcos Eduardo Neves. Agora quem narra o gol é o maior de todos, Zico, no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia: “O Nunes se colocava muito bem, tinha uma movimentação muito grande, eu sempre conversava com ele: ‘Quando eu pego a bola, a primeira coisa que faço é dar ao centroavante, porque é quem está mais perto do gol. Eu vou pegar a bola e dar a você’. O Nunes já ficava esperando. Foi um passe legal. Se fosse hoje, ia ganhar cinco páginas de jornal. Porque hoje o cara faz uma coisinha… Naquele jogo eu fiz aquela jogada e ainda disseram que eu fui uma lerda. As cobranças eram outras, né? Hoje você faz uma coisa só, o cara é um Deus, valeu o ingresso. Recebi na lateral, dei uma caneta no Vílson Taddei, ele ficou sem pai nem mãe, olhei, meti a bola entre os dois zagueiros, o Nunes entrou e bateu. Gol. Foi um jogo duro, equilibrado, mas nosso time segurava muito bem a bola, tinha muito toque de bola, saía bem no contra-ataque”.

Nunes, apenas 5 gols no Brasileirão de 1982, fazia mais um gol num jogo de título, depois do doblete contra o Atlético Mineiro em 1980, outro doblete contra Liverpool em 1981. Grêmio tentou reagir, botou pressão, na defesa do Mengo e no juiz, mas não fez gol. Quem explica agora é o goleiro flamenguista Raul, no livro 6x Mengão, de Paschoal Ambrósio Filho: “Depois do gol do Nunes, eles vieram com o jogo aéreo. Toda hora era chuveirinho dentro da área. E eu adotando, porque eu gostava desse tipo de jogo. Era mais fácil para mim. Teve um lance na nossa pequena área que o Grêmio veio com tudo. A maior confusão e a bola ia entrando. Até hoje os gremistas reclamam de pênalti, pois dizem que o Adílio ou o Andrade tiraram a bola com a mão. Nada disso. Quem tirou a bola, quase em cima da linha, fui eu”. Grêmio não fez gol, Nunes fez o único tento do jogo, e Flamengo era o campeão.

No dia seguinte, o Jornal do Brasil manchetou “Fla é campeão com técnica e raça” e fez de Andrade, esquecido pelo Telê Santana na lista para a Copa na Espanha um dia depois, o melhor do jogo: “Ele foi o melhor do Flamengo e do jogo. Perfeito na defesa, marcando Paulo Isidoro, cobrindo todos os setores, tirando o perigo de sua área e, para completar, exigindo toda a sua categoria com a bola nos pés. Uma atuação impecável”. Vale também relembrar a capa de Placar uma semana depois: “Deus no céu, Mengão na Terra”. E tinha um outro Deus no Olímpico, Zico, que acabava de vez com essa lenda que era apenas um jogador do Maracanã. Zico artilheiro do campeonato, Flamengo bicampeão brasileiro. Para fechar, um trecho da crônica para o Jornal do Brasil do grande Sandro Moreyra, botafoguense feroz, mas não tanto amargado: “Resta continuarmos aguentando a ruidosa euforia rubro-negra, suas charangas, seus hinos, seus foguetes. Ele é o maior mesmo, que é que se vai fazer?”. Nada, nada, Flamengo é o maior, Flamengo é o campeão.

5 respostas para “Jogos eternos #101: Grêmio 0x1 Flamengo 1982”.

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  4. Avatar de Jogos eternos #160: Flamengo 2×0 Grêmio 2011 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”